Mulher-Maravilha-1984-1

Título Original

Wonder Woman 1984

Lançamento

16 de dezembro de 2020

Direção

Patty Jenkins

Roteiro

Patty Jenkins, Geoff Johns e David Callaham

Elenco

Gal Gadot, Chris Pine, Kristen Wiig, Pedro Pascal, Lucian Perez, Lilly Aspell, Robin Wright, Connie Nielsen, Amr Waked, Kristoffer Polaha, Natasha Rothwell, Ravi Patel, Gabriella Wilde, Oliver Cotton, Stuart Milligan e Kelvin Yu

Duração

151 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Patty Jenkins, Gal Gadot, Charles Roven, Zack Snyder, Deborah Snyder e Stephen Jones

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Mulher-Maravilha 1984 acompanha Diana Prince em 1984, durante a Guerra Fria, entrando em conflito com dois grande inimigos, o empresário de mídia Maxwell Lord e a amiga que virou inimiga Barbara Minerva, enquanto se reúne com seu interesse amoroso Steve Trevor.

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Mulher-Maravilha 1984 | Crítica

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Quando escrevi sobre o primeiro Mulher-Maravilha, há mais de três anos, comentei como aquela (ótima) adaptação da DC me fez lembrar de Superman – O Filme, que, dirigido por Richard Donner em 1978, trazia uma cena de Clark Kent e Lois Lane sendo emboscados por um assaltante em um beco que, em dado momento do filme de Patty Jenkins, ganhava uma espécie de releitura que invertia os papeis e o gênero do casal envolvido na situação, trazendo a amazona Diana Prince para o posto de super-heroína que neutralizaria os inimigos e relegando o aviador Steve Trevor à condição de mera testemunha. Da mesma forma, não nego que este Mulher-Maravilha 1984, à sua própria maneira, também me remeteu às aventuras do Superman de Christopher Reeve – o problema é que, se antes a referência era o brilhante primeiro filme, desta vez o longa que me veio à mente foi Superman III.

Escrito por Jenkins, por Dave Callaham e pelo quadrinista Geoff Johns, o roteiro desta continuação demonstra ter sofrido em função dos diferentes tratamentos dados por cada profissional, se revelando uma colcha de retalhos que aglomera uma penca de ideias que não funcionam bem em conjunto e que ajudam a tornar o filme um caos absoluto. Basta dizer que a trama se passa quase setenta anos após o primeiro longa e traz Diana, agora trabalhando no Smithsonian, recebendo no museu uma pedra mágica e antiga que tem o poder de realizar um desejo de qualquer um que a tocar – o que acaba atraindo a atenção do apresentador de tevê Max Lord, interessado em usar o artefato para angariar clientes que queiram ter seus sonhos concretizados. Ao mesmo tempo, Diana é apresentada a uma nova colega de trabalho, a insegura e antissocial Barbara Minerva, cujo desejo é… bem, tornar-se legal como a protagonista (e vocês já sabem aonde isso vai dar). Por último, há também o sonho da própria Diana, que, depois de passar setenta anos sem superar a morte do amado Steve Trevor no capítulo anterior, deseja que este volte à vida – o que é dito e feito.

Em seus momentos iniciais, devo apontar, Mulher-Maravilha 1984 (de agora em diante, MM84) funciona muito bem ao demonstrar interesse em abraçar com unhas e dentes o absurdo de sua premissa fantasiosa, não hesitando em investir numa abordagem camp que, refletida no excesso de cores que toma conta da tela logo quando a heroína surge em ação pela primeira vez (seu uniforme nunca esteve tão colorido), permite que Patty Jenkins reconheça estar lidando com um material voltado para crianças (como são os super-heróis, afinal) e crie sequências que trazem a Mulher-Maravilha lutando, por exemplo, contra assaltantes de shopping que fazem caretas enquanto são pegos pela amazona (pensem no Batman de 1966 ou mesmo – se formos mais grosseiros – no já citado Superman III e nos Batmans de Joel Schumacher). Esta leveza, aliás, é bem-vinda em um subgênero que, embora protagonizado por heróis criados para agradar crianças no início do século 20, mudou drasticamente após Christopher Nolan conceber uma trilogia “adulta” situando o Batman no mundo real – e, se a ideia funcionou ali, depois passou a soar como uma vontade cínica e adolescente de negar o aspecto infanto-juvenil destas produções, resultando em bombas como Quarteto FantásticoBatman vs Superman e, mais recentemente, Os Novos Mutantes.

Neste sentido, Patty Jenkins se sai particularmente bem ao dirigir sequências de ação que aceitam e embarcam no absurdo da premissa de uma super-heroína cuja principal arma é um laço que obriga seus inimigos a falarem a verdade, divertindo-se ao trazê-la fazendo coisas exageradíssimas como laçar um projétil em movimento e empregar sua tiara como bumerangue. Além disso, Jenkins encontra espaço no meio destas cenas para ressaltar a conduta heroica da Mulher-Maravilha (que, afinal, é uma super-heroína encarregada de disseminar a moral e os bons costumes), trazendo-a piscando para crianças enquanto termina de neutralizar assaltantes e fazendo questão de avisar que “Os freios ainda funcionam” após arrancar o volante do caminhão dirigido por um capanga do vilão (mesmo que a cena em que ela salva duas meninas muçulmanas de um atropelamento soe deslocada e enfiada à força com o objetivo apenas de limpar a imagem de Gal Gadot, que já declarou repetidas vezes seu apoio ao exército israelense na invasão à Palestina a ponto de relativizar o assassinato de crianças na região). Em contrapartida, toda a batalha que ocupa o terceiro ato se revela um imenso desapontamento, atirando Diana em uma luta genérica contra Barbara transformada em gato gigante – e o fato de se passar à noite, no escuro, para esconder a artificialidade dos efeitos visuais contribui para tornar a ação confusa e difícil de acompanhar.

E é aqui, infelizmente, que começam os problemas de MM84, já que, embora iniciando de forma promissora ao investir em uma abordagem lúdica, fabulesca e direta ao ponto, aos poucos o longa parece perder o interesse na proposta que ele mesmo sugerira, voltando ao lugar-comum de todo filme de super-herói genérico e – o pior – inchando a narrativa com tramas, subtramas, personagens e ideias que nada têm a ver umas com as outras – e o fato de uma consumir o tempo de tela da outra faz com que todas, no fim das contas, tornem-se igualmente superficiais e mal desenvolvidas, forçando o retorno de Steve Trevor sem motivo algum, obrigando os personagens a irem ao Cairo sei lá por que, fazendo os planos de Max Lord soarem confusos e propondo uma discussão acerca da “importância de fazer o bem e de falar sempre a verdade” que, de tão superficial, acaba parecendo uma filosofia de boteco barata. Assim, fica a impressão de que, a cada nova discussão que o filme propõe, mais paradoxalmente vazio ele se torna – o que atinge o fundo do poço, como já dito, no clímax que tenta resolver a questão da “importância de fazer o bem”, mas que, por esta não ter sido desenvolvida com cuidado antes, acaba atropelando-se em seus esforços a ponto de soar como um discursinho cafona de autoajuda.

O que talvez não representasse um grande problema caso – mais uma vez – Jenkins levasse à frente a abordagem camp e exagerada que propôs inicialmente. Em vez disso, porém, a diretora aos poucos vai perdendo o interesse na ideia que tivera a princípio (e em qualquer outra que lhe ocorra depois disso, para falar a verdade), fazendo a narrativa perder o charme fantasioso que mantinha no começo e se tornar cada vez mais genérica à medida que suas imensas duas horas e meia de projeção avançam. Neste sentido, não deixa de ser irônico que até mesmo a ambientação oitentista proposta pelo título do projeto seja gradualmente esquecida ao longo de seu transcorrer: se no começo as roupas extravagantes, os carros possantes, os antigos fliperamas e mesmo a trilha animadinha pareciam tentar estabelecer a estética dos anos 1980 como algo importante para o estilo do longa, depois só voltam a ter alguma serventia quando Steve Trevor volta à vida, anda pelas ruas ao lado de Diana e se depara, estupefato, com um novo mundo (um arco que, por si só, era inútil para a narrativa).

Aliás, para um filme estrelado por uma super-heroína que virou símbolo do empoderamento feminino nos últimos anos, é irônico que MM84 passe a maior parte do tempo retratando Diana como uma mulher dependente de seu parceiro a ponto de dedicar os últimos setenta anos de sua vida a… lamentar o luto por tê-lo perdido e buscar formas de mantê-lo vivo na memória (chegando a colecionar itens que remetam a ele e deixá-los expostos na sala de estar) em vez de seguir com seu próprio rumo. E se a ideia de trazê-lo de volta em plena década de 1980 poderia servir como uma subversão bacana da dinâmica do primeiro filme, com o posto de “peixe fora d’água” agora sendo ocupado por Steve em vez de Diana, na prática acaba servindo apenas para criar meia dúzia de piadinhas óbvias – e a prova de que a heroína se deixa definir por seu par romântico está no fato de ele salvá-la repetidas vezes (até de meros tiros) e ainda fazê-la descobrir um superpoder que nem sabia que tinha mesmo após sei lá quantos séculos.

(E não querendo ser chato, mas já sendo: a solução encontrada para trazer Steve de volta não é meio… antiética? Não é estranho que a Mulher-Maravilha jamais perceba o disparate que é a consciência de uma pessoa invadir e roubar o corpo de outra? Afinal, aquele cara era um ser humano que teve sua vida repetidamente posta em risco contra sua vontade e que, inconsciente, foi submetido a uma relação sexual com a heroína, certo? Ou estou delirando?)

Irritante no hábito de apresentar recursos milagrosos para certas situações de última hora (o superpoder até então desconhecido de fazer um jato ficar invisível; a capacidade até então desconhecida de voar; a armadura dourada que deveria simbolizar a evolução da heroína embora já estivesse guardada em seu escritório desde o início), MM84 encontra melhor sorte em seus vilões: Pedro Pascal rouba praticamente todas as cenas das quais participa, demonstrando entender o tipo exagerado de personagem que está interpretando ao viver Max Lord como uma caricatura declarada de Donald Trump (mesmo que o roteiro não resista a trair sua personalidade caricata ao incluir um draminha dispensável envolvendo seu filho), ao passo que Kristen Wiig se equilibra bem entre a caricatura e a realidade ao encarnar a timidez e o humor de Barbara Minerva (mesmo que seu arco termine atolado em meio a tantos outros, sacrificando, com isso, a clareza do motivo que a leva a se tornar a Mulher-Leopardo).

Trazendo uma participação especial durante os créditos finais que talvez inspire um sorrisinho de nostalgia nos fãs mais antigos da personagem, mas que, para mim, soou como uma tentativa tardia e desesperada de provocar algum entusiasmo depois de duas horas e meia de frustrações, Mulher-Maravilha 1984 não é um desastre – mas chega perto de ser.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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