Superar ou mesmo se igualar ao primeiro Guerra nas Estrelas (ou Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança, como queiram) parecia impossível, já que se tratava de um dos maiores e mais inovadores fenômenos da História do Cinema. Afastado da direção da inevitável sequência, George Lucas – o criador da franquia – cedeu o comando a professor de faculdade Irvin Kershner (que anos mais tarde realizaria o fraco RoboCop 2), que, a princípio, se mostrou relutante quanto à possibilidade de se responsabilizar pela continuação de um sucesso que parecia insuperável. Por sorte, Kershner aceitou o desafio e não apenas explorou com maestria o potencial sombrio de Star Wars como ainda idealizou (junto, é claro, ao ótimo trabalho dos roteiristas) o melhor capítulo da saga: O Império Contra-Ataca.
Escrito por Leight Brackett, Lawrence Kasdan e pelo próprio Lucas (que não foi creditado), Episódio V se inicia no gélido planeta Hoth com a Aliança Rebelde prosseguindo com a luta contra o Império Galáctico, que desta vez conta com uma liderança ainda maior de Darth Vader. Ao mesmo tempo, Luke Skywalker recebe um comunicado de seu falecido mentor Obi-Wan dizendo para ir ao sistema Dagoba no intuito de ser treinado pelo antigo mestre Jedi Yoda. No entanto, este afastamento deixa Leia, Han Solo, Chewbacca e C-3PO soltos no espaço tendo que escapar dos ataques dos inimigos e com o propulsor de hiperespaço da nave Millennium Falcon danificado. Consequentemente, os quatro decidem se encaminhar à Cidade das Nuvens do planeta Bespin para encontrar Lando Calrissian, um contrabandista e velho amigo de Han que perdeu sua nave para este depois de ser vencido numa partida de sabacc (um baralho espacial). Creio que seja melhor encerrar esta sinopse por aqui, pois as melhores surpresas do filme podem ser estragadas caso eu continue.
Adotando um tom mais sombrio e intenso que o escapismo puro de Uma Nova Esperança, O Império Contra-Ataca surpreende por contar com uma carga maior de dramaticidade e se consolidar como uma experiência imprevisível onde o espectador sente com clareza que os perigos oferecidos pela narrativa podem trazer consequências graves para os protagonistas – o que sempre é um elogio, pois é um indício dos poderes de imersão e comprometimento emocional que podem ser despertados pela obra. E se mesmo o filme original, por mais lúdico e aventuresco que fosse, chocava eventualmente com imagens inquestionavelmente pesadas (como aquela que trazia os corpos carbonizados dos tios de Luke Skywalker), esta continuação se mostra ainda mais madura que o antecessor ao se aprofundar nos dramas pessoais dos personagens e lidar com a trajetória dos mesmos de maneira notavelmente séria e opressiva.
O que nos traz, é claro, a um dos grandes atrativos de O Império Contra-Ataca: seu terceiro ato. Melhorando uma experiência que já podia ser descrita como fascinante, os últimos 30 minutos do longa trazem uma quantidade considerável de impactos inesperados e chocantes que envolvem a imprevisibilidade de Lando Calrissian (que trai seus companheiros antes de apoiá-los) e a crueldade de Darth Vader ao congelar Han Solo em carbonite. Ainda assim, o fato é que todos os minutos de Episódio V aparentam ter sido estruturados para preparar o espectador para o primeiro (e espetacular) combate entre o antagonista e Luke Skywalker, e não há reviravolta em Star Wars que se compare ao seguinte diálogo…
– Se você apenas conhecesse o poder do lado negro… Obi-Wan nunca lhe contou o que houve com seu pai.
– Ele me disse o suficiente. Ele me disse que você o matou
– Não, eu sou seu pai.
O anúncio de que Darth Vader é na verdade pai de Luke certamente é uma das maiores preciosidades da cultura pop. Além de servir maravilhosamente como reviravolta, visto que o filme inteiro aparentava se preparar para este clímax de modo ordenado e isento de furos ou outros motivos que fizessem o público negar a veracidade de tal momento, esta reviravolta demonstra um exercício de ousadia admirável por parte do roteiro, já que o fato do antagonista ser pai do herói obviamente pode ser descrito como um tema complexo e rico em potencial. Da mesma forma, constatar que Luke é capaz de se atirar num abismo para recusar a oferta de se entregar ao lado negro da Força representa mais um momento de enorme comoção; sem contar que ver o protagonista tendo sua mão decepada (uma imagem, novamente, impactante) surpreende ao ilustrar a desconstrução do conceito do herói invencível.
Ainda assim, a atmosfera austera e densa de O Império Contra-Ataca não chega a impedir a identidade de Star Wars se perca nesta continuação – o que, logicamente, é um alívio. Sabendo dosar os instantes mais dramáticos com os mais leves, o excelente roteiro demonstra habilidade ao explorar, por exemplo, o potencial cômico da relação entre Leia e Han Solo sem que a mesma se torne vazia ou caricatural; e vale destacar que a química entre os dois personagens rende diálogos impagáveis como “Um dia você vai estar errado, e eu vou querer estar lá pra ver” e um “Eu te amo” correspondido com um fantástico “Eu sei” (o que foi resultado de um improviso brilhante de Harrison Ford, que, segundo o roteiro, deveria dizer “Eu também“). Paralelamente, a interação entre C-3PO e R2-D2 ganha novos contornos já que os dois androides são separados por aproximadamente dois terços da projeção; o que abre portas para que o personagem dourado estrele outros alívios cômicos geniais desenvolvendo, por exemplo, sua relação com Han (que não suporta sua tagarelice).
E se Carrie Fisher ganha a oportunidade de conferir profundidade à princesa Leia e fazer com que esta se torne uma heroína cheia de atitude em vez de uma donzela em perigo, Harrison Ford segue encarnando um personagem agradavelmente orgulhoso e egocêntrico com um carisma que serve para torná-lo ainda mais adorável (é divertidíssimo vê-lo reagir a uma falha de sua nave exclamando um magoado “Não é justo!“). De modo similar, Mark Hamill segue interpretando Luke com uma humildade que faz do herói ainda mais humano e mentalmente vulnerável, ainda que confira ao personagem um peso dramático que serve para demonstrar como evoluiu desde o Episódio IV (como curiosidade, o ator deixou de ser um “galã” da indústria depois de ter seu rosto gravemente ferido graças a um acidente de carro, o que fez com que Han Solo se tornasse o novo interesse amoroso de Leia – a cena onde Skywalker é atacado por um monstro da neve foi criada para explicar as deformações em sua face), ao passo que Chewbacca segue sendo uma figura amável e que é particularmente divertida em seu desespero como, por exemplo, nos momentos onde tenta recuperar partes separadas do corpo de C-3PO na esteira de um incinerador.
Contudo, é mesmo o mestre Yoda quem chama a atenção: gerado através de um trabalho de voz e titeragem impecáveis de Frank Oz (que, seis anos depois, viria a dirigir o fabuloso musical A Pequena Loja dos Horrores), o pequeno Jedi surge como um sujeito cheio de energia e que surpreende, por exemplo, ao se revelar um indivíduo admiravelmente sábio depois de agir como uma criatura tola durante um tempo de tela considerável; o que acredito ter sido uma forma de testar a paciência de Luke. Da mesma maneira, é intrigante notar como a forma física pequena e aparentemente indefesa de Yoda serve para demonstrar como a liderança, o domínio da Força e o valor de ser um Jedi são habilidades conquistadas não com brutalidade, mas com cautela e racionalidade – e é impressionante como, mesmo depois de 35 anos, o fantoche visto em O Império Contra-Ataca ainda consegue ser infinitamente superior, mais expressivo e mais vivo que o modelo digital criado para os Episódios II e III. Complementando, Lando Calrissian soa como um indivíduo carismático e que jamais consegue ganhar a antipatia do público graças à performance divertida de Billy Dee Williams (diga-se de passagem, o personagem foi criado para substituir Han Solo numa continuação caso Harrison Ford, que não havia assinado contrato para mais de um filme, recusasse retornar para O Retorno de Jedi – o que não ocorreu, felizmente).
Por sua vez, a excelente direção de Irvin Kershner merece pontos pela agilidade com a qual o cineasta enfoca os momentos mais intimistas, mantendo a câmera direcionada nos rostos dos atores por tempo suficiente para que os espectadores possam compreender com exatidão as emoções sentidas pelos personagens. Por sinal, é curioso notar como o trabalho de Kershner é eficiente ao ponto de potencializar a ameaça provocada por Darth Vader ao empregar detalhes engenhosos que enriquecem sua imponência (algo que fica claro, por exemplo, quando o personagem caminha e todos aqueles ao seu redor param suas atividades brevemente para testemunhá-lo) e a maldade que exerce (exercitada num plano longo e fenomenal que começa com um soldado sendo assassinado e que termina revelando os pés do antagonista antes de elevar a câmera à sua cabeça). E se a ideia de trazer Vader empunhando um lightsaber com uma única mão é certeira por demonstrar como o Sith tem controle e segurança ao dominar a Força (ao contrário de Luke, que segura a arma com duas mãos e demonstra uma inexperiência constante), o desempenho físico de David Prowse como o antagonista só não é mais admirável que o magnífico trabalho de voz de James Earl Jones.
Já do ponto de vista técnico, Episódio V é inegavelmente um espetáculo à parte: sabendo combinar um chorma key superior ao visto na película antecessora com efeitos em stop motion fascinantes, a película fascina com um design de produção inventivo e que confere características instigantes a ambientes variados e, de quebra, ainda os transforma em localidades naturalmente deslumbrantes (a Cidade das Nuvens que o diga). Assim, não é uma surpresa que, mesmo após mais de três décadas, este segundo/quinto Star Wars ainda traga sequências espetacularmente empolgantes como a da batalha de Hoth, do campo dos asteroides e (como não poderia deixar de ser) o primeiro embate entre Luke e Darth Vader. E se tanto aclamei o tom mais sombrio do longa, não poderia deixar de parabenizar o sempre extraordinário John Williams por conceber não apenas composições grandiosas como The Asteroid Field, The Clash of Lightsabers e o tema de Leia e Han, mas também a inesquecível Marcha Imperial (constantemente aproveitada em casamentos nerds) que marca presença durante a maior parte da projeção e, em alguns momentos, chega a funcionar tanto quanto a Cavalgada das Valquírias caso esta fosse utilizada.
Se concluindo de maneira surpreendentemente pessimista, mas ainda conseguindo encontrar espaço em meio ao arco que envolve o treinamento de Luke para transmitir uma mensagem exaltando a importância de jamais perder a esperança em algo (“Não acredito“, diz o protagonista antes de ser respondido com um “Por isso fracassou” dito por Yoda), O Império Contra-Ataca é sem sombra de dúvidas o melhor exemplar da série Star Wars e representa mais um marco significativo para o mundo do entretenimento.