Depois que George Lucas desapontou grande parte dos fãs de Star Wars com a polêmica trilogia dos prequels, a série finalmente reencontrou seu caminho quando a Disney adquiriu a bilionária Lucasfilm e lançou não apenas O Despertar da Força e Os Últimos Jedi, mas também uma expansão de universo curiosa chamada Rogue One. Assim, é uma pena que, pela primeira vez em alguns anos, a franquia esteja apresentando um longa bem inferior à média com a qual nos acostumou, transformando este Han Solo num dos piores capítulos da saga outrora protagonizada pela família Skywalker – e, em vez de provocar entusiasmo no espectador, este filme deixa somente a estranha sensação de estarmos vendo um Star Wars com algum defeito de fábrica.
Cronologicamente posicionado entre A Vingança dos Sith e Rogue One, o roteiro escrito por Lawrence Kasdan (Os Caçadores da Arca Perdida, O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi) ao lado de seu filho Jonathan é uma bagunça decepcionante em termos de estrutura: se os primeiros vinte minutos sugerem um conflito, este é simplesmente substituído por outro e, a partir daí, passamos a ver uma sequência de situações que vão se aglomerando até formarem uma história frouxa, culminando também num ato final que inclui uns quinze desfechos diferentes. Basta dizer que a trama acompanha o jovem Han Solo buscando dinheiro para fugir do planeta Corellia e salvar sua namorada Qi’ra, o que resulta numa aventura que vai do início da célebre amizade com Chewbacca até um golpe aplicado junto a um pequeno grupo de contrabandistas – isto sem contar, é claro, o instante em que o protagonista se depara com Lando Calrissian e com a querida Millennium Falcon.
Em outras palavras: Han Solo é um daqueles prequels que se encarregam de responder a uma série de perguntas feitas por absolutamente ninguém. Ora, uma das coisas que mais fortaleciam a persona de Solo era o fato de que seu passado permanecia nebuloso, oferecendo pontualmente alguns detalhes que engrandeciam a mítica entorno do personagem – e explicá-los tende a quebrar parte deste encanto. Para cada fan-service bem executado (como a alusão ao hábito inquestionável que Han Solo tem de atirar primeiro), há dois ou três que soam apelativos: se até faz sentido ver o Percurso de Kessel sendo feito em menos de 12 parsecs, o mesmo não pode ser dito sobre a cena ridícula e constrangedora que mostra o começo da parceria entre o protagonista e Chewbacca. E afinal, por que diabos inventar um motivo específico para que Han Solo tenha este sobrenome?!
Mas nada é pior do que a sensação de estar assistindo a um filme que, além de não acrescentar nada à saga já conhecida, parece ter sido concebido sem paixão alguma – e muito disso se deve à direção de Ron Howard, que basicamente brinca de ligar os pontinhos estabelecidos pelos produtores em vez de conferir uma identidade própria à obra: conduzida com um ritmo terrivelmente morno e irregular, Han Solo é uma experiência aborrecida e desalmada que poderia ter saído de qualquer outra franquia de space operas menos bem-sucedida, deixando um vácuo no lugar que deveria ser preenchido pela diversão habitualmente proporcionada por Star Wars. Para completar, as sequências de ação carecem de energia, imaginação e personalidade, limitando-se a um tiroteio sem graça aqui e uma perseguição pouco inspirada ali.
Apenas razoável em seus aspectos técnicos (a trilha composta por John Powell não atrai nem repele), Han Solo é, do ponto de vista estético, o mais desinteressante dos dez filmes que compõem a saga: se o designer de produção Neil Lamont não cria nada muito diferente do que já foi visto em Star Wars (o único lampejo de criatividade está no trem que gira em espiral), o diretor de fotografia Bradford Young (tão eficiente em A Chegada) tropeça ao investir em tons cinzentos e dessaturados que praticamente eliminam todo o impacto sugerido pelas cores intensas dos figurinos. Nada tão incômodo, porém, quanto constatar o excesso de planos fechados que ocorrem aqui, transformando o longa numa experiência desnecessariamente claustrofóbica, econômica e deselegante.
Já o elenco se sai relativamente bem (ainda que seja impossível acreditar que Alden Ehrenreich e Donald Glover terão os rostos de Harrison Ford e Billy Dee Williams daqui a uns vinte anos): a geralmente limitada Emilia Clarke surpreende ao conferir simpatia e graciosidade à jovem Qi’ra; Woody Harrelson encarna o imponente Tobias Beckett como uma figura ambígua, atraindo o espectador mesmo que este mantenha-se incerto quanto às reais intenções do personagem; Donald Glover exibe charme e carisma, mas não conta com muito tempo de tela; e Alden Ehrenreich… bem, aí as coisas se complicam. Sim, dá para perceber que o ator merece atenção em projetos futuros e acerta ao não emular Harrison Ford do primeiro ao último instante, sendo bem-sucedido também ao resgatar alguns maneirismos sutis que caracterizavam o original; por outro lado, o fato de Ehrenreich não ter absolutamente nada a ver com Ford reverbera o tempo inteiro, o que perpetua o sentimento de estarmos diante de um Han Solo que simplesmente não é o Han Solo.
Convertendo o terceiro ato em um caos absoluto, já que a necessidade de enfiar elementos que virão a ser explorados nos próximos filmes acaba desviando o foco da narrativa e insistindo em prolongar o desfecho, Han Solo traz um ou outro momento divertidinho (como as duas partidas de sabacc disputadas pelo protagonista e por Lando Calrissian). Fora isso, é uma obra tecnicamente desinteressante, narrativamente zoneada e emocionalmente esquecível.
E um Star Wars esquecível é algo que não consigo engolir.