Quando a franquia Piratas do Caribe chegou aos cinemas, há 14 anos, Gore Verbinski surpreendeu a todos com o seu senso de humor perspicaz e que muitas vezes beirava o cartunesco, criando um universo divertido e que se tornava ainda mais interessante graças à presença do hilário Jack Sparrow, um sujeito surtado, mau caráter e que não se importava com sua fama de “pior pirata de todos os tempos” contanto que alguém pelo menos já tivesse ouvido falar nele (vale lembrar que este foi o personagem que fez Johnny Depp ser indicado ao Oscar de melhor ator, em 2004). Depois, vieram mais duas continuações problemáticas (especialmente o terceiro capítulo, cujo roteiro é uma bagunça megalomaníaca), mas que ainda assim funcionavam relativamente bem como entretenimento – o que não foi o caso do quarto longa, onde Verbinski cedeu o posto de diretor a Rob Marshall resultando num filme terrivelmente tedioso e que deixava claro que a série havia se desgastado.
Aí vem a pergunta: após quatro exemplares que vinham piorando cada vez mais, era realmente necessário prosseguir com Piratas do Caribe? A boa notícia é que sim, este A Vingança de Salazar é capaz de divertir moderadamente e remeter aos bons tempos onde a franquia se mostrava eficaz; a má é que está mais evidente do que nunca que a série não tem mais nada de novo a oferecer e que Jack Sparrow está longe de ser a figura irresistível que era no início.
Ambientado 12 anos depois de No Fim do Mundo, que encerrou a trilogia co-protagonizada por Will Turner e Elizabeth Swan, o filme traz o capitão Salazar e sua tripulação espanhola ressurgindo do fundo do mar para exterminar de vez todos os piratas presentes na Terra, principalmente Jack Sparrow – obrigando este a buscar o Tridente de Poseidon a fim de controlar o oceano e acabar com a maldição que torna os vilões imortais. Para isso, Sparrow se une a uma dupla de jovens: Henry, um ex-pirata que agora trabalha num navio britânico, e Carina, uma astrônoma que é tida como uma “bruxa” a ser enforcada. Ambos os personagens querem se reconectar com seus pais de um modo ou de outro, o que os leva a desejar o Tridente junto a Jack Sparrow.
Como podem perceber, o roteiro escrito por Jeff Nathanson (que conta com um currículo bastante duvidoso) não esconde o fato de que não existem mais novidades para a série, apostando numa trama batida e repleta de aspectos familiares. Além disso, Piratas do Caribe 5 tenta suprir a própria falta de criatividade ao seguir os passos de O Despertar da Força, surgindo como uma espécie de refilmagem disfarçada de sequência: a dinâmica entre Henry e Carina é idêntica à de Will e Elizabeth; há uma relação entre pai e filho que não passa de um mero repeteco do que víramos entre Will e Bootstrap; há uma cena onde um dos heróis salva Jack Sparrow de ser executado em praça pública; e a história envolvendo uma maldição que transforma os antagonistas em seres imortais remete diretamente às ambições de Barbossa e seus tripulantes em A Maldição do Pérola Negra. A diferença, porém, é que os esforços de J.J. Abrams se justificavam a partir do instante em que o filme visava angariar uma nova geração de fãs de Star Wars e reconquistar os admiradores de longa data simultaneamente, ao passo que A Vingança de Salazar apenas recicla a estrutura dos capítulos anteriores sem constatar que Piratas do Caribe está longe de ser uma série tão querida e importante quanto aquela que George Lucas criou em 1977.
Por outro lado, os diretores Joachim Rønning e Espen Sandberg escapam do erro cometido por Rob Marshall no longa passado e apresentam um trabalho que não soa como uma versão desalmada e precária do que Gore Verbinski havia realizado na trilogia original, resgatando o espírito de aventura que existia nas três primeiras produções sem se entregar à preguiça onipresente em Navegando em Águas Misteriosas. Aqui, as sequências de ação são competentes e algumas tentativas de humor alcançam resultados bem-sucedidos, com destaque especial para a ponta de Paul McCartney (que vive o clássico “tiozão do pavê ou pacomê”) e alguns trocadilhos que dizem muito sobre a estupidez de certos personagens. Da mesma forma, alguns momentos rendem boas risadas quando se entregam completamente ao absurdo – e esperem para ver, por exemplo, a insanidade presente na sequência que envolve uma guilhotina.
Em outros instantes, porém, o filme se torna excessivo até mesmo para os padrões da série Piratas do Caribe: logo nos primeiros minutos da projeção, um cofre é roubado de uma maneira que seria mais apropriada no universo de Velozes e Furiosos. Pra piorar, algumas piadas são tremendamente questionáveis do ponto de vista moral, resultando em alguns comentários que falham em abraçar o humor politicamente incorreto com inteligência – e quando um indivíduo descobre que foi traído pela esposa, fiquei triste pelo sujeito em vez de encarar a situação como algo engraçado. De todo modo, um dos maiores pecados de Piratas do Caribe 5 é Jack Sparrow: interpretado por Johnny Depp como uma figura exaustivamente repetida pelo ator em outros momentos de sua carreira (A Fantástica Fábrica de Chocolate, Alice no País das Maravilhas e O Cavaleiro Solitário são apenas alguns exemplos), o personagem surge forçado em praticamente todas as cenas das quais participa, chegando a aparecer sem as calças apenas para tentar despertar gargalhadas (que, é claro, não ocorrem).
Felizmente, o quinto capítulo conta com personagens mais interessantes do que Sparrow: embora presos a personagens previsíveis e clichês, Brenton Thwaites e Kaya Scodelario substituem adequadamente os papeis que, antes, pertenceram a Orlando Bloom e Keira Knightley, exibindo uma química eficiente na maior parte do tempo (e, portanto, é uma pena que o roteiro tropece na tentativa de criar uma mulher forte, apelando para visões artificiais e equivocadas do que o empoderamento feminino realmente significa). E se Geoffrey Rush ganha a oportunidade de acrescentar uma dimensão dramática inesperada a Barbossa, o antagonista vivido por Javier Bardem soa ameaçador e imponente mesmo que suas motivações caiam no lugar-comum (a velha história da vingança contra o herói se repete aqui), tornando-se ainda mais intrigante graças à caracterização criativa que a produção adota – e só o fato de ser interpretado por Bardem já é mais do que o suficiente para transformar Salazar numa boa adição à galeria de vilões da franquia.
Fortalecido pelo ótimo design de produção elaborado por Nigel Phelps, que se destaca em especial quando concebe as aparências apodrecidas e despedaçadas dos antagonistas, Piratas do Caribe 5 é beneficiado pela fotografia de Paul Cameron, que registra com precisão as paisagens paradisíacas dos mares caribenhos (e o plano geral que mostra uma ilha luminosa é belíssimo). Em contrapartida, o visual excessivamente escuro do longa acaba prejudicando a versão 3D da obra, o que se agrava graças à incapacidade que Rønning e Sandberg têm em trabalhar com a tecnologia (existem instantes onde o item em primeiro plano está fora de foco).
No fim das contas, é inegável que a franquia esgotou toda a sua força criativa, mas apesar deste impasse, A Vingança de Salazar prova que ainda é possível se divertir razoavelmente no universo de Jack Sparrow e companhia. Se a série deve continuar ou não, aí já é outra história.