Dirigido pelos mesmos Gary Trousdale e Kirk Wise que, mais tarde, viriam a comandar O Corcunda de Notre Dame e Atlantis: O Reino Perdido, A Bela e a Fera foi um dos projetos mais marcantes da História da Disney: aclamada tanto pelo público quanto pela Crítica, a animação foi a primeira a ser indicada à categoria principal do Oscar (competindo com obras como JFK e, claro, O Silêncio dos Inocentes) e até hoje é lembrada como uma das produções mais adoráveis que o estúdio já realizou. Fora isso, era um longa capaz de levar o público a se comover diante de um romance entre duas figuras que pareciam não ter nada em comum, emocionando de forma genuína enquanto trazia momentos belíssimos (como aquele onde o casal que dava título ao filme dançava e que, inclusive, usava brilhantemente a computação gráfica para criar o salão dourado onde a cena se ambientava).
Era, em resumo, uma animação que não merecia uma “reimaginação” tão frágil e genérica quanto esta versão live-action; que serve como um exemplo do que tende a acontecer quando se põe um clássico nas mãos de um diretor como Bill Condon, cuja carreira irregular inclui Dreamgirls, Sr. Holmes e as duas partes de A Saga Crepúsculo: Amanhecer. A trama é basicamente a mesma do longa de 1991 – a única diferença encontra-se nas razões que levaram o pai de Bela a entrar no castelo onde a Fera vivia, que são mais próximas do conto original escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve: quando o viúvo Maurice sai para viajar até o mercado e promete à filha que trará uma rosa, ele vai parar num castelo habitado por uma criatura amaldiçoada e acompanhada de relógios, candelabros, xícaras, chaleiras e outros itens vivos que atuam como serviçais. A partir daí, o argumento é aquele que já conhecemos, com Bela tornando-se prisioneira em troca da liberdade de seu pai, se apaixonando pela Fera com o passar do tempo e sendo perseguida pelos interesses do egocêntrico Gaston (e de seu parceiro LeFau).
Quando não está se resumindo a um “Ctrl+C/Ctrl+V” sem graça e preguiçoso da animação de 1991 (o que não se aplica apenas ao roteiro, já que Bill Condon também faz questão de recriar vários enquadramentos do longa original), A Bela e a Fera está se concentrando em cenas terrivelmente aborrecidas e que sempre atingem resultados insípidos: as piadinhas são esquecíveis, os momentos dramáticos são desinteressantes e os instantes que se concentram no romance entre o casal de protagonistas nunca emocionam o bastante. Sendo assim, em vez de servir como uma homenagem que ao mesmo tempo reverencia e complementa o filme clássico, esta reinvenção soa mais como um caça-níqueis que pouco tem a oferecer e que, para ocultar esse detalhe, apela gratuitamente para a nostalgia. Para não ser injusto, a única sequência verdadeiramente tocante ao longo dos 129 minutos de projeção é também a mais antecipada: a cena que traz a dupla-título dançando ao som de “Beauty and the Beast” (que, mesmo assim, não se compara à versão de 1991).
Por falar em números musicais, Bill Condon tropeça naquilo que, em tese, deveria ser a sua especialidade (já que sua carreira inclui Dreamgirls e o roteiro de Chicago): conduzidas de maneira medíocre e frustrante, as apresentações que trazem os personagens cantando e dançando se revelam entediantes e muito mais longas que o necessário, revelando uma série de momentos intermináveis onde a câmera se meche a ponto de deixar o espectador tonto – e, além disso, o diretor comete um erro incrível ao fazer com que uma referência a Cantando na Chuva soe tola e forçada. E se as cenas de ação surgem ininteligíveis e confusas (acompanhar as lutas contra os lobos é uma tarefa que dói nos olhos), Condon também demonstra uma incapacidade de administrar o foco da lente (quando Bela afirma que determinado salão é “lindo“, me senti imediatamente invejado, pois, ao contrário dela, eu não consegui enxergar com clareza o quão bonito é o local).
Mas nada incomoda mais do que os efeitos visuais pavorosos – e o fato de Mogli: O Menino Lobo ter sido um dos últimos projetos da Disney só faz da computação gráfica de A Bela e a Fera num constrangimento ainda maior. Basta constatar o quão artificiais são as paredes do castelo onde a maior parte da história se ambienta ou reparar no contraste vergonhoso que existe entre itens fisicamente verdadeiros e modelos digitais que passam a substituí-los. E se os lobos são ridiculamente expressivos, a Fera representa um embaraço enorme, já que uma “máscara” computadorizada foi criada para encobrir o rosto maquiado de Dan Stevens e, como consequência, acabou transformando o semblante do personagem em algo exageradamente charmoso e borrachudo (isso porque nem estou me dando ao trabalho de falar sobre o emprego de chroma key, que é terrível). Todavia, a designer de produção Sarah Greenwood realiza um trabalho bastante eficiente ao combinar aspectos fabulescos e peças que parecem pertencer ao século 18, imaginando castelos fantásticos e vilarejos rústicos ao mesmo tempo em que a figurinista Jacqueline Durran investe em cores intensas e que encontram o equilíbrio perfeito entre a criatividade do desenho animado e o contexto histórico da época onde o filme se passa.
Em contrapartida, até mesmo esses acertos técnicos são prejudicados pela decepcionante fotografia de Tobias A. Schliessler, que investe em tons excessivamente escuros e nunca abraça com entusiasmo o potencial que há nas cores de uma fábula (e suponho que a experiência em 3D do filme deva sair ainda mais comprometida). De todo modo, não há frustração que se compare ao trabalho da montadora Virginia Katz: além de abusar de fades (escurecimentos de tela), que sempre surgem com uma deselegância inacreditável, o longa transita sem nenhuma lógica ou fluidez entre cenas que não têm muito a ver umas com as outras. Para piorar, existem sequências que parecem ter passado por uma edição descuidada, apresentando cortes que apressam demais o ritmo e criam erros de continuidade desapontadores (notem o quão esquisita é a primeira conversa entre Bela e seu pai). O mais estranho de tudo, porém, é que, se por um lado a narrativa corre com uma rapidez sintomática, isso não impede A Bela e a Fera de soar chato e tedioso do início ao fim – e embora a projeção dure apenas duas horas, a sensação é de que o tempo investido foi bem maior.
Já os personagens contam com um ou outro destaque, mas nada particularmente brilhante: beneficiada pelas vozes de Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson e Stanley Tucci, a galeria de coadjuvantes que habitam o castelo da Fera é composta por figuras graciosas, mas que nunca são adoráveis como no filme de 1991 (e Lumière, em especial, é mais chato que o ideal). Por sua vez, Bela é fortalecida pelo desempenho firme de Emma Watson, que canta bem e revela uma personalidade bastante magnética – por outro lado, o trabalho da atriz é enfraquecido quando contracena com criaturas digitais, já que a direção de Bill Condon jamais permite que Watson encare aqueles itens com o deslumbramento que qualquer pessoa exibiria nessas situações. E se a Fera nada mais é do que um boneco digital malfeito e que nunca soa tão intimidador ou interessante quando a versão do personagem na animação clássica, ao menos Luke Evans mostra-se surpreendentemente divertido e eficaz ao retratar Gaston como uma caricatura, ao passo que LeFau estrela momentos “engraçadinhos” que sempre soam tolos e previsíveis.
O que nos traz a um tópico mais complicado: nas últimas semanas, quando anunciaram que o LeFau desta nova versão seria abertamente homossexual, houve uma divisão entre os que apreciaram a ideia de ver a Disney apresentando visões progressistas e os homofóbicos que tentaram promover um boicote a fim de combater “o colapso da família tradicional” – eu pertenci ao primeiro grupo, pois não é sempre que um estúdio tão grande tenta dar voz a uma minoria pouco representada nas telonas. Entretanto, a verdade é que todas as gracinhas envolvendo o indivíduo giram entorno de seus trejeitos afetados, não deixando claro se o público deve rir com LeFau ou de LeFau. Daí surge um questionamento a respeito da natureza moral do filme: será que a produção incluiu um personagem gay com o intuito de valorizar honestamente os homossexuais ou se aproveitou da causa LGBT apenas para chamar atenção de maneira cínica?
Malsucedido em suas tentativas de humor (existem piadinhas envolvendo maquiagens extravagantes e cachorros urinando em pés alheios) e acompanhado de uma série de novas canções que, além de tediosas e sem inspiração, parecem existir apenas para encher linguiça (o número musical que ocorre numa Paris sombria poderia ser facilmente descartado), A Bela e a Fera não é muito diferente de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, O Hobbit ou Jurassic World: a nostalgia está presente e isto é o suficiente para encantar boa parte do público, permitindo que a obra receba diversos elogios e se transforme num sucesso de bilheteria; no entanto, tudo o que a nova versão tem a oferecer é a lembrança de como a original era boa.