Em teoria, a escolha de um cineasta como Kenneth Branagh para comandar Thor parece inspirada: dono de uma filmografia que inclui Henrique V, Hamlet, Muito Barulho por Nada e Frankenstein de Mary Shelley, o diretor conta com uma assinatura obviamente influenciada pela obra teatral de William Shakespeare, o que tem tudo a ver com a disputa de poder e as intrigas familiares que ocorrem entre o protagonista, seu irmão adotivo e o pai dos dois. Infelizmente, o roteiro burocrático e a necessidade de escancarar suas conexões com os demais longas da Marvel acabam limitando o trabalho de Branagh, que já entra no projeto com as mãos amarradas e não consegue transformar Thor em nada além de um passatempo inofensivo e descartável.
Baseado nas histórias em quadrinhos criadas por Stan Lee e Jack Kirby em 1962 (que, por sua vez, eram inspiradas na mitologia nórdica), o roteiro escrito por Ashley Edward Miller, Zack Stentz e Don Payne (este último fez também Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, o que é preocupante por si só) começa nos apresentados ao reino mágico de Asgard, que, governado pelo sábio Odin, mantém a ordem em outros oito mundos e está prestes a coroar o jovem Thor. Quando o príncipe toma uma decisão arrogante e inconsequente que põe em cheque a segurança de sua civilização, porém, o rei decide exilá-lo na Terra até que aprenda o valor da humildade – e eventualmente retorne para proteger Asgard da velha ameaça dos Gigantes de Gelo.
Após começar de maneira ambiciosa e promissora, apresentando um universo fantasioso que parece agregar conceitos interessantes (a diferença entre magia e ciência, por exemplo, é uma discussão que o filme sugere relativamente bem), Thor desperdiça seu imenso potencial a fim de se concentrar… numa cidadezinha de beira de estrada (que, inclusive, jamais deixa de soar como um cenário criado num estúdio). E se isto não é decepcionante o suficiente, basta se ater ao fato de que, em vez de desenvolver um universo místico que comporta nada menos que nove mundos diferentes, os três roteiristas (e os argumentistas J. Michael Straczynski e Mark Protosevich) preferem acompanhar mais uma daquelas histórias batidas e clichês sobre um sujeito estúpido e presunçoso que aprenderá a se importar com os outros, lutar pelo que é certo e blábláblá (aliás, não existe spoiler para este tipo de narrativa, certo?).
Mas este nem é o maior dos problemas, já que, além de inventar uma trama pedestre, o roteiro não se dá ao trabalho de abordá-la apropriadamente: ao cair na Terra, o protagonista se aproxima do trio de astrofísicos liderados por Jane Foster, falha em recobrar seus poderes e subitamente surge sendo gentil e caridoso com os outros, como se dois dias pudessem provocar uma mudança tão radical em um babaca como Thor. Assim, o drama mais importante do filme – aquele pertencente ao personagem-título – soa vazio e implausível, resultando numa nulidade igualada somente pelo romance entre Thor e Jane Foster (que, aliás, é outro erro crasso cometido pelo longa: além de gerar uma série de momentos melosos e cafonas, a relação amorosa fracassa pelo simples fato de que não dá para entender o que diabos fez os dois se apaixonarem tão perdidamente).
Desta forma, o elenco se esforça para contornar a mediocridade do roteiro e se sai razoavelmente bem, embora seja imperdoável que nomes como Idris Elba e Rene Russo entrem mudos e saiam calados. Revelando-se divertido e carismático ao assumir o papel principal, o australiano Chris Hemsworth (que apareceu nos primeiros minutos de Star Trek) é particularmente bem-sucedido ao retratar o quão deslocado Thor está entre os seres humanos (o instante em que atira uma caneca no chão é hilário), mostrando-se competente mesmo que ainda falte ao jovem ator um pouco de segurança e experiência. E se Anthony Hopkins surpreende ao transformar Odin num deus cuja imponência é convincente, Tom Hiddleston é o mais favorecido pelo projeto, já que Loki é um antagonista repleto de nuances que tendem a torná-lo cada vez mais complexo e até mesmo trágico em suas motivações. Já Natalie Portman (que venceu o Oscar por seu brilhante desempenho em Cisne Negro) pouco tem a fazer na pele de Jane Foster, um par romântico chato e aborrecido que anda sempre ao lado de um alívio cômico insistente e sem graça (me refiro, é claro, à insuportável assistente vivida por Kat Dennings).
O que nos traz ao nome mais significativo da obra: Kenneth Branagh, que, aqui, merece pontos pela maneira como ilustra o comportamento pomposo e elegante da realeza asgardiana, evocando uma aura majestosa que só não é mais eficaz do que os dilemas que surgem no meio desta família. Não é à toa que os melhores momentos de Thor sejam aqueles que se concentram na dinâmica pai-filho-irmão, provocando um impacto inesperado, por exemplo, quando certa revelação abala a interação entre Loki e Odin. É uma pena, portanto, que Branagh não demonstre a mesma habilidade na hora de comandar as sequências de ação, que nunca aproveitam satisfatoriamente as especialidades dos personagens e se transformam num anticlímax em várias ocasiões – o pior, no entanto, é que Branagh e o diretor de fotografia Haris Zambarloukos insistam em planos holandeses sem propósito algum, apostando em imagens inclinadas que causam uma estranheza desnecessária.
Pontuado por momentos de bom humor que funcionam aqui e tropeçam ali (não há um equilíbrio consistente como no primeiro Homem de Ferro), Thor é fortalecido pelo trabalho do designer de produção Bo Welch, que estabelece com precisão as características estéticas que separam Asgard do reino dos Gigantes de Gelo: um lugar conta com estátuas e torres dominadas pelo dourado; o outro é uma terra devastada e cinzenta que há muito parece ter perdido qualquer tipo de alegria. Em contrapartida, se a trilha de Patrick Doyle (colaborador habitual de Branagh) acerta ao investir em melodias que vão do delicado ao estrondoso, os efeitos visuais jamais deixam de soar como… efeitos visuais, o que frequentemente compromete a imersão do espectador (que sempre repara na aparência borrachuda dos cenários e de alguns dublês digitais).
Beneficiado ao menos pela montagem de Paul Rubell (que, além de transitar com naturalidade entre os núcleos ambientados na Terra e em Asgard, mantém um ritmo razoavelmente ágil e dinâmico), Thor é, como Homem de Ferro 2, um trailer de duas horas para Os Vingadores. E se o resultado ainda diverte moderadamente, não dá para dizer, por outro lado, que seja também marcante ou que funcione por conta própria.