O Capitão América é um personagem complicado: criado em 1941 por Joe Simon e Jack Kirby com o intuito óbvio de promover os “valores norte-americanos” (seja lá o que estes significam) sem qualquer sutileza, este é um personagem que veste um uniforme ridiculamente influenciado pela bandeira dos Estados Unidos, luta pelos ideais de seu país e se apropria da América inteira em seu nome – e mesmo que os quadrinhos tenham feito questão de desfazer seu orgulho patriótico com o passar das décadas, reposicionando o herói nos dias atuais e mergulhando-o na desilusão ao constatar o quão corrompida é a nação que representa, ainda é fácil encará-lo como um símbolo anacrônico e risível do ufanismo estadunidense. Dito isso, o maior mérito deste Capitão América: O Primeiro Vingador é, sem dúvida alguma, transformar o personagem numa figura interessante, surpreendendo o espectador ao fazê-lo se importar com Steve Rogers e com seus nobres objetivos.
Roteirizado por Stephen McFeely e Christopher Markus, o filme começa mostrando um grupo de exploradores encontrando uma nave congelada e, em seu interior, um homem congelado bradando um escudo. A partir daí, voltamos para o início dos anos 1940 (no auge da Segunda Guerra Mundial), quando o raquítico, porém sonhador Steve Rogers é mais uma vez dispensado do exército – e depois que o cientista alemão Abraham Erskine oferece ao rapaz a oportunidade de servir como cobaia no experimento do “supersoldado” (que também criou o deformado vilão Caveira Vermelha), Rogers ganha músculos, fisicalidade e intelecto, sendo então utilizado pelo governo como uma forma de propagandear o “American Way of Life” e inspirar as tropas norte-americanas. Isto é, até que o jovem se cansa de ser somente um merchandising e resolve partir para a briga com os soldados da HIDRA, um braço que se separa dos nazistas e atende aos comandos do Caveira Vermelha.
Dirigido pelo mesmo Joe Johnston que há muito segue os ensinamentos deixados por Steven Spielberg (basta assistir a The Rocketeer, Jumanji e Jurassic Park III para entender o que estou dizendo), Capitão América é, em sua essência, uma aventura retrô que bebe na mesma fonte de inspiração por trás de Indiana Jones: refiro-me, é claro, àqueles seriados pulp exibidos no formato de matinê. Assim, o que vemos é uma aventura leve e adoravelmente inocente que o tempo todo faz o espectador sentir uma prazerosa nostalgia, saindo-se muitíssimo bem ao evocar a aura dos espetáculos despretensiosos e conferindo à narrativa uma aparência que remete a um estilo cinematográfico que tem tudo a ver com a época em que o filme se passa – e a boa trilha incidental do veterano Alan Silvestri (da trilogia De Volta para o Futuro) desempenha um papel fundamental neste sentido, fortalecendo ainda mais este espírito escapista.
Mas o que realmente funciona em Capitão América é… o próprio: apresentado e desenvolvido com cuidado pela dupla de roteiristas, Steve Rogers soa frequentemente como uma criança que vive idealizando o que fará quando crescer, evidenciando uma índole admirável ao saltar sobre uma granada (falsa) a fim de garantir a segurança dos que estão ao seu redor. Além disso, quando é transformado num garoto-propaganda dos mais ridículos, a frustração de Rogers torna-se compreensível graças à vontade de fazer o bem que o jovem demonstrou anteriormente – por sinal, o simples fato do Capitão América ser tratado desta forma pelas autoridades é, por si só, um acerto do roteiro, que consegue ao mesmo tempo exercitar a metalinguagem de modo curioso e deixar claro que o próprio filme sabe que o conceito do personagem é questionável (quase como se Stephen McFeely e Christopher Markus dissessem: “Hey, sabemos que este super-herói é digno de gargalhadas, então vamos nos dar o direto de rir primeiro, ok?”).
Claro que, se Steve Rogers convence como um sujeito puro e bondoso, isto também se deve ao responsável por interpretá-lo – e que este seja o mesmo Chris Evans do horroroso Quarteto Fantástico (a versão de 2005) é, portanto, mais uma grata surpresa. Mantendo distância de qualquer irreverência ou arrogância, o ator consegue a proeza de encarnar um personagem idealista sem permitir que ele caia na auto-paródia, transformando a generosidade de Steve em algo palpável. Outro destaque é a britânica Hayley Atwell, que confere força e carisma à agente Peggy Carter, fazendo o espectador entender o porquê do herói se apaixonar por ela. E se Sebastian Stan transmite com precisão o carinho que sente por Steve Rogers, seu melhor amigo, Stanley Tucci se sai bem ao quase assumir o cargo de figura paterna do protagonista ao passo que Tommy Lee Jones conta com os alívios cômicos mais eficientes do longa.
É uma pena, no entanto, que o esmero direcionado ao herói não se aplique ao vilão, que, apesar dos esforços do talentoso Hugo Weaving, jamais soa como um antagonista verdadeiramente ameaçador ou mesmo interessante. Reduzido a uma coleção de clichês tolos e aborrecidos, o Caveira Vermelha é bobinho demais, limitando-se a motivações batidas (dominar/destruir o mundo), exibindo uma personalidade pouco marcante (seus monólogos não são dos mais inventivos) e protagonizando uma série de bobagens (para provar que são muito mais nefastos que os nazistas, sua saudação inclui erguer os dois braços). Para completar, é meio estranho ver um filme ambientado na Segunda Guerra que, mesmo assim, traz vilões usando armas laser e coisas parecidas; o que, diga-se de passagem, faz parte da sintomática necessidade de preparar o terreno para Os Vingadores.
Decepcionante também em suas sequências de ação, que são conduzidas de maneira preguiçosa e pouco inspirada por Joe Johnston, Capitão América ao menos é fortalecido pelo ótimo trabalho do designer de produção Rick Heinrichs, que se destaca tanto ao recriar o estilo old fashioned dos anos 1940 (sem nunca cair no exagero) quanto ao abraçar o absurdo da fantasia incutida na base secreta, nas armas e nos veículos usados pelo vilão – e gosto particularmente do contraste que o diretor de fotografia Shelly Johnson estabelece entre as cores quentes presentes nas sequências que enfocam o treinamento e os tons cinzentos que tomam conta da tela a partir do instante em que a ação começa. Em contrapartida, o emprego abusivo de efeitos digitais acaba representando um problema óbvio, pois o tempo todo percebemos que aqueles cenários grandiosos e aquelas naves/armas high tech não passam de excessos artificialmente gerados num computador.
Mas nenhum pecado cometido por Capitão América é tão grave quanto seu terceiro ato, que, no desespero de servir como uma prévia instantânea de Os Vingadores, acaba encerrando o conflito com o vilão e o arco do herói de forma tremendamente frouxa e mal resolvida – nota-se, inclusive, que os montadores Robert Dalva e Jeffrey Ford fizeram o possível para dar algum sentido àquele final, amarrando uma cena à outra sem lógica ou consistência. Assim, o resultado é um longa repleto de acertos surpreendentes, mas que tropeça em questões fundamentais.
De todo modo, ainda é uma aventura suficientemente divertida e contagiante que complementa bem o planejamento iniciado no primeiro Homem de Ferro e que, contra todas as expectativas, mantém viva a promessa de que o Capitão América renderá boas aventuras no Cinema. Quem diria, não?