Confesso que, como fanático que sou pelo primeiro Jurassic Park, me peguei sorrindo e lacrimejando ainda nos primeiros minutos de Jurassic World, quando o emblemático tema de John Williams veio à tona acompanhando imagens do “Parque dos Dinossauros” (agora “Mundo…”) similares àquelas que apareciam no filme de 1993. É uma pena, no entanto, que tenha sido com a mesma rapidez que descobri, logo em seguida, que este retorno ao universo dos dinossauros de Steven Spielberg pouco mais era que um caça-níqueis bem parecido com Indiana Jones e a Caveira de Cristal: a nostalgia pode até existir no começo, mas o sentimento some assim que constatamos a insipidez do longa, que sabe que seu sucesso comercial é inevitável e não se esforça muito para alcançar um resultado artístico decente – afinal, inúmeros espectadores sairão do cinema satisfeitos não pelos méritos do filme em si, mas pela afetividade que têm pelo Jurassic Park original.
Roteirizado por Rick Jaffa, Amanda Silver, Derek Connoly e pelo diretor Colin Trevorrow, Jurassic World é mais um exemplo de como um roteiro assinado por muitas pessoas tende a ser enfraquecido, desperdiçando o imenso potencial que havia em algumas boas ideias. Basta dizer que, desta vez, a ilha Nublar finalmente foi transformada num parque temático e milhões curiosos se divertem observando os dinossauros. Não que a premissa não seja interessante, mas… também não soa meio absurda, considerando a carnificina mostrada no primeiro filme? Bom, o que importa é que os novos proprietários da ilha conseguiram domesticar os dinossauros graças aos milagres oferecidos pela tecnologia – e claro que tudo desanda quando Indominus Rex, um carnívoro geneticamente modificado, consegue fugir de seu cativeiro, levando a gerente Claire a se juntar ao domador Owen para salvar o dia ao lado de… velociraptors militarizados (não estou brincando!).
Sim, é verdade que, no início, o filme se sai bem ao reconhecer e brincar com sua própria natureza capitalista, enxergando-se como produto e levando um coadjuvante a vestir uma camiseta do Jurassic Park original enquanto diz que “o anterior era muito mais legal” – aliás, o fato de Indominus Rex ser concebido graças a uma imposição comercial, já que os donos do parque precisam de algo “novo e mais ameaçador” para que os visitantes voltem a se impressionar, reflete bem a mentalidade com que Hollywood enxerga franquias bem-sucedidas. Por outro lado, o roteiro orgulhoso faz questão de se autocongratular pela boa ideia que teve e, só no primeiro ato, põe Claire para repetir umas três variações da frase “A cada ano, uma nova espécie de dinossauro tem que ser apresentada no parque para que os visitantes se surpreendam“, como se o espectador ainda não tivesse percebido a ironia.
E o fato de se reconhecer como um caça-níqueis descarado não impede Jurassic World de soar como… um caça-níqueis descarado, sendo especialmente derrubado pelo roteiro pavoroso e desleixado que, mesmo reciclando uma série de aspectos narrativos e estruturais do primeiro Jurassic Park – o que não deixa de ser frustrante –, obtém resultados ainda piores quando tenta se diferenciar dos demais longas franquia (quem teve a ideia de armar os velociraptors e transformá-los em ajudantes dos heróis?!). Como se não bastasse, os roteiristas inventam umas quinhentas subtramas dispensáveis que não chegam a lugar algum, como aquela em que dois irmãos percebem que seus pais estão prestes a se divorciar – e toda a situação onde os dinossauros vêm a ser utilizados como armas consiste em um comentário político difuso e enfiado à força na história.
Repleto de situações que, juntas, podem incomodar até mesmo quem defende a máxima de que blockbusters devem ser vistos com “o cérebro desligado” (seja lá o que isso significa), Jurassic World é o tipo de filme onde a inteligência dos personagens varia de acordo com as necessidades imediatas do roteiro – e se você ainda não assistiu ao longa, sugiro que interrompa a leitura agora. É sério que, depois de uma hora e meia de projeção, os heróis ainda não entendem que tiros pesados não afetam o Indominus Rex? Aliás, como acreditar na inteligência que o novo dinossauro pontualmente exibe se, em dado momento, ele não vê sua presa fugir para debaixo de um carro bem na sua frente? E pior: como aceitar que dois irmãos (uma criança e um adolescente) simplesmente entrem num lugar abandonado há mais de 20 anos e fazem tudo funcionar como se não tivesse passado um único dia?! Mas é difícil cobrar seriedade de um roteiro que coloca seus personagens para enxergarem um aviso de “NÃO ULTRAPASSE” somente para… ultrapassar em seguida (e em direção a um ambiente obviamente perigoso).
Contando também com diálogos terrivelmente expositivos que menosprezam o intelecto do espectador (sempre desconfie de uma frase que começa com “Você se lembra de quando…“), Jurassic World não se preocupa com seus próprios personagens, que não passam de caricaturas e estereótipos: Owen é o “machão” intocável (e sua sisudez unidimensional acaba desperdiçando o carisma de Chris Pratt, tão eficiente em Guardiões da Galáxia); Claire é a mulher fria e egocêntrica que não consegue se comunicar com ninguém sem empregar uns quinze termos técnicos em uma só frase, convertendo-se subitamente em heroína quando o roteiro precisa; Gray é o menino gênio que passa o tempo todo ostentando sua sabedoria paleontológica; Zach é o rebelde que se isola do mundo através de seus inseparáveis fones de ouvido; e Hoskins é o vilão enlouquecido que encara os dinossauros como possíveis máquinas de guerra (pois é).
Não é surpresa, portanto, que o co-roteirista Colin Trevorrow volte a tropeçar ao assumir a cadeira de diretor: revelando-se como mais um daqueles cineastas que sonham em ser Steven Spielberg sem ter o talento necessário para isso (ao menos Joe Johnston – que assumiu Jurassic Park III – havia se saído bem em Rocketeer, Jumanji e Capitão América), Trevorrow carece de imaginação e “homenageia” (leia-se copia) diversos momentos de filmes infinitamente melhores (como Aliens, o Resgate), falhando também ao abusar de planos fechados e de zooms deselegantes que parecem mais apropriados a uma produção televisiva. Ok, é verdade que algumas sequências de ação se destacam (o ataque dos pterodátilos, por exemplo, é conduzido com intensidade e dinamismo, ao passo que o clímax empolga ao mostrar três dinossauros brigando entre si), mas estes são acertos pontuais no meio de um trabalho tremendamente insosso – e se a computação gráfica empregada em Jurassic Park revolucionou a indústria dos efeitos visuais, estes soam excessivos em Jurassic World, cujos dinossauros artificiais levam o espectador a sentir saudades da fisicalidade dos animatronics usados no original.
Em compensação, se o designer de produção Ed Verreaux explora bem a possibilidade de imaginar uma espécie de Sea World com dinossauros (com várias atrações e tipos de ambientes distintos), a trilha assinada pelo sempre excelente Michael Giacchino merecia pertencer a um filme melhor, já que resgata com precisão o espírito dos trabalhos de John Williams ao mesmo tempo em que cria temas musicais novos (e eficientes). É uma pena, porém, que o longa em questão continue sendo Jurassic World, que, depois de tudo isso que eu falei, ainda comete o erro crasso de retratar Claire como uma mulher que foi necessariamente transformada numa criatura controladora e insensível apenas porque não quis namorar Owen nem constituir uma família.
No fim, assistir a este filme é mais ou menos como reencontrar um amigo de infância depois de muitos anos sem vê-lo: a nostalgia inicial é iminente, mas basta alguns minutos de conversa para que percebamos que, neste meio tempo, seguimos caminhos diferentes demais e que é melhor guardar a antiga amizade com carinho no passado do que tentar revivê-la no presente. Pois o mesmo se aplica ao universo de Jurassic Park, que comprova, de uma vez por todas, já ter oferecido tudo que tinha a oferecer lá em 1993.