Animais Fantásticos e Onde Habitam foi um retorno decepcionante ao universo que J.K. Rowling criou em Harry Potter: embora contasse com uma premissa interessante (revisitar um mundo já conhecido, mas com a novidade de trazer histórias, personagens, países e épocas diferentes), o longa era prejudicado por uma trama frouxa e episódica que se interessava muito mais em preparar terreno para os próximos filmes do que em funcionar por conta própria. Além disso, os protagonistas nem de longe soavam tão cativantes quanto Harry, Hermione, Rony, Dumbledore, Hagrid, Neville, Minerva, Sirius Black ou Snape – em vez disso, tínhamos apenas Newt Scamander alternando entre “gênio estudioso” e “bobão desastrado” dependendo das necessidades imediatas do roteiro. Se somarmos isto à direção irregular de David Yates, que jamais encontrava um equilíbrio razoável entre os momentos de leveza e o peso dramático das passagens mais sombrias, o resultado deixou a desejar.
Já Os Crimes de Grindelwald até tenta resolver alguns problemas do anterior, mas segue insistindo em vários outros que tendem a enfraquecer o saldo final. Novamente escrito por J.K. Rowling, este novo longa começa com o poderosíssimo Gellert Grindelwald fugindo da prisão na qual se encontrava e voltando a ameaçar o mundo dos bruxos, já que sua busca pelo instável Credence pode resultar em uma onda de ódio, intolerância e segregação. Assim, o jovem Alvo Dumbledore ordena que Newt Scamander vá a Paris e contenha o garoto antes que Grindelwald o corrompa para sempre – e, para isso, Scamander terá que se unir mais uma vez a Tina Goldstein e ao “trouxa” Jacob Kowalski.
Quando assumiu os quatro últimos filmes de Harry Potter, aliás, o diretor David Yates se saiu particularmente bem ao mergulhar a série em uma atmosfera cada vez mais política, sombria e dramática, afastando-se do clima leve e inocente que havia nos capítulos dirigidos por Chris Collumbus – o que talvez explique alguns dos problemas que existiam no primeiro Animais Fantásticos, já que Yates estava sendo forçado a lidar com uma história bem humorada demais para ele e, com isso, acabava criando momentos “engraçadinhos” que soavam bobões e embaraçosos. Dito isso, a boa notícia é que o cineasta recuperou um pouco da disposição que havia perdido: recuperando parte da atmosfera sombria que tomou conta da segunda metade da série Harry Potter, Yates parece mais à vontade desta vez e deixou de lado a preguiça que havia na mise-en-scène do anterior, apresentando um trabalho mais interessante em sua abordagem visual – e isto fica claro ainda na sequência que abre o filme, que mostra Grindelwald fugindo da prisão.
Infelizmente, “intensidade” e “energia” são duas palavras que definitivamente não se aplicam a Os Crimes de Grindelwald, que, apesar dos esforços de David Yates, jamais consegue contornar a mediocridade do roteiro de J.K. Rowling – e é uma pena que a responsável por enfraquecer tanto o longa seja justamente a pessoa que criou este universo. Para começo de conversa, livros e roteiros representam linguagens completamente diferentes: sim, ambos são concebidos a partir da escrita, mas uma obra literária conta com a vantagem de naturalmente permitir que o leitor passe dias consumindo o material com calma e paciência, ao passo que um roteiro já nasce pronto para ser convertido em algumas (poucas) horas de projeção. Sim, Rowling é uma autora fabulosa, sua imaginação ao criar universos fantásticos é admirável e sua prosa certamente transformou os livros de Harry Potter em uma leitura divertida e dinâmica, mas… isto não anula o fato de que sua experiência como roteirista é quase inexistente (este é apenas seu segundo trabalho para o Cinema). Assim, o filme se revela um fracasso em termos de linguagem: sua narrativa parece fluir como se pertencesse a um livro e sua estrutura é fragmentada de maneira episódica, como se fosse dividida em capítulos.
E o pior de tudo é que, mesmo se fosse um livro, Os Crimes de Grindelwald ainda seria uma obra frágil e medíocre, já que muitos de seus “capítulos” soam como encheção de linguiça e, quando a narrativa chega ao fim, a impressão que fica é a de que a trama e os personagens não evoluíram de forma alguma. Como se não bastasse, o filme comete um erro que vem se tornando cada vez mais comum em produções hollywoodianas: se preocupar mais com os próximos longas da franquia do que com a sua própria história – e, desta maneira, o roteiro de J.K. Rowling começa a enfiar uma quantidade excessiva de subtramas, personagens, reviravoltas e informações que não tem nada a acrescentar para este filme específico, mas que desempenharão um papel importante nas continuações. O resultado, portanto, é um filme inchado, que não anda com as próprias pernas e – o mais grave – deixa o espectador confuso em relação ao que está acontecendo, já que as múltiplas subtramas se atropelam, as informações relatadas através de longos diálogos expositivos se complicam desnecessariamente e os motivos que levam certos personagens a estarem presentes em cena não parecem ter muito a ver com o que está realmente em jogo.
Isto tudo contribui para que o segundo ato torne-se cansativo e tedioso, pois nem o melhor diretor do mundo seria capaz de lidar com a bagunça e com a falta de ritmo que tanto comprometem o roteiro de Rowling – e confesso que me peguei bocejando várias vezes ao longo da projeção, o que nunca é bom sinal. Mas não há nada no filme que seja tão frustrante quanto sua incapacidade de sobreviver independente do legado de Harry Potter: se o primeiro Animais Fantásticos propunha um resgate de um universo já conhecido, mas a partir de uma ótica diferente (o que era interessante), Os Crimes de Grindelwald desiste desta premissa e se rende gratuitamente ao fan-service sem nenhum pudor. Assim, o segundo ato nos leva de volta a Hogwarts (e aos jovens Albus Dumbledore e Minerva McGonagall), ostenta alguns itens mágicos inesquecíveis (como o Espelho de Ojesed), resgata o emblemático tema criado por John Williams e recria momentos memoráveis dos filmes anteriores, como o Clube dos Duelos (A Câmara Secreta) e o teste do feitiço “Riddikulus” (O Prisioneiro de Azkaban). Sim, é legal reencontrar estes elementos familiares, mas… cadê a tal autonomia que fora sugerida?
Seja como for, isso não diminui a eficácia de Jude Law como o jovem Dumbledore: sem limitar sua performance a uma mera imitação de Richard Harris e Michael Gambon, o ator confere uma faceta jovial, descontraída e charmosa à persona que já conhecíamos de Dumbledore – sem contar que Law carrega alguns traços relativamente similares aos de Gambon (principalmente em seu olhar). Já Eddie Redmayne consegue transformar Newt Scamander em um personagem um pouco mais interessante, já que desta vez sua ingenuidade não o faz parecer menos inteligente ou apaixonado por zoologia (ou magizoologia, como preferirem) – e é uma pena, porém, que o protagonismo de Scamander comece a se perder em meio a um monte de outros personagens que eventualmente tornam-se centro das atenções. E se Zoë Kravitz é bem-sucedida ao encarnar Leta Lestrange como uma figura ambígua e enigmática, Ezra Miller vive Credence como um garoto ao mesmo tempo perturbado e ameaçador, saindo-se relativamente bem embora continue a soar como uma mera promessa de futuro vilão. Para completar, Katherine Waterston, Dan Fogler e Alison Sudol… estão no filme – e isso é o máximo que consigo dizer sobre eles.
Mas quem realmente se destaca em Os Crimes de Grindelwald é mesmo Johnny Depp (e sei que é arriscado elogiá-lo hoje em dia, mas isso não muda o fato de que ele está realmente bem nesta produção). Deixando de lado o excesso de tiques, afetações e artificialidades que pontuaram a maioria de suas performances pós-Jack Sparrow, o ator vive Grindelwald como um indivíduo que nunca deixa de representar uma ameaça, transmitindo hostilidade através de sua imponência física, de seu olhar constantemente odioso e de seu tom de voz incomodamente frio. Além disso, o discurso oferecido pelo vilão no terceiro ato expõe a barbárie contida em suas intenções, que obviamente incluem a segregação entre bruxos e “trouxas” – e o mais importante é perceber como a intolerância pregada por Grindelwald acaba surtindo efeito não por ser escancarada, mas por ser despistada através de falsas declarações de tolerância: ao recitar frases como “Eles não são inferiores, só são… diferentes” ou “E depois dizem que a violência parte do nosso lado“, o fascista leva os ingênuos a acreditarem que ele “não é tão ruim assim” e a aceitarem suas ideias autoritárias.
Isto, inclusive, sempre foi algo indispensável para J.K. Rowling: desde que Harry Potter e a Pedra Filosofal chegou às livrarias pela primeira vez, em 1997, a autora defende a necessidade de abraçar as diferenças e evitar o silêncio diante de uma ascensão totalitária. E é por isso que Os Crimes de Grindelwald segue a tradição de seus antecessores e continua a revelar-se uma obra tristemente atual – o que, claro, não anula os inúmeros defeitos que tendem a torná-lo tão problemático.