LEGO Batman é o melhor filme protagonizado por heróis da DC Comics desde O Cavaleiro das Trevas. Ok, é verdade que isso não quer dizer muito, ainda mais quando consideramos que a qualidade dos projetos oscilava entre “pavoroso” e “eficiente, mas longe da excelência” – basta lembrar, por exemplo, de O Homem de Aço, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Batman vs Superman, Lanterna Verde, Jonah Hex e Esquadrão Suicida. No entanto, o mais irônico é que, ao contrário dos últimos longas adaptados de quadrinhos da DC, este LEGO Batman contraria obviamente a tendência do “sombrio e realista” a fim de apostar na irreverência extrema, debochando da cultura dos super-heróis desde o primeiro instante até o último e obtendo resultados infinitamente superiores àqueles conquistados por produções que se dizem “sérias” ou “adultas”.
Dirigida por Chris McKay (cuja carreira inclui produções televisivas e trabalhos envolvendo efeitos visuais), a animação é estrelada pelo mesmo Batman piadista e sarcástico que roubou a cena no ótimo Uma Aventura LEGO. Acostumado à rotina de combater o crime em Gotham City, o herói está sempre angariando uma legião de fãs e frustrando os planos de vilões como Coringa, Arlequina, Charada, Mulher-Gato, Bane, Mr. Freeze, Pinguim, Duas Caras, Hera Venenosa e outros. No entanto, as coisas começam a mudar depois que todos estes malfeitores são presos e a cidade é enfim livrada de todas as ameaças, o que faz com que as ações de Batman tornem-se dispensáveis. Para retomar sua relevância, o protagonista decide criar uma forma de voltar à ativa ao passo que Coringa também arquiteta um plano para conquistar seu maior objetivo: provar que é sim o arqui-inimigo de Batman. No meio de tudo, o Cavaleiro das Trevas terá que aprender a diminuir seu ego e trabalhar ao lado do jovem Dick “Robin” Grayson, da comissária Barbara “Batgirl” Gordon e do mordomo Alfred.
Claro que “Cavaleiro das Trevas” não é a maneira ideal de descrever a roupagem que o Homem-Morcego ganha nesta produção: surgindo como uma pessoa descolada e tremendamente apaixonada por si mesma, Batman é um sujeito afeiçoado à sua natureza heroica a ponto de permanecer usando seu capacete mesmo quando está dentro de casa, orgulhando-se das suas ideias geniais, das suas técnicas de combate, dos equipamentos que utiliza e dos nove “gominhos” que cultiva em seu torso malhado. E se o protagonista conta com um arco dramático batido, mas que torna-se engraçado justamente por ser tão simplista, o resto dos coadjuvantes também ganha o espectador: enquanto Coringa vive num “complexo de George Costanza” ao se esforçar para que Batman passe a considerá-lo seu inimigo mais detestado (troquem “amor” por “ódio” e entenderão a relação entre os dois), Robin garante algumas das melhores piadas do filme graças ao seu senso de humor juvenil e piadinhas envolvendo não apenas sua carência, mas sua extravagância latente – e, depois de ver a forma como a Liga da Justiça é retratada aqui, confesso me sentir despreparado para assistir ao longa que Zack Snyder está dirigindo sobre a equipe, pois não sei se conseguirei dissociar o teor irreverente pintado para os heróis aqui.
Trazendo uma quantidade absurda de referências e piadas envolvendo a mitologia do personagem-título (neste sentido, o projeto lembra Deadpool e suas inúmeras alusões à cultura pop), LEGO Batman encontra espaço para brincar com cada uma das várias versões audiovisuais que o personagem ganhou com o passa das décadas como ainda traz várias surpresas que garantirão a felicidade dos fãs de quadrinhos. Mas não é só nas referências que o filme brilha: assinado por cinco nomes (algo que costuma ser um mau sinal), o ótimo roteiro criado por Seth Grahame-Smith, Chris McKenna, Erik Sommers, Jared Stern e John Whittington conta com o mesmo senso de humor certeiro que existia em Uma Aventura LEGO e se diverte compondo frases como “vamos cair no buraco eterno para sempre“, empregando “Man in the Mirror” (minha canção favorita de Michael Jackson) de modo curioso, revelando que Batman não paga impostos e trazendo um cidadão que, ao ver o perigo grandioso que está prestes a ocorrer, aproveita a situação para saquear o que está ao seu redor. Para completar, até mesmo o conceito do Esquadrão Suicida é ridicularizado em certo instante da projeção, da mesma maneira como as velhas dúvidas referentes à sexualidade do Homem-Morcego retornam de vez em quando.
A mesma cautela pode ser observada nos aspectos técnicos da obra – e se a trilha sonora de Lorne Balfe acerta ao remeter pontualmente às composições que Danny Elfman fez para os Batmans dirigidos por Tim Burton (e ao tema da Fortaleza da Solidão que John Williams concebeu para Superman), o designer de produção Grant Freckelton mostra-se eficaz ao recriar o imaginário infantil através das inúmeras construções feitas com peças de LEGO e itens que soam como brinquedos. Por outro lado, o longa peca ao contar com uma quantidade de piadas que começam a ser repetidas por volta do fim do segundo ato – e as cantorias protagonizadas por Batman só não são mais cansativas que as infinitas vezes onde Robin chama seu pai adotivo de “padre”. Além disso, a ideia de trazer uma cena onde alguém faz uma festa vestindo várias roupas vibrantes ao som de uma música animada já deveria ter sido aposentada em Toy Story 3, ao passo que o ato final apresenta um “vai e volta” que tende a torná-lo um pouco mais longo do que o ideal.
Eficiente ao incluir figuras que não necessariamente pertencem ao universo do Homem-Morcego e até mesmo alguns comentários debochados direcionados à Marvel, LEGO Batman sabe ironizar seu personagem-título sem deixar de respeitar seu invejável legado. Neste sentido, o trabalho feito por Chris McKay é uma verdadeira aula para Joel Schumacher de com brincar com a imagem de um ícone sem tratá-lo apenas como um palhaço.