Eu nunca tinha ouvido falar em Shaun, o Carneiro até 2015, quando assisti ao filme produzido a seu respeito e me peguei absolutamente encantado pelo que o estúdio inglês Aardman havia apresentado ali: dotada de um humor ao mesmo tempo ingênuo e irreverente, aquela belíssima animação mergulhava o espectador num universo leve, divertido e que se tornava ainda mais contagiante em função do carisma de seus personagens, que, embora fofos e alegres, não rejeitavam o caráter absurdo das situações que protagonizavam. Como resultado, tornava-se praticamente impossível chegar ao fim daquele filme sem um sorriso imenso no rosto, um impulso de cantarolar em looping sua música-tema e, claro, uma vontade incontida de assistir a mais aventuras naquele universo.
Uma vontade que agora se concretiza com este A Fazenda Contra-Ataca – e, felizmente, com bons resultados: se Shaun, o Carneiro representava um retorno à boa forma depois do fraquinho Piratas Pirados! (também produzido pela Aardman), esta continuação, mesmo ficando um pouco abaixo de seu antecessor, se revela mais uma volta por cima depois do também fraquinho O Homem das Cavernas. Escrito por Jon Brown e Mark Burton (este último co-escreveu e co-dirigiu o original), o longa mais uma vez se concentra nas ovelhas da fazenda Mossy Bottom, que, lideradas pelo carneiro Shaun, vivem infringindo as regras impostas pelo cão Bitzer e, por consequência, torrando cada vez mais a paciência do Fazendeiro (sim, este é seu nome). No entanto, as coisas mudam após uma nave alienígena pousar na região e deixar um filhote extraterrestre cair no colo de Shaun, obrigando-o a buscar um jeito de mandá-lo de volta antes que os agentes do Ministério de Detecção Alienígena o capturem.
Sem cometer o erro de simplesmente a mesma história do original, Shaun, o Carneiro 2 não hesita em abraçar uma premissa obviamente absurda – afinal, sair de uma aventurinha sobre carneiros em uma fazenda e partir para uma trama que envolve alienígenas e viagens interplanetárias pode parecer um salto ousado até demais. Por outro lado, o universo de Shaun, o Carneiro (tanto na série de TV quanto no longa anterior) sempre abrigou situações que, mesmo pequenas em escala, já eram absurdas por natureza – e isto, por si só, facilita o trabalho dos diretores Will Becher e Richard Phelan, que sentem-se à vontade para incluir conceitos mais, digamos, fantasiosos na narrativa, submetendo-os, no entanto, ao humor habitual da série (que, por sua vez, costuma girar em torno de situações corriqueiras, mas que eventualmente abraçam a fisicalidade, a irreverência e – mais uma vez – o absurdo).
Assim, quando os personagens estão vagando pelo espaço sideral e avistam, de longe, um astronauta em órbita – uma imagem, a princípio, icônica –, este encontra-se pintando o casco de sua nave (uma atividade obviamente simples e mundana); não sendo à toa, portanto, seu interesse em garantir que o veículo não sofra um arranhão sequer (numa piada cuja repetição a torna ainda mais engraçada). Da mesma forma, apesar do nome sugerir uma pose autoimportante, os agentes do Ministério de Detecção Alienígena são um bando de incompetentes que quase nunca conseguem manter as situações sob controle, ao passo que o robozinho que os ajuda… bem, se estabelece como um dos melhores e mais expressivos personagens do filme (seu “grito” de desespero depois de ser atingido por uma explosão, em especial, é hilário).
Em contrapartida, Shaun, o Carneiro 2 conta com alguns problemas que o fazem empalidecer diante do original: se antes as ovelhas que acompanhavam Shaun eram tão interessantes quanto este, desta vez elas são relegadas ao segundo plano, ganhando pouquíssimas oportunidades de se destacar. E, se o fato de já termos visto esta mesma história ser contada em dezenas de outras obras acaba representando um pormenor (mérito, claro, da imaginação de Becher e Phelan ao lidarem com ela), o primeiro ato demora um pouco a engatar, soando frouxo e custando a encontrar o dinamismo exigido por uma narrativa como esta – e é um alívio, portanto, que o longa decole a partir do segundo ato e surpreenda ainda mais no terceiro, quando alcança um clímax emocional inesperado e que oferece uma resolução tocante até mesmo para a vilã, cujas motivações tendem a torná-la multifacetada.
Comprovando mais uma vez a potência técnica da Aardman quando o assunto é animação stop-motion (o fato de girar em torno de cenários e bonecos “reais” confere uma fisicalidade que a computação gráfica ainda é incapaz de substituir, ao passo que o cuidado dos animadores com cada detalhe dos cenários e da movimentação dos personagens é notável), Shaun, o Carneiro 2 é um filme que, mesmo sem causar a euforia do anterior, leva o espectador a mais uma vez terminar a projeção sorrindo, cantarolando a música-tema e desejando reencontrar estes personagens num eventual terceiro longa. Que este mantenha o alto nível.