Por um lado, Scooby! O Filme é uma releitura fiel da série animada criada pela Hanna-Barbera em 1969: os designs dos personagens remetem aos traços bidimensionais de suas versões originais, a “câmera” registra várias situações de forma visualmente idêntica aos desenhos e as personalidades de cada integrante da Mistérios S.A. se mostra condizente com o que conhecíamos de suas interpretações anteriores. Em contrapartida, se visualmente o filme se revela uma adaptação eficaz, o mesmo não pode ser dito sobre seu aspecto narrativo, que falha em capturar o espírito das aventuras divertidas, bem humoradas e – o mais importante – repletas de mistérios vividas por Scooby-Doo e sua turma.
Escrito por Adam Sztykiel (Alvin e os Esquilos 4, Rampage), Matt Lieberman (A Família Addams) e pelos estreantes Derek Elliot e Jack Donaldson (se o fato de contar com quatro roteiristas já parece assustador, imagine saber que o argumento foi feito por três pessoas), Scooby! começa mostrando o início da relação entre o pequeno Salsicha e o filhote Scooby-Doo, contando como os dois se conheceram, tornaram-se amigos e logo foram apresentados aos adolescentes Fred, Daphne e Velma; com os quais, no futuro, viriam a se juntar para… ora, investigar mistérios e caçar fantasmas. Estes minutos iniciais, por sinal, são também os melhores de todo o longa, pois conseguem ao menos despertar no espectador uma gostosa sensação de curiosidade diante da agora revelada “história de origem” dos personagens.
É uma pena, contudo, que não demore muito até que o filme deixe de explorar seus personagens e passe a se concentrar em uma historinha tola e genérica que, acompanhando os esforços dos heróis em impedir que Dick Vigarista liberte um cão-fantasma que causará o “Apocãolipse”, é conduzida de forma aborrecida e pouco imaginativa pelo diretor Tony Cervone – que, por sua vez, demonstra maior interesse em criar situações isoladas do que uma narrativa coesa e bem estruturada. Além disso, é decepcionante que o longa descarte a proposta de investigação sobrenatural que tornava as aventuras de Scooby tão divertidas (e pior: em prol, como já dito, de uma trama boba, frouxa e narrada no piloto automático), aparentemente ignorando o fato de que, afinal, a trupe da Mistérios S.A. trabalha com… mistérios (duh!).
Por outro lado, se falha em construir uma narrativa minimamente interessante, ao menos Cervone é hábil ao resgatar alguns traços marcantes das animações clássicas do Scooby-Doo (algo que os dois filmes live-action de 2002 e 2004, dirigidos por Raja Gosnell e escritos por James Gunn, também tentavam fazer), sendo particularmente bacana como o longa “tridimensionaliza” alguns planos memoráveis da série original (como aquele travelling vertical que acompanhava os personagens correndo simetricamente de um lado ao outro) e como as personalidades dos heróis (e, por consequência, as piadas trocadas por/entre estes) correspondem ao que nos acostumamos a esperar deles. Da mesma forma, o filme surpreende ao conseguir incluir participações de vários outros personagens da Hanna-Barbera (Dick Vigarista, Capitão Caverna, Falcão Azul, Bionicão, etc) sem que estas soem como mero fan-service, contribuindo com a narrativa em vez de interrompê-la.
O que não se aplica, porém, às frequentes tentativas de modernizar o universo de Scooby, Salsicha e companhia: se por um lado a ideia de tentar repaginar uma franquia obviamente concebida no auge da onda hippie (aliás, só os anos 1960 mesmo para criarem um personagem como Scooby-Doo) para o século 21 é promissora, por outro os esforços acabam sabotados pelo fato de que o próprio filme não parece saber direito como repaginá-la, limitando-se apenas a fazer um monte de menções tolas e forçadas a podcasts, aparelhos telefônicos, sagas como Harry Potter e serviços como Netflix. (Ainda assim, o detalhe da jovem Velma se fantasiar de Ruth Bader Ginsburg para o Dia das Bruxas funciona ao indicar, com economia, seu caráter empoderador – mesmo que este nunca volte a ser explorado pelo filme.)
Esquecível como uma produção da Illumination (Meu Malvado Favorito, A Vida Secreta dos Pets), Scooby! ainda sugere um leve interesse em usar sua tentativa de modernização para comentar – ainda que de modo superficial – a “cultura da futilidade” que tomou conta das redes sociais e de seus usuários que, mesmo tendo todas as informações do mundo disponíveis em suas mãos, pouca vontade têm de pesquisá-las. O que não deixa de ser irônico, já que, na prática, o próprio filme se revela, em maior ou menor grau, uma versão pasteurizada de uma obra bem melhor.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: