Borat

Título Original

Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan

Lançamento

23 de fevereiro de 2007

Direção

Larry Charles

Roteiro

Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Peter Baynham e Dan Mazer

Elenco

Sacha Baron Cohen, Ken Davitian e Luenell

Duração

84 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Sacha Baron Cohen e Jay Roach

Distribuidor

Fox

Sinopse

Borat Sagdiyev é um jornalista do Cazaquistão que resolve deixar o seu país e viajar para os Estados Unidos, com a intenção de fazer um filme documentário. Durante sua viagem pelo país, ele conhece pessoas reais que, ao reagir ao seu comportamento primitivo, expõem o preconceito e a hipocrisia existentes na cultura americana nos dias de hoje.

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Borat | Crítica

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O humor é uma das formas de manifestação artística mais subestimadas que existem. De certa maneira, isto é até compreensível, já que uma piada (quando boa, é claro) por natureza é capaz de induzir no outro uma sensação gostosa: a do riso – e o simples fato de provocar o divertimento rápido em alguém talvez faça as pessoas acharem que o conceito de piada em si não passa de uma distração tola e descartável, como algo que apenas vem, faz rir e depois vai embora. Assim, quando vemos alguém brincar com um tema delicado, frequentemente temos o impulso de condenar a brincadeira porque achamos que esta, por estar extraindo graça da situação abordada, está reduzindo sua gravidade em vez de levá-la a sério – o que, convenhamos, é um erro grosseiro: muitas vezes, a exposição ao ridículo é justamente a única forma possível de jogar um holofote em cima de uma questão que, caso discutida com sobriedade, talvez não ficasse clara o bastante.

Aliás, para constatar isto, basta assistir a Borat: O Segundo Maior Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (pois é, que subtítulo!): lançado em 2006, quando o genocida George W. Bush estava no meio de seu segundo mandato e dando continuidade à sua covarde invasão ao Iraque, o filme dirigido por Larry Charles (que escreveu alguns episódios de Seinfeld) surgiu parecendo se tratar de uma comédia boba e dispensável sobre um imigrante estereotipado fazendo maluquices em solo norte-americano. Em vez disso, contudo, o longa acabou revolucionando o gênero mockumentary (ou “falso documentário”) ao se revelar um verdadeiro tratado sobre a estupidez generalizada dos Estados Unidos, trazendo o britânico Sacha Baron Cohen sob a pele de um “repórter” que, personificando a visão xenófoba e preconceituosa de boa parte do país em relação aos imigrantes, conseguia extrair dos cidadãos médios a discriminação e a burrice que tanto escondiam – uma extração que, em uma ficção ou mesmo em um documentário comum, talvez não fosse possível.

Estrelado, co-produzido e co-escrito por Sacha Baron Cohen a partir do personagem que ele mesmo criou para as esquetes de Da Ali G Show, seu programa de tevê, o longa nos apresenta a Borat Sagdiyev, um jornalista do Cazaquistão que, convocado pelo governo para filmar um documentário que melhore a imagem do país no exterior, decide embarcar em direção aos Estados Unidos e registrar o estilo de vida norte-americano para que, depois, o povo cazaque aprenda a ser como os cidadãos de lá. Ao chegarem a Nova York, Borat e seu produtor, Azamat Bagatov, começam a entrevistar pessoas reais que, ao reagirem ao comportamento “primitivo” do repórter (afinal, ele é uma caricatura dos estereótipos culturais), sem querer/perceber expõem o preconceito e a hipocrisia que ocultavam para si e que ainda hoje permeiam a sociedade estadunidense. Tudo muda, porém, quando Borat assiste a um episódio de Baywatch na tevê do hotel e se apaixona pela atriz Pamela Anderson, convencendo Azamat a pegar a estrada em direção à Califórnia a fim de pedi-la em casamento.

A partir daí, Borat se transforma não apenas em um mockumentary, mas também em um road-movie que atira o espectador no meio de situações de tão inacreditáveis que só poderiam ter saído mesmo da realidade – e o fato de todas elas girarem em torno das entrevistas feitas por Borat com os cidadãos que encontra pela frente acaba depondo contra todo aquele senso de justiça e bons costumes que os Estados Unidos adoram ostentar, mas que nunca empregam na prática. Assim, se uma ficção baseada em relatos reais poderia ser acusada de “enviesar” os fatos (como muitos documentários já são, por sinal), Borat opta por mostrar os norte-americanos médios sendo preconceituosos sob a luz do dia, levando o espectador a ver a hipocrisia, o falso moralismo e a intolerância destes em ação – o que culmina, claro, na absurda cena em que o protagonista discursa num rodeio desejando que “George Bush beba o sangue de cada homem, mulher e criança do Iraque” e é recebido com aplausos efusivos da plateia (que a cena termine com um caubói e seu cavalo caindo no chão só pode ter sido uma interferência do além).

Neste sentido, Borat mostra não só como a comédia pode ser eficaz como arma social/política (tocando em nervos até então escondidos pela sociedade), mas também como é possível, sim, brincar com situações pesadas – e, para isso, Larry Charles e Sacha Baron Cohen demonstram entender algo fundamental no humor politicamente incorreto: uma piada machista, xenófoba, antissemita ou racista só costuma ter graça quando diz mais sobre a estupidez de quem a profere do que sobre as minorias atacadas (afinal, bater em quem já é oprimido é, além de cruel, fácil demais). Desta maneira, quando Borat ri de uma feminista que explica sua luta ou foge apavorado de um casal de judeus que aparentemente se transformaram em baratas, acabamos rindo não das mulheres ou dos judeus, mas das imbecilidades ditas/cometidas pelo protagonista – uma diferença sutil, mas crucial para entender o sucesso do filme. Além disso, o simples fato de a maioria dos entrevistados não perceberem que Borat é uma caricatura, um ator se passando por jornalista cazaque, diz muito sobre a visão de mundo limitada e umbiguista que eles têm (afinal, como alguém poderia acreditar que um ser humano é daquele jeito só por ser estrangeiro?).

Ainda assim, mesmo adotando uma estrutura de road-movie e criando diversas situações que funcionam por conta própria, Borat não comete o erro (comum em filmes do gênero) de soar como uma colagem de esquetes soltas e aleatórias – e, se isto não acontece, é graças ao cuidado do roteiro e da montagem, que conseguem conferir naturalidade e coesão a uma narrativa naturalmente episódica, que salta de situação em situação, sem afrouxar o ritmo como um todo. Aliás, o roteiro de Cohen, Anthony Hines, Peter Baynham e Dan Mazer merece créditos também por criar uma narrativa que, ao mesmo tempo em que sustenta vários momentos avulsos, é também hábil ao “costurá-los” permitindo que estes ganhem vida através do improviso e mesmo do acaso (porque, verdade seja dita, é impossível que certos acontecimentos tenham sido previstos pelos roteiristas, como o encontro de Borat com um grupo de jovens imbecis em plena estrada). Para completar, quando o personagem-título entra em pânico ao descobrir estar na casa de um casal de judeus, os montadores Peter Teschner, James Thomas e Craig Alpert retratam este pânico ao intercalar cortes rápidos, zooms bruscos e uma musiquinha sombria – o que ajuda o filme a soar ainda mais como um documento que só aqueles personagens poderiam conceber, como se Charles tivesse embarcado na proposta de “pegadinha” junto a Cohen.

Entregando-se ao papel com uma devoção que o impede de sair dele até mesmo nos momentos mais arriscados da narrativa (nem quando Borat é pego e algemado, por exemplo, ele perde o sotaque ou o senso de humor característico), o britânico Sacha Baron Cohen dá vida a um personagem que, mesmo abarrotado de preconceitos, acaba conquistando em função de sua inocência e de sua persona excêntrica que, como já dito, se mantém do início ao fim, destacando-se tanto nos momentos de humor físico (como aquele que se passa numa loja de antiguidades) quanto naqueles mais sutis (quando Borat começa a cantarolar “Corky Bucek”, confesso que perco completamente a compostura). Ainda assim, o desempenho de Ken Davitian, que vive Azamat, também não pode ser subestimado, já que ele passou pela maioria dos mesmos desafios que Cohen enfrentou – e duvido que Daniel Day Lewis, Fernanda Montenegro ou mesmo Tom Cruise se submeteriam, por exemplo, ao que os dois viveram na memorável sequência da briga no hotel.

Dito isso, é uma pena que muitos custem a reconhecer o brilhantismo de Borat apenas por este pertencer ao gênero da comédia. Sim, muitos filmes já conseguiram retratar bem a ignorância e os preconceitos incutidos na sociedade norte-americana, mas poucos foram aqueles que de fato foram às ruas e mostraram como os Estados Unidos estão dispostos a celebrar o genocídio, a tentar “americanizar” quem é de fora e a entrar em desespero e sair correndo no meio da rua quando se depara um cara que fala com sotaque estrangeiro.

Em termos de gênero, Borat merece aplausos não só por sua imaginação, mas também – e principalmente – pela ousadia de colocá-la em prática; em termos de comentário social, é cirúrgico como poucos poderiam ser.

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