Assistir a Vingadores: Era de Ultron é como ir a uma lanchonete fast-food e se empanturrar com o “combo” mais caro que há no cardápio: você gastará uma quantia considerável, receberá uma refeição composta por itens diversos que não estão exatamente entre os mais saudáveis da tabela nutricional (que vão de hambúrgueres e batatas fritas ultraprocessadas até refrigerantes gasosos por natureza), engolirá apressadamente algo feito para ser consumido a toque de caixa (sem tempo para pausas ou degustações), sentirá um gosto de fato prazeroso que, no entanto, se desfará em poucos minutos e, horas mais tarde, sentirá uma indigestão que lhe fará indagar se aquele deleite momentâneo realmente valeu a pena. Ou seja: são ingredientes até saborosos, mas em quantidade farta demais para serem engolidos e digeridos em tempo de menos – o que certamente não ocorria no filme anterior, que conseguia equilibrar os variados componentes de sua receita com notável eficácia.
Lançado em 2012 para encerrar a primeira “fase” de um projeto ousado que combinava Homem de Ferro, O Incrível Hulk, Thor e Capitão América num crossover de proporções grandiosas, Os Vingadores era uma aventura divertida e empolgante que, além de unir super-heróis de múltiplas franquias distintas numa única obra pela primeira vez, também investiu num tom leve e pueril que funcionava surpreendentemente bem – algo que se deve, é claro, ao diretor e roteirista Joss Whedon, que abraçou de vez as cores berrantes e a fantasia onírica em vez de tentar replicar o realismo sombrio (bem-sucedido, vale apontar) do Batman de Christopher Nolan. E é por isso que esta segunda reunião dos maiores heróis da Marvel acaba desapontando, já que, diferente de seu antecessor, Era de Ultron repete preguiçosamente a fórmula que deu certo em 2012, mas desta vez expondo claras dificuldades em conciliar tantos personagens e arcos narrativos simultâneos.
Novamente escrito e dirigido por Whedon, Vingadores 2 se inicia com uma sequência de ação que traz o supergrupo recuperando o cajado que Loki usou no primeiro filme – e que foi usado pelos vilões para alterar geneticamente os gêmeos Wanda e Pietro Maximoff. Depois de descobrir que o alvo da missão possuía projetos relacionados a inteligência artificial, Tony Stark junta-se a Bruce Banner para desenvolver um programa que protegerá o mundo de quaisquer ameaças – item este que será batizado de Ultron, chegará à conclusão de que a raça humana é um perigo a ser exterminado e assumirá a forma de um robô tecnologicamente avançado. Aliando-se a Wanda e Pietro (que querem vingança contra Stark e sua participação na indústria bélica), a criatura logo obriga os Vingadores a lutarem contra um perigo que eles mesmos invariavelmente criaram.
Como já pode ser constatado, a premissa sugere temas que mereciam render discussões intrigantes: se os próprios heróis geram a ameaça que irão combater (numa decisão que poderia estabelecer um paralelo promissor com a paranoia pós-11 de setembro), isso obviamente tornaria a missão bem mais pessoal que o comum. Infelizmente, Era de Ultron não traz nada de inovador ou relevante aos filmes de super-heróis e mostra-se bem mais interessado em piadinhas do que em acrescentar dimensão dramática aos personagens (e se a motivação para que os gêmeos Maximoff busquem aterrorizar Tony Stark poderia resultar numa crítica ao armamentismo, o desfecho desta questão empalidece – e muito! – diante dos subtextos que haviam no primeiro Homem de Ferro). Em outras palavras: esta sequência não está preocupada com seriedade ou com o peso das consequências que atos “heroicos” trariam à população, seguindo o velho e inofensivo “arroz com feijão” que já está começando a saturar.
Tropeçando em boa parte das tentativas de humor (que levam ao pé da letra o conceito de alívio cômico, anulando qualquer tensão que deveria haver na obra), Vingadores 2 exibe problemas também nas esperadas cenas de ação: se antes Joss Whedon surpreendia com sequências grandiosas, mas que duravam o tempo correto e não apelavam para cortes imprecisos ou movimentos de câmera exageradamente frenéticos, desta vez o cineasta parece se entregar à filosofia tola do “quanto maior, melhor”, dando origem a conflitos mais megalomaníacos e descontrolados que o necessário. Além disso, o diretor peca ao elaborar a espacialidade dos ambientes nos quais os heróis e os vilões vão batalhar (algo que certamente não ocorria no primeiro longa, no qual Whedon fazia questão de aplicar planos abertos a fim de permitir que o espectador compreendesse a lógica geográfica dos cenários) – defeitos estes que quase (eu disse “quase”) são absolvidos graças a um ou outro momento mais eficaz, como o conflito “Hulk vs Homem de Ferro” e, claro, aquele travelling circular (no terceiro ato) que acompanha o supergrupo lutando contra hordas de robôs.
Em compensação, Joss Whedon acerta em cheio naquilo que é sua especialidade: a interação entre os Vingadores; que, aqui, são amigos que saem para festejar e se divertir com seus superpoderes (há uma brincadeira sensacional incluindo o martelo de Thor). Notem, por exemplo, como o roteiro é bem-sucedido ao explorar as leves intrigas entre o Capitão América e o Homem de Ferro, a dor interna de Bruce Banner, as situações cômicas envolvendo Thor e a auto-inferiorização do Gavião Arqueiro (que, aqui, torna-se bem mais interessante que o habitual). Já Ultron agrada pelos motivos menos esperados: se aguardávamos um vilão nocivo e ameaçador, James Spader concebe o robô como uma personalidade altamente arrogante, sarcástica e presunçosa (leia-se: uma visão deturpada do próprio Tony Stark), destacando-se graças ao seu tom de voz egocêntrico e aos seus maneirismos constantemente vaidosos. Por outro lado, o Visão e a Feiticeira Escarlate pouco têm a fazer na história, soando dispersos e bidimensionais (seus superpoderes nem são estabelecidos com clareza) ao passo que o aborrecido Mercúrio empalidece diante de sua contraparte apresentada em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido.
Eficaz ao trazer os heróis sempre preocupados com a segurança alheia e se desdobrando para impedir baixas civis na medida do possível (como se tentassem evitar o terceiro ato de O Homem de Aço, no qual Superman não parecia dar a mínima para as mortes de pessoas inocentes), Era de Ultron finalmente frustra por soar mais como um trailer para futuras produções da Marvel do que como um filme individualmente funcional, inserindo coadjuvantes desnecessários e situações deslocadas apenas para despertar o interesse do público em Capitão América 3: Guerra Civil, Pantera Negra, Guerra Infinita e congêneres.
Trata-se de uma falha determinante num longa que jamais consegue disfarçar seu inchaço através da montagem e que acaba deixando uma infinidade de personagens extras e subtramas espremidas num roteiro que nitidamente não consegue comportar tanta coisa ao mesmo tempo.