Aranhaverso

Título Original

Spider-Man Into the Spider-Verse

Lançamento

10 de janeiro de 2019

Direção

Bob Persichetti, Peter Ramsey, Rodney Rothman

Roteiro

Phil Lord, Rodney Rothman

Elenco

Shameik Moore, Jake Johnson, Hailee Steinfeld, Mahershala Ali, Brian Tyree Henry, Liev Schreiber, Nicolas Cage, Kimiko Glenn, John Mulaney, Luna Lauren Velez, Kathryn Hahn, Lily Tomlin, Zoë Kravitz

Duração

117 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Phil Lord, Christopher Miller, Amy Pascal, Avi Arad, Christina Steinberg

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

Após ser atingido por uma teia radioativa, Miles Morales, um jovem negro do Brooklyn, se torna o Homem-Aranha, inspirado no legado do já falecido Peter Parker. Entretanto, ao visitar o túmulo de seu ídolo em uma noite chuvosa, ele é surpreendido com a presença do próprio Peter, vestindo o traje do herói por baixo de um sobretudo. A surpresa fica ainda maior quando Miles descobre que ele veio de uma dimensão paralela, assim como outras versões do Homem-Aranha.

Publicidade

Homem-Aranha no Aranhaverso | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Quando o Homem-Aranha finalmente chegou aos cinemas, em 2002, o diretor Sam Raimi fez questão de conferir ao projeto uma personalidade própria: por um lado, o filme abraçava o espírito lúdico, fabulesco e até mesmo caricatural dos quadrinhos; por outro, existia também uma espécie de âncora no mundo real, o que ajudava a trazer peso dramático para algumas cenas importantes (algo que só evoluiu no soberbo Homem-Aranha 2). No entanto, as revitalizações que a franquia sofreu nos anos seguintes não trouxeram novidades drásticas em termos de estética: a versão estrelada por Andrew Garfield oscilava entre uma refilmagem (desastrosa) dos longas comandados por Raimi e uma tentativa (também desastrosa) de modernizar e complicar a persona de Peter Parker, ao passo que De Volta ao Lar, por mais divertido que fosse, ainda se via preso à abordagem padrão dos filmes do Universo Marvel.

Assim, é provável que este Homem-Aranha no Aranhaverso seja a primeira grande inovação envolvendo o personagem no Cinema desde a versão de Sam Raimi, já que, desta vez, os diretores Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman se sentiram à vontade para incluir uma série de particularidades que talvez não fossem permitidas em uma aventura “regular” (ou live-action) do Aranha.

E o resultado é, talvez, o melhor filme de super-herói dos últimos anos.

Em vez de transformar Peter Parker no centro das atenções pela milionésima vez, o roteiro de Rodney Rothman e Phil Lord (este último também produziu o longa ao lado de seu colaborador Chris Miller, com quem dirigiu Anjos da Lei Uma Aventura LEGO) prefere se concentrar em Miles Morales, um adolescente que cresceu no Brooklyn, é fanático pelo Homem-Aranha e, ao ser picado por uma aranha radioativa, vê que ganhou os mesmos superpoderes do herói que lia nos quadrinhos. Depois que o Rei do Crime realiza um experimento perigosíssimo, um monte de dimensões diferentes se cruzam e, com isso, Miles acaba conhecendo personagens similares a ele, mas que vieram de universos alternativos – entre eles, estão Gwen Stacy, Peni (e seu “robô-aranha”), Peter Porker, o Homem-Aranha noir e uma versão mais velha do próprio Peter Parker. Desta maneira, os cabeças-de-teia resolvem unir seus superpoderes para impedir que o Rei do Crime cometa um erro ainda maior e, de quebra, encontrem uma forma de voltar aos seus respectivos mundos.

Conferindo ritmo, dinamismo e clareza a uma história que poderia se tornar confusa ou sem sentido caso caísse nas mãos dos roteiristas errados, Aranhaverso é particularmente hábil ao lidar com duas premissas distintas (a origem de Miles Morales e o encontro de vários universos alternativos) de maneira coesa e orgânica, sabendo juntá-las com uniformidade e impedindo que uma soe desconectada da outra. Ao mesmo tempo, os três diretores investem em um senso de humor que funciona muitíssimo bem e que se mantém na maior parte do tempo, servindo tanto para humanizar os personagens (ao afirmar que “não há tempo a perder“, Peter imediatamente corre com Miles para… comer hambúrguer numa lanchonete) quanto para divertir através do absurdo (o que se aplica, por exemplo, à sequência em que os Homens-Aranha fogem de um laboratório carregando um computador). E o mais surpreendente, no entanto, é que o filme faça rir com frequência, mas também saiba a hora de falar sério – e o momento em que Morales executa um “salto de fé” marca o amadurecimento geral do personagem, que finalmente compreendeu sua função como super-herói (se uma piadinha fosse encaixada à força no meio disso, a cena instantaneamente perderia seu aspecto redentor).

Outra surpresa proporcionada por Aranhaverso consiste em sua capacidade de fazer uma série de brincadeiras metalinguísticas – o que é sempre um desafio, pois é difícil levar um filme a se reconhecer como tal sem quebrar a imersão do espectador. Ainda na sequência de abertura, o longa resgata vários momentos famosos envolvendo o personagem (chegando a alfinetar a infame dancinha de Homem-Aranha 3) e estabelece que a simples presença do Homem-Aranha naquele mundo fictício inspirou todos os produtos que já existem na vida real (como doces, desenhos animados, jingles e até mesmo quadrinhos). Além disso, o recurso de pontuar as apresentações de cada personagem através de vinhetas que mostram capas de revistas revela-se elegante e inspirado, permitindo que o montador Robert Fisher Jr. pause pontualmente o andamento das cenas para inserir breves (e estilosas) explicações – e sem jamais quebrar ou comprometer o ritmo da narrativa.

O que nos traz a um elemento fundamental para o sucesso de Aranhaverso: seus personagens. Tornando-se um exemplo de inclusão simplesmente por ser um protagonista negro e descendente de latinos, Miles Morales se estabelece como um adolescente que passa por dificuldades com as quais qualquer um pode se identificar, como os conflitos que tem com seu pai, a incapacidade de socializar e a necessidade de aprender a lidar com sua insegurança (notem que, ao descobrir seus superpoderes, a reação do garoto soa como um misto de entusiasmo e medo). E acompanhar o amadurecimento de Miles é um exercício interessante por si só, já que cada etapa de sua jornada é definida com clareza e o personagem termina o filme diferente de como começou – algo que a excelente dublagem de Shameik Moore (da série The Get Down) exemplifica bem, investindo em uma voz esganiçada no início e aos poucos assumindo um tom mais grave.

Aliás, foi justamente essa vulnerabilidade que tornou Peter Parker tão querido – e, desta vez, o personagem surge como uma continuação lógica daquilo que nos acostumamos a ver nas versões anteriores: se antes seu senso de humor servia para despistar seu medo e para diferenciá-lo da persona do Homem-Aranha, aqui ele está presente até mesmo nos instantes em que Peter não está com o rosto coberto, pois a irreverência parece ter tomado conta do sujeito à medida em que os anos foram passando (o que está presente na composição vocal de Jake Johnson, que transmite cansaço, sarcasmo e agilidade em sua performance). Em compensação, a insegurança habitual de Parker continua a se manifestar, por exemplo, na forma como ele teme se reaproximar da amada Mary Jane, de quem se divorciou há algum tempo (o que acaba resultando em um dos encontros mais inesperados – e hilários – do filme).

Trazendo como vilão um Rei do Crime que, mesmo cruel e intimidador, exibe motivações surpreendentemente humanas e tocantes, Aranhaverso conta com a presença de Gwen Stacy em uma versão bem mais radical (e superpoderosa) do que as que haviam aparecido no Cinema, sendo admirável que a carismática Hailee Steinfeld a transforme numa figura ao mesmo tempo durona e simpática. Como se não bastasse, o filme ainda nos apresenta a três Aranhas com personalidades bem definidas e que inspiram, inclusive, a atmosfera dos ambientes nos quais se situam: a japonesa Peni é uma menina inteligente e moderna que faz tudo ao seu redor parecer saído de um anime; Peter Porker é um porquinho engraçadíssimo que usa bigornas e marretas para confrontar seus inimigos, remetendo aos Looney Tunes até mesmo nos efeitos sonoros que o acompanham; e o Homem-Aranha noir (dublado num tom de ironia constante por Nicolas Cage) encara tudo com uma dramaticidade que diverte graças ao exagero e que é complementada pelo visual sombrio e esfumaçado que define sua personalidade.

Mas foi com sua abordagem estética que Aranhaverso me conquistou – e me atrevo a dizer que Persichetti, Ramsey e Rothman realizaram, aqui, uma das mais bem-sucedidas transposições da linguagem dos quadrinhos para o Cinema (algo que Ang Lee tentou fazer em Hulk). Abrindo a projeção estampando um selo escrito “Approved by the Comics Code Authority“, os diretores encontram maneiras criativas de levar à telona recursos como balões de pensamento e retângulos que sugerem passagens de tempo, chegando a dividir a tela em várias “sub-telas” para permitir que o espectador veja uma única ação através de pontos de vista diferentes. Além disso, o filme inclui onomatopeias em vários momentos da narrativa, desde o instante em que Miles cai de um prédio e é acompanhado por um “Aaaaaaa!” até os sons de socos e disparos que aparecem escritos no meio das cenas de ação – e que o filme consiga encontrar espaço para essas brincadeiras visuais sem “poluir” a mise-en-scène é uma proeza e tanto.

O mais importante, contudo, é perceber como os diretores encaixam essas experimentações sem transformá-las em meras distrações, fazendo questão de situá-las organicamente dentro da lógica visual da obra. E algo que certamente contribui para isso é o estilo adotado pela equipe de animadores: investindo pesadamente em uma abordagem que busca recriar a estética dos quadrinhos (através de cores intensas e de uma granulação específica), o longa combina elementos de desenhos bidimensionais e composições computadorizadas, o que resulta em um traço que parece rabiscado, mas que ainda assim conta com uma dimensão que só poderia ser alcançada através de recursos digitais. E funciona perfeitamente – aliás, sou capaz de apostar que o estilo desta animação influenciará uma penca de outros projetos daqui para frente.

Tão frenético e dinâmico quanto Speed Racer ou Scott Pilgrim (outras duas obras que brincavam brilhantemente com suas linguagens), Homem-Aranha no Aranhaverso é uma experiência visualmente fascinante, mas que também não deixa a desejar em seus aspectos narrativos. Inclusive, sou capaz de dizer que, ao final do ano, esta animação dificilmente ficará de fora da minha lista dos dez melhores filmes de 2019 – e, para afirmar isso com tanta convicção ainda estando em janeiro, é porque o resultado deu certo mesmo.

Mais para explorar

Ainda Estou Aqui | Crítica

Machuca como uma ferida que se abriu de repente, sem sabermos exatamente de onde veio ou o que a provocou, e cujo sofrimento continua a se prolongar por décadas sem jamais cicatrizar.

Wicked | Crítica

Me surpreendeu ao revelar detalhes sobre o passado das personagens de O Mágico de Oz que eu sinceramente não esperava que valessem a pena descobrir, enriquecendo a obra original em vez de enfraquecê-la.

Gladiador II | Crítica

Mesmo contado com momentos divertidos e ideias interessantes aqui e ali, estas quase sempre terminam sobrecarregadas pelo tanto de elementos simplesmente recauchutados do original – mas sem jamais atingirem a mesma força.

2 Comentários

  • Que crítica incrível, li todas do Aranha e deixei essa por último pq esse é o meu filme favorito do herói! Você só me deu mais motivos para amar e quero dizer q já virei fã das suas críticas, vlw Pedro!

    PS: Acredita que há uma cena alternativa do “salto de fé” que acaba exatamente numa piada e tira toda a graça do que é a melhor cena do filme pra mim?? Dei graças a Deus por não deixarem no filme e fazerem a maravilha que foi para as telas!

    Resposta
    • Muito obrigado, Davi! De coração, fico muito feliz que tenha curtido as críticas do Aranha e espero que venha a curtir as próximas cada vez mais e mais. <3

      Ah, não sabia desta cena alternativa! Nossa, é nessa hora que vemos como, por pouco, uma escolha narrativa pequena poderia ter mudado tudo para pior. Que bom que não foi o caso. 🙂

      Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *