blackkklansman

Título Original

BlacKkKlansman

Lançamento

22 de novembro de 2018

Direção

Spike Lee

Roteiro

Spike Lee, Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmont

Elenco

John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Jasper Pääkkönen, Ashlie Atkinson, Ryan Eggold, Paul Walter Hauser, Corey Hawkins, Michael Buscemi, Ken Garito, Robert John Burke

Duração

135 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Spike Lee, Jordan Peele, Jason Blum, Raymond Mansfield, Sean McKittrick, Shaun Redick

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, consegue se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunica com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, e quando precisava estar fisicamente presente envia um outro policial branco em seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron fica próximo do líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.

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Infiltrado na Klan | Crítica

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Visto durante o Festival do Rio 2018.

O mundo não mudou o suficiente com o passar dos anos. Sim, as lutas pelos direitos das minorias vêm se mostrando cada vez mais importantes, os oprimidos estão finalmente ganhando algum espaço e certos hábitos discriminatórios que eram permitidos até pouco tempo atrás estão sendo condenados (como devem ser). Infelizmente, o ódio e a intolerância não só permaneceram (seja de forma velada ou descarada) como estão se fortalecendo nesses tempos sombrios em que vivemos – e não adianta dizer que evoluímos quando, em pleno ano de 2018, ainda existem manifestações que pregam a supremacia branca, crianças que são separadas de seus pais por serem vítimas de xenofobia e cidadãos que se sentem no direito de sair por aí agredindo/matando negros, mulheres, LGBTQs e qualquer um que se oponha à atual onda conservadora.

Isto é um fato comprovado através de diversos casos que ocorreram de uns tempos para cá (e que se tornaram ainda mais frequentes neste ano surreal que foi 2018). Aliás, eu havia decidido que não iniciaria esse texto sobre Infiltrado na Klan falando sobre isso justamente por imaginar que seria óbvio demais. Em contrapartida, me senti obrigado a voltar atrás quando vi, em dado momento do novo longa de Spike Lee, uma placa em frente à casa de um casal de racistas que continha as seguintes palavras: “América: Ame-a ou Deixe-a“. Ora, como é possível ler algo assim e não pensar em tudo que está acontecendo hoje? Como ignorar o revisionismo histórico que vem sendo propagado – por políticos, teóricos da conspiração e grupinhos de WhatsApp – a fim de amansar um passado doloroso e tentar trazê-lo de volta? Se trocarmos “América” por “Brasil”, temos o velho mantra carregado pelos fascistas tupiniquins (e que, inclusive, já chegou a ser abraçado por uma das maiores emissoras de TV do país).

E se você acha errado misturar política com Cinema… bem, fique sabendo que Spike Lee não pensa do mesmo jeito. Contando uma história que, de tão absurda que é, só poderia pertencer mesmo à vida real, Infiltrado na Klan se passa no começo dos anos 1970 e acompanha o jovem Ron Stallworth, que, depois de se tornar o primeiro negro a ser aceito pela polícia de Colorado Springs, resolve pôr em prática um plano inacreditável: se infiltrar na Ku Klux Klan. Sim, um afrodescendente se aproxima daquela que talvez seja a organização racista mais conhecida dos Estados Unidos. Assim, Stallworth envia seu parceiro Flip Zimmerman para frequentar as reuniões dos supremacistas brancos, chegando a estabelecer contato com ninguém menos que David Duke, que liderava o grupo naquela época.

Reconhecendo que o bom humor tende a servir como uma ferramenta crítica poderosíssima, já que expõe o alvo da piada (no caso, o racismo) ao ridículo justamente por escancarar o quão absurdo ele soa, Infiltrado na Klan exibe um sarcasmo digno de nota na maneira como encara os membros da Ku Klux Klan e o racismo velado que existe na sociedade – neste sentido, as sequências que enfocam Ron Stallworth conversando com David Duke via telefone são impecáveis: se o líder dos supremacistas acredita que os negros são incapazes de “falar como os brancos”, o protagonista logo subverte este preconceito ao alterar sua voz e se passar por… um branco (e as frases discriminatórias que são ditas por Stallworth nessas cenas são caricatas a ponto de se tornarem engraçadas). Em compensação, Spike Lee é inteligente o bastante para evitar que o bom humor diminua o impacto das passagens mais dramáticas do longa: por um lado, o discurso de Kwame Ture revela-se inspirador e revigorante; por outro, a simples imagem de um grupo de racistas encapuzados ateando fogo numa cruz automaticamente gera uma importante sensação de mal estar.

Aliás, a escalação de John David Washington acaba resumindo boa parte das intenções de Infiltrado na Klan, já que, como todo o resto do filme, o ator mostra-se plenamente capaz de alternar entre a irreverência e o sentimento de revolta – e o timing cômico de Washington merece ser explorado em futuras produções, ao passo que seu envolvimento cada vez maior com as causas do movimento negro é exemplificado de maneira mais séria e solene, porém igualmente eficaz. Neste ponto específico, Ron Stallworth remete ao Mookie vivido pelo próprio Spike Lee no excepcional Faça a Coisa Certa: embora ambos os personagens comecem suas narrativas tentando se afastar de qualquer manifestação social/cultural/política, aos poucos eles percebem que não há alternativa e que lutar pelos seus direitos é uma necessidade. E isso é reconhecido pela militante Patrice Dumas, que, vivida por Laura Harrier com uma simpatia igualada somente pela força de suas convicções, enxerga a luta pelos direitos dos negros como uma missão de vida e não se permite deixar a causa de lado por um segundo sequer.

Já os demais atores também cumprem bem suas funções: vivido pelo sempre excelente Adam Driver, o detetive Flip Zimmerman surge como um personagem que, mesmo sendo judeu e temendo o antissemitismo em função disso, ao menos conta com a vantagem de ser… um homem branco – e isto permite que ele se infiltre na Ku Klux Klan com mais facilidade, já que não a cor de sua pele não o fará ser execrado de imediato. E se Jasper Pääkkönen confere a dose certa de intensidade ao supremacista Felix Kendrickson, que se estabelece como um dos personagens mais estúpidos e odiosos da narrativa, Topher Grace (que andava meio sumido) é bem-sucedido ao retratar David Duke como uma figura patética e risível, mas ao mesmo tempo perigosa e abominável. Para completar, a dona de casa Connie Kendrickson é vivida por Ashlie Atkinson como uma persona bem mais complexa do que pode parecer à primeira vista: sendo constantemente menosprezada e maltratada pelo marido, Connie faz de tudo para ser aceita pelos membros da Ku Klux Klan e fica correndo atrás de Felix o tempo todo – por outro lado, esta condição de “mulher submissa ao marido abusador” jamais torna-se uma desculpa para seus atos intolerantes, que devem ser julgados como aquilo que são: crimes racistas.

Encontrando espaço para (ótimos) diálogos que referenciam diversos aspectos da cultura negra dos Estados Unidos (não só movimentos civis, mas até mesmo alguns filmes pertencentes ao blaxploitation), Infiltrado na Klan é uma obra que utiliza cada um dos seus elementos técnicos como uma maneira de fortalecer o discurso de Spike Lee: se o diretor de fotografia Chayse Irvin acerta ao rodar o longa em 35mm e ao investir numa paleta de cores constantemente amarronzada (conferindo uma aparência “antiga” ao que é apresentado), o designer de produção Curt Beech se destaca não apenas ao reconstituir o estilo dos anos 1970 (através de figurinos, veículos e objetos cênicos), mas também ao enfatizar as diferenças culturais que separam os manifestantes negros dos supremacistas brancos (os primeiros carregam frases escritas em placas e estão frequentemente em ambientes que favorecem o discurso de algum líder do movimento; os segundos passam a maior parte do tempo bebendo em bares, dando tiros no meio de uma floresta e se reunindo para rever O Nascimento de uma Nação). Além disso, a excelente montagem de Barry Alexander Brown (que merece ser indicado a prêmios por seu trabalho aqui) se sai particularmente bem na sequência que enfoca o monólogo feito por Kwame Ture, onde os rostos de vários jovens são sobrepostos e enfatizando, com isso, as reações emocionadas de cada um deles – e as montagens paralelas, em especial, são brilhantes, associando o encontro dos manifestantes negros à reunião dos membros da Ku Klux Klan e mostrando os dois discursos atingindo um clímax ao mesmo tempo.

O que não significa, claro, que ambos os discursos sejam igualmente aceitáveis. Aliás, um dos grandes méritos de Spike Lee em Infiltrado na Klan consiste em sua forma de mostrar como o discurso de ódio surge não de maneira escancarada, mas sob a desculpa de ser uma “opinião” como qualquer outra – e, como tal, deveria ser resolvida na base do diálogo. O que muitas pessoas não parecem compreender, no entanto, é que não dá para dialogar com um ser humano que protesta com uma tocha na mão em nome da supremacia branca; este é um tipo de prática que deve ser combatida. Quando a intolerância passa a ser encarada somente como uma “opinião”, ela se sente mais livre para ser expressada à vontade – não é à toa que, quando uma marcha de racistas/antissemitas/nacionalistas de extrema-direita ocorreu em Charlottesville e bateu de frente com um grupo composto por pessoas minimamente sensatas, o presidente Donald Trump declarou que “há pessoas boas em ambas as manifestações” (e admitindo, com isso, que um bando de neonazistas protestem em praça pública). É impossível assistir a Infiltrado na Klan sem se lembrar disso.

Pois não se enganem: o Cinema de Spike Lee é (e sempre foi) intencionalmente político – afinal, ele ele é uma das principais vozes negras que existem em Hollywood nos últimos 30 anos (basta analisar sua filmografia em retrospecto e constatar como Faça a Coisa CertaA Febre da Selva ou Malcolm X escancaram uma realidade de maneira direta e incisiva). Em Infiltrado na Klan, Lee volta a exercer um papel fundamental ao demonstrar como a Arte pode (e deve) ser usada como arma política, denunciando um problema social que, embora situado nos anos 1970, vem ressurgindo com uma força cada vez maior de uns anos para cá. Da mesma forma, o cineasta faz questão de mostrar como o Cinema também pode ser usado como mau exemplo: O Nascimento de uma Nação pode até ser tecnicamente revolucionário (foi com este longa de quase três horas que D.W. Griffith alavancou a montagem paralela, os close-ups e os planos abertos/gerais enfocando batalhas grandiosas), mas também carrega o peso de ser uma obra racista que transformou os supremacistas brancos em “heróis”, incentivou os membros da Ku Klux Klan a retomarem suas atividades com uma agressividade ainda maior e retratou os negros como criaturas bestiais (caracterizadas a partir de blackface).

Eficiente também ao ilustrar o racismo dentro da polícia de Colorado Springs, que trata Ron como uma piada ambulante e como um funcionário menos relevante que os demais, Infiltrado na Klan é um dos filmes mais importantes de 2018, indicando ainda como o fundamentalismo religioso serve como preceito para a barbárie – não é por acaso que os membros da Ku Klux Klan constantemente surgem agindo “em nome de Deus” e etc. Se somarmos isto ao sentimento de nacionalismo que permeia a mente dos fascistas, o filme de Spike Lee transforma-se de uma vez por todas em um retrato de como a Humanidade anda mal em pleno século 21.

Não custa lembrar, portanto, que há uma cena onde os canalhas encapuzados erguem os braços e gritam, em coro, a frase “América em primeiro lugar“.

Só faltou completar com “Deus acima de todos“.

Além do texto (que você acabou de ler), há também um vídeo no qual bati um extenso e produtivo papo com a convidada Juliana Queiroz. O resultado ficou bem legal e, se tiver interesse em conferi-lo, dê uma olhada aqui:

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