1964

Título Original

1964: O Brasil Entre Armas e Livros

Lançamento

31 de março de 2019

Direção

Filipe Valerim, Lucas Ferrugem

Roteiro

Lucas Ferrugem, Henrique Zingano

Elenco

Olavo de Carvalho, Rafael Nogueira, Percival Puggina, Flávio Morgenstern, William Wack, Lucas Berlanza, Hélio Beltrão, Vladimir Petrilák, Luiz Felipe Pondé, Silvio Grimaldo, Hélio Beltrão, Thomas Giulliano, Renor Filho, Petr Blažek, Mauro Abranches Kraenski, Laudelino Lima, Aristóteles Drummond, Alexandre Borges

Duração

127 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Henrique Zingano

Distribuidor

Sinopse

Procurando oferecer uma outra perspectiva a respeito da ditadura militar instaurada no Brasil entre 1964 e 1985, o documentário reúne sociólogos, historiadores e jornalistas para debaterem o passado e a sua influência no futuro. Analisando uma coletânea de documentos retirados do serviço de inteligência da extinta Tchecoslováquia, eles prometem revelar uma verdade até então escondida.

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1964: O Brasil Entre Armas e Livros | Crítica

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1964: O Brasil Entre Armas e Livros é uma obra que carrega intenções podres e as executa de maneira ainda mais condenável. Produzido pelo Brasil Paralelo (um grupo de direita que vive atacando a esquerda e se dedicando ao revisionismo histórico), este documentário de Filipe Valerim e Lucas Ferrugem se diz isento e imparcial, porém claramente tenta convencer o espectador de que o golpe de 1964 não foi um golpe e que o regime militar (leia-se: ditadura) não foi tão ruim assim – e, para isso, os realizadores investem em uma série de mentiras, desinformações, manipulações descaradas e argumentos baseados em nada, tornando-se particularmente estúpido em seus esforços.

Dedicando-se única e exclusivamente aos depoimentos de figuras como Olavo de Carvalho, Flávio Morgenstern, William Wack e Laudelino Lima (este último administra um site chamado Verdade Sufocada, que, como podem perceber, é inspirado no título do livro escrito pelo Coronel Ustra), 1964: O Brasil Entre Armas e Livros consegue a proeza de se estilhaçar ainda nos cinco primeiros minutos, quando Percival Puggina surge afirmando que é “impossível entender o contexto da Guerra Fria sem tê-lo vivido” mesmo que, nas duas horas seguintes, o longa dê atenção a um monte de “especialistas” que obviamente nasceram depois do período sobre o qual estão falando – e quando o professor Rafael Nogueira (que, a julgar pela postura inquieta e pelo tom de voz frequentemente exaltado, sente um entusiasmo notável ao atacar a esquerda e ao defender os militares) apareceu contando que “Jango foi para Porto Alegre encontrar Brizola, que o teria convidado para uma tentativa de enfrentamento“, me restou constatar que o sujeito nem devia ser nascido na época e sequer apresenta prova ou mesmo fonte para o que está dizendo.

Isto, inclusive, é recorrente em 1964: O Brasil Entre Armas e Livros, que, reconhecendo que não há material suficiente para sustentar sua tese, apela para uma série de “meias informações” – e, em dado momento, o narrador (e co-diretor) Filipe Valerim comenta que as ligas camponesas semearam o que mais tarde se tornaria o MST, mas não desenvolve a ligação entre um e outro. Além disso, é sintomático que o documentário passe mais de meia hora resumindo (da forma mais burra possível) o nascimento da União Soviética e a disseminação do comunismo pela Europa e pela América do Sul, porém ignore a óbvia influência que os Estados Unidos tiveram nesta história (as palavras “Operação” e “Condor” não parecem existir para Valerim e Ferrugem). Em outras palavras: por mais que não assumam, os realizadores certamente acreditam que havia uma conspiração comunista ameaçando o Brasil e que a intervenção de 1964 evitou que o país virasse Cuba ou Venezuela. E mais: ainda repetem umas quinhentas vezes que houve apoio popular e midiático, como se isso tornasse a ação dos militares mais aceitável – e como se a História já não tivesse mostrado que nações inteiras são capazes de tomar decisões erradas.

O que nos traz ao ponto que mais interessa aos diretores e aos entrevistados: o golpe em si e a ditadura que se arrastou pelos 21 anos seguintes. Sem definir se o que ocorreu em 31 de Março de 1964 foi golpe ou revolução, o documentário tenta concluir que a intervenção se tratou de um “golpe do bem” – e, embora Olavo de Carvalho chegue a afirmar, com todas as letras, que os militares “fizeram cagada” ao permanecer no poder mesmo prometendo à população que isto não aconteceria, o próprio Olavo volta alguns minutos depois falando (em tom elogioso) que os militares escolhiam os cargos públicos baseando-se somente nos méritos técnicos dos ocupantes, sem o famoso “toma lá, dá cá”. Mas o pior, no entanto, é o tratamento que Valerim e Ferrugem oferecem às torturas praticadas nos porões da ditadura e que, como não podem ser desmentidas, são “amansadas” aqui na medida do possível. Observem, por exemplo, como a narração enfatiza o fato de que estas atrocidades “vinham desde a Era Vargas e não tiveram fim no período militar” (como se os militares fossem “menos responsáveis” só por não serem pioneiros na prática da tortura).

Chegando ao ponto de dizer que a esquerda “aplaude e comemora a barbárie” ao produzir eventos e filmes “exaltando” Carlos Marighella (neste instante, o pôster do longa que Wagner Moura está dirigindo sobre o guerrilheiro – e que ainda nem foi lançado – surge em cena), 1964: O Brasil Entre Armas e Livros é, para piorar, um documentário plasticamente ridículo que mal consegue esconder suas táticas de manipulação. A trilha sonora, em especial, é a que mais chama a atenção, fazendo-se presente do primeiro ao último segundo de projeção, ressaltando a tensão através de melodias dramáticas e marcadas por notas graves, enaltecendo o poder dos militares a partir de composições “heroicas” e investindo em saxofones e triângulos infantiloides para fazer Jânio Quadros parecer uma figura patética.

O que, de todo modo, não chega a ser tão cafona quanto a vinheta do Brasil Paralelo, que se pretende grandiosa a ponto de remeter à abertura de Game of Thrones (o que, confesso, me fez rir). Ah, sabe do que mais? Vou parar por aqui, pois acho que já perdi tempo demais com 1964: O Brasil Entre Armas e Livros. Um troço como este não merece tamanha atenção.

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