Aquaman é um filme muito brega – e isso não é necessariamente ruim. Se considerarmos que ainda hoje o subgênero dos super-heróis no Cinema vive traumatizado pela memória do carnavalesco Batman & Robin que Joel Schumacher comandou há mais de 20 anos, é admirável que um longa protagonizado por um personagem de quadrinhos abrace as cores, a extravagância visual e o absurdo de sua premissa com uma vontade tão grande. Em contrapartida, a breguice – que funciona bem quando aplicada à abordagem estética do projeto – torna-se um problema quando adotada pelo roteiro, já que resulta em uma artificialidade que nem sempre o elenco ou a direção de James Wan são capazes de contornar.
Escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick (Invocação do Mal 2) e Will Beall (Caça aos Gângsteres), o filme obviamente se concentra no personagem apresentado em Liga da Justiça e conta um pouco de sua história pregressa, desde que o faroleiro Thomas Curry se envolveu com Atlanna, a rainha da cidade subaquática de Atlantis, e deu origem ao superpoderoso Arthur – que, após salvar inúmeros inocentes em alto mar, passa a ser conhecido como Aquaman. Depois que seu “meio-irmão” Orm assume o trono de Atlantis e ameaça atacar o povo da superfície (que vive poluindo o oceano), Arthur percebe que será obrigado a lutar não apenas para defender os cidadãos comuns, mas também para livrar o mundo subaquático do regime autoritário do atual rei atlante – e, para isso, o herói terá que unir seus esforços aos da princesa Mera.
Trata-se, portanto, de uma história que envolve um reino subaquático, cavaleiros que vestem armaduras douradas, criaturas marinhas que podem ser cavalgadas, arquiteturas extravagantes e muitas, mas muitas cores – e confesso que, em alguns momentos, senti que o filme poderia funcionar melhor se fosse um desenho animado, já que a computação gráfica domina cada segundo da obra a ponto de fazê-la soar pontualmente como um videogame. Em compensação, não há como não admirar a coragem do projeto, que prefere aceitar a premissa absurda, multicolorida e – por que não? – tola do personagem; o que acaba favorecendo o projeto, já que uma trama protagonizada por um super-herói que fala com peixes e monta em cavalos marinhos certamente requer uma abordagem mais lúdica e menos cinzenta (ao contrário, por exemplo, do que Zack Snyder apresentou em Batman vs Superman). Desta forma, o designer de produção Bill Brzeski faz um excelente trabalho ao imaginar Atlantis como um reino multicolorido que carrega algumas heranças da superfície (como navios afundados e campos para gladiadores), mas que também conta com uma aparência quase cyberpunk pautada pela cultura subaquática (como edifícios que parecem corais e submarinos inspirados em animais marinhos).
Em outras palavras: Aquaman é uma experiência essencialmente visual – e não é surpresa que James Wan e o diretor de fotografia Don Burgess aproveitem isso para compor algumas imagens bonitas por natureza, como aquelas que mostram Aquaman e Mera sendo perseguidos por monstros enquanto mergulham no oceano e, claro, o último duelo entre o personagem-título e Orm. Por falar nisso, James Wan demonstra ter evoluído como diretor de ação desde que comandou Velozes e Furiosos 7, já que as sequências que enfocam os heróis lutando contra os vilões são, em geral, as melhores do filme: investindo em planos abertos que permitem que o espectador compreenda a lógica espacial dos cenários e o posicionamento dos atores em cena (quem está aonde em relação a quem ou a quê), Wan mais uma vez cria planos longos e planos-sequência similares aos que ele mesmo rodou em Invocação do Mal 1 e 2, destacando-se aqueles que acompanham Aquaman e Mera em pontos diferentes durante uma batalha ambientada na Sicília.
Mas um filme como este depende não apenas das cenas de ação, mas também da força de seu elenco – e, aqui, os resultados pecam um pouco mais: sim, é verdade que Jason Momoa se superou desde que estrelou o horroroso Conan, o Bárbaro, conferindo carisma, virilidade e irreverência a um herói cuja personalidade parece refletir a de seu intérprete; por outro lado, sempre que a história exige de Momoa um peso dramático maior, suas limitações como ator tornam-se gritantes (algo similar a Gal Gadot e a Henry Cavill neste sentido). E se Nicole Kidman ganha a oportunidade de protagonizar uma boa sequência de ação (ainda no começo do filme), Amber Heard mostra-se incapaz de tornar Mera uma figura minimamente expressiva e falha em suas diversas tentativas de humor; o que só piora quando constatamos que a química entre Heard e Momoa é nula, forçando uma série de piadinhas vergonhosas e briguinhas chatas que não levam a lugar algum.
Isto, inclusive, é algo que não falta no roteiro de David Leslie Johnson-McGoldrick e Will Beall: aparentemente desesperado em emular o bom humor habitual das produções da Marvel, o longa se esforça demais na hora de construir suas piadas, que revelam-se previsíveis (quando a trilha musical sobe e subitamente desaparece, é porque algo engraçadinho virá a seguir) e até mesmo inconsistentes (em um momento, Arthur demonstra não saber que Pinóquio é um livro; em outro, exibe um conhecimento notável sobre História). Como se não bastasse, praticamente todos os diálogos consistem em frases de efeito tolas que jamais soam naturais: Orm, por exemplo, se resume a uma caricatura boba que insiste em repetir chavões artificiais do começo ao fim (e não há nada que o talentoso Patrick Wilson possa fazer para escapar deste problema), ao passo que Atlanna diz que “De onde veio, as lágrimas se desfazem junto ao oceano” somente para que Thomas Curry complemente com um ridículo “Aqui, você pelo menos pode senti-las“.
É sintomático, também, que o filme se sinta obrigado a interromper o ritmo da narrativa apenas para se concentrar em diálogos repletos de pura exposição (e Willem Dafoe acaba sendo sabotado por isso, já que seu Vulko serve basicamente para explicar tudo para o espectador). E se Arraia Negra soa como um vilão reservado para o próximo longa – o que faz sua participação aqui soar gratuita e dispensável –, a origem do Aquaman é contada de maneira decepcionante: sua infância/adolescência é abordada brevemente ao longo dos primeiros quinze minutos e, mais tarde, volta resumida a dois ou três flashbacks quase aleatórios. Além disso, me incomoda um pouco o hábito que o filme tem de interromper certos diálogos com uma explosão/tsunami/avalanche/sei-la-o-quê, inserindo de forma óbvia e preguiçosa o conflito que deve ser encarado de imediato pelos personagens.
Prejudicado também pela trilha de Rupert Gregson-Williams, que faz questão de mastigar tudo que o espectador deverá sentir do começo ao fim (dos momentos dramáticos aos engraçadinhos, passando ainda pelos rifes de guitarra quando Jason Momoa aparece pela primeira vez), Aquaman ainda é enfraquecido por um segundo ato irregular, que se resume a brincar de Indiana Jones ao colocar os protagonistas para correr de lá para cá em busca de um MacGuffin (leia-se: objeto valiosíssimo que fará a trama avançar). Assim, o longa se estende até atingir nada menos que 144 minutos de duração, soando repetitivo e inchado.
A sorte, porém, é que logo vem o terceiro ato e o filme imediatamente recupera todas as suas energias, surpreendendo o espectador com um clímax grandioso, empolgante e bem conduzido. Para completar, Aquaman ainda encontra espaço para incluir, no meio da trama, uma importante mensagem ecológica que critica o hábito que a Humanidade tem de poluir e maltratar a Natureza – o que é admirável.
E sabe do que mais? Nunca me ocorreu que a imagem de um homem montado num cavalo marinho pudesse soar empolgante, então… ponto para o filme.