Super-heróis são feitos para crianças – e não há problema algum em assumir isso. Sim, é claro que podemos utilizá-los como arquétipos, encará-los como representações de ideais políticos e/ou direcioná-los para um público mais velho (Batman, Demolidor e Wolverine, por exemplo, são casos que permitem releituras voltadas para adultos), mas o fato é que, ainda assim, estamos falando sobre personagens que vestem roupas extravagantes, recitam frases de efeito, contam com superpoderes impressionantes e se dedicam a propagar a paz, os bons costumes e a luta contra o mal (seja lá o que este significa). Shazam! é um filme que reconhece e aceita o apelo infanto-juvenil dos super-heróis sem qualquer tipo de cinismo ou falsa modéstia, revelando um entusiasmo que se faz presente desde o ponto de exclamação que acompanha o título do projeto.
Contando uma história simples e fácil de ser compreendida, o roteiro de Peter Safran acompanha o adolescente Billy Batson, que, após se perder num parque de diversões quando ainda era criança, passou a viver transitando entre diversos orfanatos – isto é, até a família Vasquez resolver adotá-lo e colocá-lo em uma nova escola. Tendo como única companhia seu irmão adotivo Freddy Freeman, que sofre bullying diariamente no colégio, Billy vê sua vida mudar drasticamente depois que um mago lhe convoca para herdar seus superpoderes, permitindo que o garoto se transforme num super-herói adulto ao gritar a palavra “SHAZAM”. Em vez de usar suas novas capacidades em prol de um bem maior, no entanto, Billy prefere passar boa parte do tempo se divertindo e tirando proveito da imagem de super-herói que acabou de adquirir – mas é claro que, mais cedo ou mais tarde, o rapaz terá que amadurecer, já que a chegada do Dr. Silvana representa uma ameaça não só para ele, mas para seus entes queridos.
Surpreendendo ao investir em uma escala contida que se contrapõe à grandiosidade adotada pela maioria dos filmes de super-heróis recentes (Pantera Negra lidava com a ameaça de um conflito interracial sanguinário; Guerra Infinita trazia um vilão cujo objetivo era dizimar metade da vida existente no universo; Aquaman enfocava uma possível guerra entre criaturas marinhas e humanos da superfície; etc), Shazam! não se sente obrigado a criar um perigo que envolva o destino de toda a Humanidade, preferindo, em vez disso, abordar a empolgação de Billy Batson diante de seus superpoderes e a necessidade de garantir o bem estar de sua família, que preserva com tanto carinho. Além disso, o simples fato de girar em torno de uma criança permite que o filme desconstrua a imagem icônica que permeia a maioria dos super-heróis da DC, não sendo surpresa, portanto, que os melhores momentos da narrativa sejam aqueles nos quais Billy está descobrindo suas novas capacidades (a montagem que mostra o treinamento do herói ao som de “Don’t Stop Me Now”, do Queen, é particularmente bem-sucedida neste sentido).
Aliás, para um filme que se propõe a divertir descompromissadamente, é uma surpresa que Shazam! seja dirigido por um cineasta cujos longas anteriores foram dedicados ao Terror (Quando as Luzes se Apagam e Annabelle: A Criação): mantendo uma atmosfera sempre leve, inocente e bem humorada, David F. Sandberg demonstra inteligência ao enfocar o treinamento do herói através de câmera na mão e zooms abruptos, como se fosse um material caseiro que os personagens acabaram de filmar para eles mesmos. Outro acerto encontra-se no ritmo da narrativa, que alcança um equilíbrio correto entre as passagens mais dramáticas e aquelas que se concentram inteiramente no humor (sim, tem piadinhas que acabam soando forçadas, mas estas são compensadas pelas várias que funcionam). Por outro lado, há momentos em que as limitações orçamentárias do projeto o prejudicam – e a maquiagem que converte Djimon Hounson em ancião, por exemplo, é pavorosa, ao passo que as sequências de ação, embora razoáveis, acabam enfraquecidas pelos efeitos visuais irregulares e pela falta de imaginação.
Mas é claro que um filme como este depende pesadamente do carisma de seu protagonista – e, neste sentido, Shazam! não deixa a desejar: ostentando uma imponência física que é frequentemente quebrada pela inquietação que toma conta de seu corpo, Zachary Levi é eficaz ao retratar o encantamento de uma criança que se descobre sob a pele de um super-herói adulto, saindo-se muitíssimo bem ao ilustrar a imaturidade de Billy, sua vontade de usar seus poderes para se exibir em público e o medo que sente ao constatar que algumas situações estão além de seu alcance. Em contrapartida, confesso ter achado estranha a mudança súbita de personalidade que o garoto sofre ao se transformar, já que a performance contida e introspectiva do jovem Asher Angel (que vive Billy em sua forma natural) pouco tem a ver com a energia exalada por Levi.
Antagonizado por um vilão que traz motivações claras e bem definidas (ainda que Mark Strong eventualmente exagere em sua composição caricata), Shazam! é um filme leve, divertido e que, vindo após Mulher-Maravilha e Aquaman, comprova que a DC finalmente entendeu que nem todos os super-heróis precisam ser amargurados, sombrios e melancólicos. Alguns deles também podem rir de si mesmos.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: