Lançado no final de 2012, quando Bolt e Enrolados já haviam se saído relativamente bem, Detona Ralph comprovou que a Disney tinha plena capacidade de investir em animações computadorizadas sem depender dos esforços da Pixar (algo que, nos anos seguintes, foi reforçado com os sucessos de Frozen, Zootopia e Moana). Dirigido pelo estreante Rich Moore com segurança e eficácia surpreendentes, o filme contava com dois protagonistas adoráveis (Ralph e Vanellope) e apresentava o espectador a um universo simplesmente fabuloso, homenageando a cultura dos videogames, respeitando a lógica visual/sonora de cada um destes e permitindo que o designer de produção Mike Gabriel criasse um mundo fictício espetacular que exercitasse ao máximo sua imaginação. Além disso, o roteiro era inteligente ao estabelecer conceitos interessantes e que desempenhavam funções importantes no terceiro ato; o que compensava, inclusive, o excesso de clichês e de lições de moral batidas.
Felizmente, os principais motivos responsáveis pelo sucesso de Detona Ralph estão de volta – e bem empregados – em Wi-Fi Ralph: Quebrando a Internet, uma continuação que cumpre seu papel ao expandir o universo apresentado no original de maneira sempre inspirada, divertida e elegante.
Sem cometer o erro de simplesmente repetir a trama do anterior trocando apenas os personagens e os cenários, o roteiro de Pamela Ribon e Phil Jonhston (este último também co-escreveu o primeiro filme) volta a se concentrar nos personagens que existem dentro dos games de um fliperama. Depois que Ralph sem querer provoca a desativação do jogo “Corrida Doce”, no qual Vanellope continua morando, ele se vê obrigado a usar a rede wi-fi instalada pelo dono do fliperama para viajar até o eBay e adquirir uma peça que garantirá o funcionamento do game (e a sobrevida de sua melhor amiga). Em outras palavras: se Detona Ralph era uma ode à cultura dos jogos, Wi-Fi Ralph passa a enfocar o universo moderno e ultratecnológico da Internet – e o simples fato de trazer um elemento novo à franquia é mais do que bem-vindo, pois a impede de permanecer presa a um único conceito (no caso, as referências aos videogames).
Assim, um dos prazeres oferecidos pelo longa consiste em observar a maneira como certas particularidades da Internet ganham vida: os pop-ups se transformam em pessoas que distribuem panfletos nas ruas, o buscador do Google é retratado como um bibliotecário que insiste em tentar adivinhar (leia-se: autocompletar) as perguntas que lhe são feitas e os avatares dos internautas tornam-se pessoinhas cabeçudas e inexpressivas. Mas é óbvio que o universo construído em Wi-Fi Ralph precisa de um design de produção que corresponda às suas ambições – e é um alívio constatar como o profissional Cory Loftis faz jus ao que Mike Gabriel concebeu no filme anterior, encontrando formas divertidas e inventivas de ancorar cada site/aplicativo em um conceito mais mundano. Com isso, o eBay é convertido num imenso supermercado que inclui leilões em seus corredores, o Google se transforma no maior arranha-céu da cidade, o Instagram vira um museu cheio de fotografias em exposição, o Pinterest é retratado como um escritório vazio, o território da Disney soa como uma convenção nerd que remete à Comic-Con (com direito a várias participações especiais) e a deep web é um submundo esfumaçado, sombrio e hostil.
Se Emoji – O Filme fracassava miseravelmente em sua tentativa de ilustrar o universo e a dinâmica da Internet, Wi-Fi Ralph se sai muitíssimo bem ao investir numa empreitada similiar – e não é surpresa, portanto, que o filme aproveite sua premissa para comentar alguns costumes que vieram na era digital: ao perceber que precisa ganhar dinheiro, Ralph se vê forçado a gravar vídeos ridículos e se transformar em um meme em troca de… curtidas (ou seja: em pleno século 21, quando toda a informação da História está facilmente à nossa disposição, os internautas preferem buscar conteúdo superficial). Mas não é só: para se manter “em alta”, Ralph precisa se esforçar o tempo inteiro, pois quinze segundos são mais do que o suficiente para que seus vídeos comecem a perder relevância; afinal, é comum encontrar serviços de streaming que priorizam não a qualidade, mas a quantidade de suas obras. Para completar, há um momento em que Ralph é exposto àquilo que há de mais nojento na Internet: o espaço para comentários; que, claro, são dominados por ataques de haters – é uma pena, porém, que o filme trate o assunto de maneira rápida e suave demais.
Voltando a demonstrar um cuidado admirável ao estabelecer a lógica visual da narrativa, Rich Moore desta vez divide a função de diretor com o co-roteirista Phil Johnston – e os esforços da dupla são bem-sucedidos: em algumas sequências mais movimentadas, os cineastas empregam uma câmera mais instável que ajuda a imprimir dinamismo e agilidade ao que está sendo mostrado (e, em alguns casos, aproximando mais o espectador daquilo que está na tela). Além disso, os diretores conferem uma atmosfera específica para cada ambiente que será visitado no decorrer da trama, saltando da paleta multicolorida que pontua o universo da Internet às cores amareladas, ensolaradas e poluídas que definem os cenários da “Corrida do Caos” (que se torna o novo game favorito de Vanellope). E como não gostar de um longa que consegue incluir, no meio da história, uma (hilária) reunião das princesas da Disney sem que esta soe deslocada ou gratuita?
Por outro lado, o roteiro de Phil Johnston e Pamela Ribon apresenta alguns problemas que, querendo ou não, enfraquecem em parte o resultado final: ao se aproximar do terceiro ato, o filme percebe que os principais objetivos dos personagens já foram cumpridos (e de maneira bastante previsível). E o que os roteiristas fazem para garantir que a história chegue a um clímax mais apropriado? Inventam novos conflitos de última hora, como duas ou três briguinhas adicionais entre Ralph e Vanellope que vêm a ser resolvidas após poucos minutos. A impressão que fica, portanto, é de que o longa está tirando da cartola alguma situação que o leve a um desfecho razoável – e isto acaba soando forçado, já que escancara uma dificuldade que o roteiro obviamente sente ao estruturar sua narrativa.
Mas nada que comprometa a diversão proporcionada pelo filme e a riqueza de detalhes que compõem o universo no qual a trama se passa. E é justamente por isso que desejo retornar a este mundo (e reencontrar Ralph e Vanellope) em um eventual terceiro capítulo – que mantenha, claro, a ótima qualidade que a série mostrou até aqui.