Confesso ter um pouco de dificuldades para entender por que Pânico 3 foi tão massacrado em sua época de lançamento. Ok, pode não ser um filme tão consistente quanto os dois que o antecederam, a decisão do roteirista Kevin Williamson de não retornar gerou muita desconfiança por parte dos fãs na época (e Ehren Kruger, que o substitui, tem um currículo nada animador) e vários problemas nos bastidores (do excesso de mudanças no roteiro até os notórios conflitos com a agenda da atriz Neve Campbell, que só tinha 20 dias disponíveis para as filmagens e, portanto, levou os responsáveis a reduzirem drasticamente a participação da protagonista Sidney Prescott justo naquela que deveria ser a conclusão de sua saga) se refletiram de alguma forma no resultado final.
Ainda assim, justiça seja feita: Pânico 3 não só representa uma experiência deliciosamente divertida (a exemplo de seus predecessores) como se mostra um desfecho bastante apropriado para aquela saga, colocando um ponto final que soa natural e lógico considerando-se os rumos que a série vinha tomando (na época, esperava-se que a série fosse parar por ali mesmo, não incluindo planos para um quarto capítulo – que, de todo modo, viria a ser produzido 11 anos depois). Retomando a ideia (introduzida no segundo filme) de que Hollywood começou a produzir uma franquia de slasher movies baseada nos acontecimentos que vimos no primeiro Pânico, intitulada Punhalada (ou, em inglês, Stab), este terceiro capítulo continua a levar os esforços metalinguísticos da série a um patamar superior: desta vez, a trama acompanha os bastidores de Punhalada 3, que conclui a saga inspirada nas aventuras reais (ou “reais”, para nós) de Sidney, Gale Weathers e Dewey Riley. No entanto, tudo muda depois que uma onda de assassinatos começa a ocorrer no set (e pior: seguindo cuidadosamente a ordem descrita no roteiro de Punhalada 3), obrigando as verdadeiras Sidney, Gale e Dewey a entrarem em cena.
Em outras palavras: a progressão metalinguística que já vinha sendo conduzida desde o original continua a se desenvolver neste Pânico 3, aproximando-se ainda mais da ideia de “filme de terror dentro de um filme de terror” que Wes Craven explorara em O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (ou apenas A Hora do Pesadelo 7). Pois se Pânico propunha uma sátira que apontasse as convenções dos slasher movies através da ironia e Pânico 2 ia além ao assumir sua natureza de continuação e brincar com as intenções caça-níqueis da maioria das sequências, Pânico 3 opta por observar e comentar o universo e o próprio processo “criativo” (leia-se: mercadológico) de Hollywood, o que já fica óbvio pela simples decisão de mover a história da cidadezinha de Woodsboro para Los Angeles.
Mas Wes Craven e Ehren Kruger vão além: desde a cena inicial, que mostra o assassinato de Cotton Weary (o jovem injustamente preso pelo homicídio de Maureen Prescott, mãe de Sidney, e contratado como apresentador de um bem-sucedido talk show após ser inocentado) e sua namorada pelas mãos do novo Ghostface, Pânico 3 busca contrapor e desmantelar o “estrelato” e a farsa teatral que os personagens testaram e/ou conquistaram em Pânico 2 através do horror (individual e/ou alheio), como se o passado pagasse as contas com aqueles que de alguma forma tentaram espetacularizar a tragédia (Cotton se aproveitando da fama que ganhou por ser inocentado de um crime para tornar-se um sucesso na tevê; Hollywood fazendo um filme divertidinho baseado num morticínio real; etc). Como diz o entusiasta de slasher movies Billy Loomis em um vídeo perdido, as terceiras partes de trilogias contêm suas próprias regras e uma delas é trazer o passado da franquia (e dos personagens) à tona, encerrando as pontas introduzidas lá atrás.
É neste contexto, aliás, que Pânico 3 relembra não só as origens da série como também pinta, através de toda a ambientação hollywoodiana, um retrato satírico do dia a dia naqueles grandes estúdios, da mentalidade gananciosa dos produtores ao seguirem fabricando estas franquias pop e da futilidade que permeia o universo das celebridades e que leva os poderosos a frequentemente descartarem atriz promissoras por não as julgarem “bonitas o suficiente para os papeis” (o que culmina numa divertida – embora melancólica – ponta de Carrie Fisher). Neste sentido, é adequado que a identidade do assassino do filme (e, lembremos, o chefão final da trilogia) seja – spoiler à frente! – um diretor pau mandado de Hollywood que diz a Sidney uma frase que hoje, 22 anos depois, parece não só acertada, mas premonitória: “Você estava certa, a cultura pop é a política do século 21”.
(Outro aspecto “premonitório” – este bem mais disparatado – é o fato de o filme apontar e satirizar o abusivo jogo de poderes nos bastidores de Hollywood bem debaixo do nariz de Harvey Weinstein, que hoje sabemos ser um monstro sexual e que tem créditos de produtor executivo dos quatro capítulos da série Pânico.)
E há, também, o lado de Sidney Prescott, que, ao contrário dos outros personagens (que acompanham a encenação das tragédias reais com um olhar de dentro), é obrigada a lidar com o fato de ela ser justamente a vítima mais pessoal da história toda – e, assim, é com ela que o passado retorna da forma mais dramática e emocionalmente impactante, culminando no excelente encontro com Ghostface dentro de uma casa cenográfica que reconstitui aquela na qual morou na infância/adolescência e que, por isso mesmo, traz várias memórias particulares à tona. Infelizmente, é uma pena que a participação de Neve Campbell seja tão reduzida, já que isto obriga toda a trajetória emocional de Sidney neste filme ser reduzida em tempo e em profundidade, não sendo à toa que a maioria das ideias de Pânico 3 que soam subdesenvolvidas seja relacionada justamente ao arco de Sidney. Enquanto isso, o domínio de Courteney Cox sobre a saga continua a expandir em razão de seu sucesso na tevê com Friends (exibida na mesma época) – tanto é que a personalidade de Gale Weathers neste capítulo está mais próxima de Monica Geller do que nunca, com Cox repetindo aqui os tiques, os maneirismos e a engraçada inquietação da personagem que a consagrou na sitcom.
Trazendo uma ponta do gênio Roger Corman logo nos primeiros minutos de projeção (o que sempre é agradável), Pânico 3 às vezes cai no lugar-comum que seus antecessores tanto ironizavam (e a trilha sonora, em especial, é pontualmente excessiva nos acordes altos e bruscos que tentam dar sustinhos no espectador). A sorte, porém, é que estes momentos são apenas ocasionais e nem de longe diminuem a eficácia deste longa que, no fim das contas, soa como uma conclusão digna para uma trilogia bem planejada.