Animais Fantásticos Os Segredos de Dumbledore (2)

Título Original

Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore

Lançamento

14 de abril de 2022

Direção

David Yates

Roteiro

J.K. Rowling e Steve Kloves

Elenco

Jude Law, Eddie Redmayne, Mads Mikkelsen, Dan Fogler, Alison Sudol, Ezra Miller, Callum Turner, Jessica Williams, Maria Fernanda Cândido, Dave Wong, Katherine Waterston, William Nadylam, Victoria Yeates, Poppy Corby-Tuech, Richard Coyle, Oliver Masucci, Fiona Glascott, Aleksandr Kuznetsov, Valerie Pachner, Maja Bloom, Paul Low-Hang, Ramona Kunze-Libnow, Matthias Brenner, Peter Simonischek e Hebe Beardsall

Duração

142 minutos

Gênero

Nacionalidade

Inglaterra

Produção

J. K. Rowling, Steve Kloves, David Heyman, Lionel Wigram e Tim Lewis

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

O professor Alvo Dumbledore sabe que o poderoso mago das trevas Gellert Grindelwald está se movimentando para assumir o controle do mundo mágico. Incapaz de detê-lo sozinho, ele pede ao magizoologista Newt Scamander para liderar uma intrépida equipe de bruxos, bruxas e um corajoso padeiro trouxa em uma missão perigosa, em que eles encontram velhos e novos animais fantásticos e entram em conflito com a crescente legião de seguidores de Grindelwald. Mas com tantas ameaças, quanto tempo poderá Dumbledore permanecer à margem do embate?

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Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore | Crítica

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A cada novo capítulo da série Animais Fantásticos, me convenço cada vez mais de que ela está para Harry Potter assim como a trilogia O Hobbit está para O Senhor dos Anéis: ambas provêm de materiais-fonte relativamente simples em termos de conteúdo (no caso de Peter Jackson, um livro fantástico de pouco mais de 300 páginas; no de David Yates e J.K. Rowling, um produto licenciado que simula um material didático de dentro do universo de Harry Potter) e que, adaptados para as telonas, dificilmente renderiam três/quatro/cinco filmes de duas horas e meia cada sem que soassem, no processo, como uma tentativa desesperada de sugar ao máximo possível o potencial financeiro daquelas propriedades intelectuais. Assim, Animais Fantásticos volta a escancarar, com Os Segredos de Dumbledore, não só sua natureza caça-níqueis, mas também o fato de que Yates e Rowling não têm a mínima ideia do que querem (ou fingem querer) alcançar com a narrativa que estão contando.

Ou pior: que estão se preparando para começar a contar, já que é inacreditável que a esta altura do campeonato, mesmo após castigarem o espectador com cerca de sete horas e meia de aborrecimento, os realizadores ainda não tenham conseguido estabelecer com clareza a trama supostamente “épica” que estão narrando e aonde pretendem chegar com os cinco longas que estão criando sobre ela, transformando cada filme em uma eterna criação de expectativas, em teaser trailers de algo que nem os responsáveis pela série sabem o que é. Pois se a franquia começou com o objetivo de contar uma historinha simples e episódica sobre um magizoologista em busca de criaturas mágicas soltas pela Nova York dos anos 1920, já naquele filme havia uma subtrama enfiada à força sugerindo uma “ameaça maior” (como sempre) e imediatamente depois Os Crimes de Grindelwald determinou que, a partir dali, o direcionamento da saga miraria na guerra que o vilão-título armaria contra os trouxas.

O que é irônico, considerando esta tendência que a franquia criou de atirar para todos os lados em busca de uma história para contar, é chegar a este terceiro capítulo e perceber que praticamente nada aconteceu até aqui: Grindelwald deu as caras, anunciou que reuni (no futuro do presente) um exército para guerrear contra os trouxas… e só. E se poderíamos tentar insinuar a desculpa de que cada filme está se dedicando menos à trama principal e mais ao desenvolvimento dos personagens e à construção cautelosa do grande esquema do vilão, na prática… não, não podemos: com exceção do fato de que agora é confirmado que Dumbledore e Grindelwald dividiam um romance no passado (algo que, sejamos francos, todos já sabiam), os indivíduos que acompanhamos nesta saga seguem exatamente os mesmos que eram no início, os pequenos momentos de suas jornadas nada dizem sobre eles, os objetivos do vilão são aleatórios e o universo de Harry Potter continua tão expandido quanto já estava no primeiro Animais Fantásticos.

Pois se nos textos que escrevi sobre os capítulos anteriores apontei que J.K. Rowling podia ser uma escritora talentosa, mas vinha se revelando uma roteirista medíocre justamente por não compreender as diferenças lógicas entre as linguagens literária e cinematográfica (criando uma narrativa cuja estrutura episódica tenderia a funcionar melhor num livro do que num filme), desta vez sou obrigado a reconhecer que os problemas da autora vão além: aqui, as dificuldades de Rowling operam numa escala maior, generalizada, já que os filmes inteiros passaram a soar como capítulos que pouco avançam com a trama, como pura enrolação a fim de disfarçar a incontestável falta de rumo desta narrativa – e a estagnação da franquia chegou a um ponto tão gritante que, ao fim de Os Segredos de Dumbledore, a história basicamente termina no mesmo ponto em que começou, sem progredir em absolutamente nada.

Marcando o retorno do roteirista Steve Kloves ao universo de Harry Potter (numa tentativa desesperada de conferir alguma coesão – ou, no mínimo, uma sensação de início/meio/fim – ao roteiro inicialmente tratado por J.K. Rowling), Os Segredos de Dumbledore é dirigido por um David Yates claramente desgastado após sete incursões ao mundo de Harry Potter, não sendo à toa que nenhuma das emoções que o cineasta busca provocar durante o filme soa genuína: se em teoria o objetivo de Yates era criar uma atmosfera triste, fatalista e melancólica a fim de indicar a apreensão dos personagens diante da iminência da guerra de Grindelwald, na prática os esforços do cineasta se resumem a criar momentos de silêncio que dispensam até a trilha de James Newton Howard e que se prolongam ao máximo possível, com os heróis se entreolhando com uma expressão lamuriosa e de vez em quando trocando falas como “A guerra está vindo” e “Precisamos impedir os planos de Grindelwald”. O que Yates não percebe, contudo, é que simular tensão e melancolia não é o mesmo que conseguir gerá-las – e, em vez de alcançar os efeitos que buscava surtir através de uma suposta introspecção, o máximo que o diretor conquista é… monotonia e tédio.

Da mesma forma, Yates volta a exibir as mesmas dificuldades (já expostas nos capítulos anteriores) de manter o tom da narrativa minimamente sob controle, oscilando loucamente entre os momentos nos quais implora para que o público considere o filme “sombrio” (com direito à velha paleta cinzenta que virou marca registrada da série e que ajuda a tornar o filme visualmente cansativo quando usada em excesso) e aqueles nos quais se esforça para arrancar uma risadinha do espectador a fórceps. Assim, se num instante vemos os heróis temerem o crescente autoritarismo representado pela entrada de Grindelwald no jogo político, imediatamente depois estamos vendo Newt Scamander fazer – juro! – a dança do siri do Pânico a fim de teleguiar uma horda de crustáceos enquanto liberta um amigo de uma masmorra e…

… é desanimador chegar ao terceiro capítulo de uma saga e perceber que sigo discutindo exatamente os mesmos problemas que já aponto desde os dois anteriores, já que Yates e Rowling aparentemente se julgam infalíveis a ponto de nem cogitarem uma autoavaliação.

Consciente de sua flagrante falta de personalidade a ponto de recorrer frequentemente ao puro fan-service, numa tentativa desesperada de entregar aos potterheads algum motivo para sorrir ao longo de aborrecidos 142 minutos de projeção (com direito a um recurso que apelidei de “maleta do fan-service” – vocês o reconhecerão), Os Segredos de Dumbledore conta com uma galeria de personagens desinteressantes e vividos por atores que há muito parecem ter perdido qualquer entusiasmo por aquela franquia – e é triste ver como o suposto “protagonismo” do Newt Scamander de Eddie Redmayne (a exemplo do que aconteceu com Bilbo em O Hobbit) foi se perdendo cada vez mais em uma narrativa que passou a não lhe condizer em nada, tornando-o espectador casual e insignificante dos eventos da trama. E se Dan Fogler ainda consegue arrancar uma ou outra risada com sua boa composição de Jacob, o Creedence de Ezra Miller, que descrevi em meus textos anteriores sobre a saga como “uma promessa de vilão para o futuro”, desta vez comprova que aquela “promessa” não passou de uma ilusão, já que não há função alguma para ele desempenhar aqui.

Por sorte, há a ótima composição de Jude Law, que encarna o jovem Albus Dumbledore como um indivíduo cuja bondade jamais se confunde com ingenuidade, soando resultante de motivos concretos para acreditar no otimismo que projeta para o futuro e nos bons valores que transmite aos pequenos estudantes de Hogwarts – e é admirável, também, que o amor que diz nutrir/ter nutrido por Grindelwald mostre-se tão genuíno quanto a dor que sente por perdê-lo, tornando-se fácil acreditar que esta versão de Dumbledore viria a culminar naquele mago sábio, experiente e corajoso que conheceríamos em Harry Potter. Infelizmente, se Law se apresenta como o grande destaque da produção, o geralmente excelente Mads Mikkelsen se revela uma de suas maiores frustrações, já que, pelo visto, o ator passou a acreditar que seu rosto já era suficientemente intimidador por natureza e, com isso, desistiu de tentar compor qualquer coisa a partir disso – e, se Johnny Depp ao menos conseguia transmitir ameaça e instabilidade em sua interpretação de Grindelwald, Mikkelsen surge quase como uma página em branco.

Isto sem contar a covardia do filme ao tangenciar completamente o romance entre Dumbledore e Grindelwald, resumindo-o a duas ou três menções a eventos anteriores (que, claro, jamais vemos) e que, de tão rápidas, já nascem prontinhas para serem cortadas nos países que se recusarem a exibi-las graças a legislações conservadoras e homofóbicas – o que denota uma postura terrivelmente cínica de um projeto que se vende como progressista sem nunca querer sê-lo de fato.

O que me traz à visão geopolítica de J.K. Rowling e às suas “alegorias” dignas de um adolescente que pouco ou nada entende dos assuntos que pretende discutir – e, a partir daqui, valerá o alerta de spoilers!

Frágil ao tentar criar um panorama sobre como a sociedade dos bruxos se porta diante das eleições e da chegada do fascismo de Grindelwald, já que raramente vemos os cidadãos comuns daquele mundo discutindo a situação política que os cerca e reagindo a cada acontecimento da narrativa (a ascensão do vilão, na verdade, é resumida a uma ou outra cena na qual aparece sendo carregado por uma multidão – nem tão expressiva – de apoiadores de última hora), o filme se sai ainda pior ao tentar imaginar como funciona o sistema eleitoral adotado pela Suprema Corte dos Bruxos – e, se a intenção de Rowling era usar a mitologia de seu universo particular para refletir os processos democráticos (ou “democráticos”) do mundo real, na prática a alegoria cai por terra pelo simples fato de que o voto popular na sociedade dos bruxos basicamente não existe, já que a escolha do novo Ministro da Magia é decidida de forma espontânea por… um cervinho mágico (que duvido que tenha sido eleito pelo povo).

E pior: para um filme que faz tanta questão de se apresentar como aliado das causas progressistas e opositoras ao neofascismo pelo mundo, não deixa de ser curioso que toda a narrativa criada por J.K. Rowling (com Grindelwald indo atrás do tal cervinho a fim de manipular sua decisão final) acabe validando pequenos fragmentos da retórica da extrema-direita contemporânea, como, por exemplo, a tática de contestar resultados de eleições alegando fraudes nas urnas – uma tática já empregada por Donald Trump, Keiko Fujimori, Benjamin Netanyahu, pelo partido alemão AfD e que já está sendo preparada por Jair Bolsonaro diante de sua provável derrota em Outubro.

Se Os Segredos de Dumbledore ao menos ajudar a desmantelar de uma vez por todas a percepção de que a obra de J.K. Rowling é o maior manifesto antifascista do nosso século, já terá servido para alguma coisa.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. #ForaBolsonaro)

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