A Baleia (1)

Título Original

The Whale

Lançamento

26 de fevereiro de 2023

Direção

Darren Aronofsky

Roteiro

Samuel D. Hunter

Elenco

Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Ty Simpkins e Samantha Morton

Duração

117 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Darren Aronofsky, Jeremy Dawson e Ari Handel

Distribuidor

Califórnia Filmes

Sinopse

Homem obeso e solitário busca se reconectar com filha adolescente em uma última chance de redenção.

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A Baleia | Crítica

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Eu sei que o Cinema do diretor Darren Aronosfky está longe de ser uma unanimidade. Não há muito espaço para o meio-termo: ou você adora, ou você detesta a filmografia do sujeito (embora eu venha notando que O Lutador, em particular, é um ponto fora da curva, já que a impressão que tenho é a de que este é o único filme do cara que todo mundo, até seus maiores detratores, costuma gostar). De minha parte, consigo enxergar os motivos que levam cada um a adotar as suas respectivas posições – mas eu, particularmente, faço parte do time dos que gostam de Aronofsky. De Pi a mãe!, tenho admiração em maior ou menor grau por cada um dos sete longas que o cineasta dirigiu (até por Noé!), tendo uma predileção específica por O Lutador, que, afinal, foi uma das obras essenciais para que eu começasse a me fascinar por Cinema; se eu não tivesse assistido àquele fantástico longa quando tinha apenas 13 anos e ficado encantado – e devastado – pela maneira seca e melancólica com que Aronofsky contou a história daquela alma torturada interpretada por Mickey Rourke, talvez eu nem tivesse começado a me interessar tanto por Cinema e nem estaria gravando este vídeo aqui agora.

Dito isso, A Baleia representou a primeira ocasião em que eu me deparei com uma obra do Aronofsky e fiquei… sem saber exatamente o que achar. Foi a primeira vez em que eu saí de um filme deste diretor que eu tanto gosto recheado de dúvidas que me impediam de concluir se, no fim das contas, o filme funcionava ou não. E então, fiquei decidido a deixar o tempo transcorrer para que, aí, eu fosse naturalmente chegando a uma resolução.

Pois já assisti ao filme há mais de um mês e, confesso, continuo tendo minhas dúvidas – dúvidas estas que tangem num aspecto moral da obra e que, sendo bem honesto, eu não tenho muitas esperanças de conseguir solucionar – por uma questão de falta de vivência e conhecimento acerca dos temas que o filme aborda.

Mas enfim… vamos por partes: primeiro, do que se trata A Baleia?

Baseado numa peça teatral homônima escrita pelo Samuel D. Hunter (que, aliás, também assina como roteirista desta adaptação), A Baleia acompanha o que parecem ser os dias finais de Charlie, um professor de inglês que dá aulas online sempre mantendo a webcam desligada por temer as reações que serão provocadas por sua aparência, já que há muito uma tragédia pessoal o fez mergulhar numa espiral profunda de depressão que resultou num quadro de compulsão alimentar e, por consequência, numa obesidade mórbida de quase 300 quilos. Contando com a assistência profissional da enfermeira (e melhor amiga) Liz, o protagonista espera a morte chegar a qualquer momento e, assim, decide tentar quitar algumas pendências que deixou ao longo de sua vida – em especial, a sua relação com a filha Ellie, que era criança quando Charlie largou a família para viver com o namorado. No entanto, a tarefa se revelará mais difícil do que se imaginaria, já que a antipatia da garota pelo pai foi se acumulando por toda uma vida e as feridas emocionais causadas por este, pelo jeito, agora parecem impossíveis de serem cicatrizadas. Enquanto tenta se reaproximar da jovem, Charlie é também repetidamente importunado por Thomas, um jovem missionário membro da Igreja Nova Vida – uma instituição que causou muito mal ao protagonista e que tem grande parcela de culpa nos problemas que o trouxeram aonde está.

Já falei em diversas outras ocasiões que o papel do crítico jamais deve ser o de pré-julgar uma obra – afinal, os resultados mais eficazes podem surgir até da mais inesperada das fontes. Porém, também não tenho como mentir: mesmo tendo esta máxima bem fixa na mente e já sendo admirador de toda a filmografia pregressa do Aronofsky, ainda assim confesso que fui conferir A Baleia com certo receio, com certo temor do que encontraria ali. Do título do projeto ser o xingamento mais famoso do mundo contra pessoas gordas até o fato de que a campanha de marketing inteira girar em torno dos problemas de saúde do protagonista (soando, com isso, como munição para gordofobia), tudo que eu tinha lido/visto sobre A Baleia me fazia suspeitar que se trataria de uma produção, no mínimo, com muito potencial para controvérsia. Mas aí, a razão me fez lembrar que seria burrice condenar uma obra sem tê-la visto ou limitar a interpretação de um filme ao seu título (ou a elementos que vi superficialmente num trailer aqui e numa foto promocional ali). Ora, vai que haveria uma dupla interpretação (ou uma ironia, sei lá) naquele título? É esse tipo de juízo precipitado, de querer julgar as obras pelo que elas parecem em vez de pelo que elas são, que faz uns imbecis por aí acusarem as canções dos Racionais de “apologia ao crime”, por exemplo.

E aí, tendo assistido ao filme, sinto o dever de ser sincero com vocês: eu acredito que um dos princípios básicos de toda (boa) crítica é a honestidade do crítico não só para com seu público, mas para com ele mesmo ao reconhecer e assumir aquilo que ele verdadeiramente sentiu enquanto conferia tal obra. Exemplo: se o propósito de um longa é me fazer rir e ele me faz rir, eu não posso fugir do fato de que ele funcionou, mesmo que minimamente, comigo. Afinal, a crítica é a defesa de uma perspectiva própria, baseada nas experiências e nos repertórios (de Cinema e de vida), do crítico em questão, individual. E eu não tenho como fugir do fato de que, durante os 118 minutos de A Baleia, eu fiquei particularmente tocado por aquela narrativa, consegui sentir a fundo o horror experimentado por aquele protagonista e torci com todas as minhas forças para que ele ao menos encontrasse uma redenção digna do fim do túnel.

Em resumo: A Baleia me emocionou e funcionou comigo enquanto eu o assistia – o que, por outro lado, também não anula o fato de que, sim, eu saí do cinema com diversas dúvidas relacionadas à moral da obra – dúvidas estas que eu sei que eu não tenho bagagem ou propriedade alguma para tentar responder. Eu sei que, por uma questão de falta de vivência e de conhecimento sobre os assuntos centrais do filme, eu definitivamente não tenho autoridade ou capacidade de bater o martelo sobre absolutamente nada do que é tratado em A Baleia – e nem é a minha pretensão. Não tenho a soberba de querer determinar nada sobre assuntos que não são de minha especialidade.

Mergulhando o espectador no universo trágico de seu protagonista e sufocando-o por quase duas horas, A Baleia é particularmente hábil ao incorporar, em sua abordagem, elementos da linguagem teatral que herdou da peça que o inspirou – e se geralmente o excesso de verborragia expositiva, a permanência do elenco em um (ou poucos) cenário(s) fechado(s) e a marcação pouco fluída dos atores à medida que entram/saem de cena costuma ser um problema, denotando uma falta de imaginação do cineasta ao adaptar a estrutura do teatro para uma mise-en-scène cinematográfica (como ocorreu no mediano A Voz Suprema do Blues, por exemplo), aqui estas características vêm a calhar numa trama que, afinal, gira em torno de um protagonista cuja condição física não lhe permite se locomover mais do que já se locomove, se relacionando muito bem, portanto, à próprio imobilidade de Charlie.

Isto certamente ajuda na criação da atmosfera claustrofóbica que Aronofsky almeja, mas também não é a única estratégia adotada pelo diretor, que sabe coordenar os demais elementos cinematográficos com uma eficácia que impede A Baleia de soar como um mero “teatro filmado” – e, assim, o ótimo design de produção de Mark Friedberg e Robert Pyzocha se destaca ao retratar a casa (e, por consequência, o mundo) de Charlie como um ambiente em pleno processo de derrocada e envelhecimento, como se tudo ao redor do protagonista (da textura do assoalho até as tintas das paredes, passando pelas estantes, pelos objetos nelas depositados e, claro, por tudo que é largado no chão) estivesse ruindo aos poucos. Da mesma forma, a fotografia de Matthew Libatique (que, exceto por O Lutador, trabalhou em todos os demais longas de Aronofsky) se encarrega de eliminar qualquer traço de vida ou alegria que poderia existir naquele universo, limitando consideravelmente a iluminação das cenas (como se a luz custasse a entrar naquela casa) e investindo numa paleta sempre lavada, cinzenta e dessaturada, ao passo que a razão de aspecto reduzida (em 4:3) cumpre bem a função de sugerir imobilidade dos personagens e, com isso, alcançar o sentimento de claustrofobia que Aronofsky busca. Já a trilha de Rob Simonsen, com seus instrumentos de cordas, funciona quando reforça a melancolia do protagonista ou o incômodo no qual se encontra; por outro lado, quando tenta flertar com o horror ao retratar certas passagens da narrativa, com seus acordes estranhos e dissonantes, o resultado exagera um pouco.

O protagonista (ele faz por Brendan Fraser a mesma coisa que fez por Mickey Rourke em O Lutador, ainda seu melhor filme), o ator confere ao personagem uma dimensão dramática que inexiste no roteiro e na direção, criando um protagonista tão magnético (embora falho) que torna-se impossível, para o espectador, não gostar dele. A Hong Chau / o Ty Simpkins / A Sadie Sink

O problema é que Ellie é uma psicopata / o filme não percebe que ela é uma psicopata; na verdade, até enxerga as ações dela como algo… não razoável, mas que faz parte daquilo tudo – e não faz: qualquer garota que toma aquelas atitudes, sendo vítima de traumas ou não, precisa passar por algum procedimento de reabilitação de caráter urgente / De vez em quando, inclusive, a garota faz umas coisas escabrosas que o filme acredita serem engraçadinhas ou “inusitadas” / E, assim, torna-se difícil, para o espectador, acreditar na relação entre pai e filha ou mesmo torcer para que aquela relação encontre uma resolução feliz para os dois. / Aliás, é revelador que o clímax emocional gire em torno justamente de uma “resolução” (ou de uma “recompensa” para uma “pista” plantada lá no início) envolvendo um dos atos de maior crueldade que a garota cometeu ao longo da narrativa: se lá no início ela queria obrigar o pai debilitado a andar por puro sadismo, lá na frente… óin, ele prova que consegue mesmo andar, atendendo ao desejo que a garota fez por mera vontade de maltratá-lo – e, com isso, fazendo o bullying da garota não ter sido em vão, ter tido uma “correspondência” fofinha.

Isso, inclusive, é apenas uma das situações que A Baleia cria artificialmente com o intuito de levar o espectador a lamentar o estado daquele personagem. Porém, chega um momento em que as violências lançadas contra o personagem se tornam tão frequentes – e gratuitas – que passam a soar não como um retrato do sofrimento que os obesos mórbidos sofrem no dia a dia, mas como mero bullying praticado pelo próprio filme, arremessando Charlie em situações humilhantes (ou seja: humilhando-o por conta própria) a fim de que o espectador se apiede dele.

O que é mais um exemplo de como a “caridade” e a “empatia” fornecidas pelo filme para com o protagonista são bastante questionáveis. Sim, há uma tendência perigosa por parte de Aronofsky em enxergar Charlie como uma figura, digamos, exótica – e isso já fica claro logo no início do filme, quando ouvimos Charlie falar no computador e a câmera vai se aproximando em direção à telinha escura de sua câmera desligada, como se adentrasse num território inóspito, tipo Além da Imaginação. Só isso já é, em maior ou menor grau, um ato de espetacularização das condições do protagonista, de tratá-las e estetizá-las como algo “estranho”. Para piorar, o filme retrata o personagem como uma figura nojenta – e, afinal, é empatia retratar uma pessoa doente como uma pessoa porca?

E tem a questão dos fat suits.

Uma das várias questões deste irregular filme de Darren Aronofsky.

Até gosto de A Baleia, mas não a ponto de pôr minha mão no fogo por ele.

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