Através do Aranhaverso

Título Original

Spider-Man Across the Spider-Verse

Lançamento

1 de junho de 2023

Direção

Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson

Roteiro

Phil Lord, Christopher Miller e David Callaham

Elenco

As vozes de Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Vélez, Jason Schwartzman, Oscar Isaac, Issa Rae, Shea Whigham, Jake Johnson, Karan Soni, Daniel Kaluuya, Greta Lee, Andy Samberg, Amandla Stenberg, Rachel Dratch, Jorma Taccone e Mahershala Ali

Duração

140 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Avi Arad, Amy Pascal, Phil Lord, Christopher Miller e Christina Steinberg

Distribuidor

Sony

Sinopse

Depois de se reunir com Gwen Stacy, Homem-Aranha é jogado no multiverso, onde ele encontra uma equipe encarregada de proteger sua própria existência.

Publicidade

Homem-Aranha Através do Aranhaverso | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Ao sair da sessão de Homem-Aranha no Aranhaverso, em janeiro de 2019, a sensação que tive foi a do encanto de ter testemunhado algo novo, de um frescor que há muito tempo um filme de super-herói não me causava – e que, infelizmente, se tornaria ainda mais raro nos anos que se seguiram. Com uma narrativa incrivelmente ágil, eficiente tanto nos momentos de humor quanto naqueles mais dramáticos (todos equilibrados com maestria) e inteligente ao empregar sutilmente os aspectos mais quadrinescos de sua trama absurda (multiversos, colisores interdimensionais, versões diferentes dos mesmos heróis) como subtextos sobre a multiculturalidade e o rompimento de barreiras em plena era Trump, aquela produção pegou todo mundo de surpresa ao apresentar estilo e técnica revolucionárias que se tornariam, para todos os fins, o novo paradigma do mercado de animação. Não à toa, em minha crítica, escrevi: “sou capaz de apostar que o estilo desta animação influenciará uma penca de outros projetos daqui para frente” – algo que A Família Mitchell, Entergalactic, Os Caras Malvados e O Gato de Botas 2 não tardaram em confirmar.

Pois a boa notícia é que, passados quatro anos e meio, os realizadores da Sony Animation repetem – e expandem – a façanha neste Homem-Aranha Através do Aranhaverso, comprovando que o êxito do filme anterior não foi mero golpe de sorte.

Novamente escrito pela dupla Phil Lord e Chris Miller, que desta vez divide a função com David Callaham, o roteiro desta continuação reencontra o adolescente Miles Morales cerca de um ano e meio após tornar-se o novo Homem-Aranha e receber a visita de diferentes versões do herói vindas de outras realidades. Custando a encontrar um ponto de equilíbrio para as suas atividades de estudante comum e de super-herói, Miles vem obtendo resultados cada vez piores na escola e frustrando cada vez mais seus pais, que sentem que o menino está mais estranho e mais distante a cada novo dia e sem quaisquer motivos aparentes. Tudo muda, porém, quando Gwen Stacy reaparece no mundo de Miles e revela estar equipada com um dispositivo que a permite viajar pelos multiversos – um aparelho que lhe foi entregue pela Mulher-Aranha e por Miguel O’Hara (também conhecido como Homem-Aranha 2099). Assim, ao correr atrás de Gwen na volta para a dimensão desta, Miles acaba indo parar num universo povoado por infinitas outras versões do Aranha – e, o que acontece a partir daí, manterei em segredo para evitar spoilers.

Aliás, o fato de haver tantas novidades a serem descobertas é um dos fatores que mais atestam a favor de Através do Aranhaverso, que, afinal, é uma continuação de um filme cujo sucesso ninguém viu chegar e que se destacou por razões estilísticas muito específicas (inclusive, fazendo a Sony derrotar, pela primeira vez em anos, a aparentemente imbatível Pixar no Oscar daquele ano) – e, assim, seria muito fácil, para este novo longa, apenas repetir passo a passo a receita do primeiro, sem nem tentar adicionar qualquer ingrediente novo à fórmula. Não é o caso, porém: se Aranhaverso 2 brilha, é por méritos que de fato podem (e devem) ser considerados seus – e, se no filme passado ficamos surpresos com a possibilidade de versões noir, anime e até suínas do Aranha (cada uma com estilos de animação totalmente distintos) surgirem dividindo o mesmo plano em perfeita harmonia e sem causarem qualquer desequilíbrio/estranhamento, desta vez a estratégia é elevada à enésima potência, já que, ao longo dos 140 minutos desta continuação, vemos desde bonequinhos LEGO até projeções live-action de certos rostos familiares, passando pelos Aranhas das séries animadas de 1967 e 2008, por um Gato-Aranha que cospe teia, por um Abutre saído de um universo renascentista que se movimenta numa taxa de frames por segundo baixíssima, por uma versão indiana cujo mundo inteiro respeita uma lógica visual própria e, claro, por um Punk-Aranha que parece rabiscado a lápis e colado com adesivos de cadernos dos anos 1990.

Como é possível que esta variedade de estilos não resulte em bagunça? É difícil, mas os diretores Joaquim dos Santos (Avatar: A Lenda de Aang), Kemp Powers (Soul) e o estreante Justin K. Thompson conseguem estabelecer uma lógica visual que respeita aquela do longa anterior e, ao mesmo tempo, a expande ao seu próprio modo. Com isso, as estratégias encontradas por toda a equipe de animadores continuam a surpreender o espectador ao buscarem uma aproximação entre a estilização em audiovisual e a linguagem das HQs (que, afinal, são o material-base do projeto): o estilo dos traços e das texturas segue combinando aspectos tridimensionais e bidimensionais, chegando a um resultado que, de certa forma, facilita a inclusão de rabiscos, onomatopeias (grandes ou pequenas), brincadeiras com o plano de fundo quando os heróis à frente executam uma ação de impacto e até mesmo umas bolinhas que permeiam os personagens e os cenários da dimensão de Miles e que simulam um erro de impressão que costumava ocorrer em revistas mais antigas (aliás, outro efeito que é incorporado aqui é o de aberração cromática, que distorce as cores nas bordinhas das silhuetas).

O mais interessante, contudo, é que mesmo lidando com uma série de elementos gráficos simultâneos (e que estão sempre em constante movimento), os três diretores sempre fazem questão de compô-los com clareza e organização, jamais permitindo que se tornem visualmente confusos ou perdidos (como ocorria em alguns momentos do bacana A Família Mitchell, por exemplo) e usando, também, o velho recurso de dividir a tela em múltiplos quadros (mais uma vez remetendo à linguagem das HQs) para mostrar a ação através de pontos distintos e, com isso, torná-la mais compreensível – e todas estas sequências, vale apontar, são embaladas pela excelente trilha de Daniel Pemberton, que confere dinamismo e personalidade ao longa. Porém, o que mais espanta em Aranhaverso 2 é perceber como sua inquietação estilística serve para enriquecer não só os momentos de ação (ou bom humor), mas também as passagens mais dramáticas e introspectivos – e, para isso, ajuda muito o fato de o projeto romper com qualquer necessidade de aspirar a um realismo (um rompimento que a animação, com sua natural propensão à estilização, ajuda a realizar mais facilmente). Assim, quando visitamos o universo de Gwen, este é apresentado num estilo “aquarela” no qual as cores, em intensidade e proporção, mudam de plano a plano (não precisando respeitar uma continuidade rígida) e servem para refletir o estado emocional dos personagens (quando Gwen corre para abraçar o pai, por exemplo, o azul ao seu redor vai se tornando rosa/amarelo, ilustrando visualmente o afeto que surge daquele encontro).

Neste sentido, aliás, Através do Aranhaverso me surpreendeu por se revelar bem mais pausado do que eu esperava, reconhecendo a importância de se parar, em meio à adrenalina, para respirar e se concentrar nas trocas de diálogos, suspiros e silêncios entre os personagens – e, por melhores que sejam as cenas de lutas/salvamentos/perseguições, os momentos no longa que mais me conquistaram foram aqueles que enfocam, por exemplo, as brigas entre Miles e os pais (que conseguem distanciá-los ao mesmo tempo em que deixam claro o quanto uns são valiosos para os outros) e, claro, a relação entre o menino e Gwen (minha cena favorita do filme, por sinal, é aquela que envolve um sutil – mas significativo – toque de mãos entre os dois). São passagens dramáticas que, no entanto, não funcionariam caso não tivéssemos nos apegado àqueles personagens – e Miles Morales, em especial, não poderia ser um protagonista mais fascinante: bem-humorado na forma com que interage com os vilões e com os cidadãos comuns (sua introdução aqui não poderia ser mais apropriada, fazendo jus à alcunha de “amigão da vizinhança”), o garoto soa desde o princípio como um adolescente que, como tal, custa encontrar um equilíbrio entre seus compromissos (no caso, entre a vida de estudante e a de super-herói, como vimos em Homem-Aranha 2).

Esta inexperiência e jovialidade de Miles, claro, ganham contornos e dimensões graças à ótima interpretação vocal de Shameik Moore, que retrata bem o humor, as dores e as incertezas do protagonista – numa performance que é contraposta pela de Oscar Isaac, que, por sua vez, encarna Miguel O’Hara como um Aranha tão implacável e intimidador (embora convicto de suas ações) que chegamos a nos questionar sobre a natureza de suas motivações (ou mesmo se ele é vilão). Dito isso, uma das personalidades mais marcantes do filme é a de Gwen Stacy, que, vivida pela carismática Hailee Steinfeld, é apresentada como uma garota fascinante em sua atitude (e nos gostos e ambições que compõem sua persona), mas que, ao mesmo tempo, revela uma vulnerabilidade que a torna mais complexa e que ficara ausente do longa anterior, tornando-se fácil, para o espectador, entender a paixão de Miles pela jovem – e é fabuloso como as relações entre Gwen, Miles e seus respectivos pais (ambos policiais) são espelhadas no terceiro ato, com a excelente montagem de Michael Andrews alternando entre os dois, em seus respectivos mundos, e criando uma escalada emocional que vai fortalecendo a tensão e levando o espectador à beira da poltrona até que…

… o filme subitamente termina.

Afinal, esta é só a primeira parte de uma história que promete se concluir em março do ano que vem*, quando Homem-Aranha Além do Aranhaverso chegar às telonas – e, se o sentimento de anticlímax ao final da projeção não chega a ser um problema para Através do Aranhaverso, ao menos cria um sentimento de incompletude que, claro, torna o exercício de discuti-lo um pouco mais complicado, já que vários dos elementos que podemos estranhar nesta narrativa específica podem vir (e provavelmente virão) a se justificar no capítulo seguinte. (É por esta razão, por exemplo, que não costumo comentar séries de tevê episódio por episódio, preferindo, em vez disso, discutir temporadas fechadas depois que estas se concluíram.)

Alongando-se um pouco mais do que precisava em sua segunda metade, que consiste mesmo na preparação do terreno para o próximo filme (e tenho dúvidas se esta história realmente necessitava de cinco horas – juntando as partes 2 e 3 – para ser contada, mas isso é algo que só descobrirei daqui a nove meses), Homem-Aranha Através do Aranhaverso é uma obra que certamente faz jus àquela que a antecedeu – e, se levarmos em conta como os filmes da série live-action do herói tem se tornado cada vez menos ambiciosos e proeminentes em termos estilísticos, os feitos da série Aranhaverso tornam-se ainda mais raros e, portanto, notáveis.

E não sei por que, mas sinto cheiro de mais um Oscar vindo por aí…

*(Atualização 28/07/2023: o Hollywood Reporter informou hoje que Aranhaverso 3 foi adiado indefinidamente graças às greves de atores e roteiristas.)

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

Mais para explorar

Gladiador II | Crítica

Mesmo contado com momentos divertidos e ideias interessantes aqui e ali, estas quase sempre terminam sobrecarregadas pelo tanto de elementos simplesmente recauchutados do original – mas sem jamais atingirem a mesma força.

Wicked | Crítica

Me surpreendeu ao revelar detalhes sobre o passado das personagens de O Mágico de Oz que eu sinceramente não esperava que valessem a pena descobrir, enriquecendo a obra original em vez de enfraquecê-la.

Ainda Estou Aqui | Crítica

Machuca como uma ferida que se abriu de repente, sem sabermos exatamente de onde veio ou o que a provocou, e cujo sofrimento continua a se prolongar por décadas sem jamais cicatrizar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *