Por algum motivo, o debate sobre “é ou não é maneiro consumir pirataria” voltou à pauta dos twitteiros de plantão. Meu posicionamento sobre isso é simples: sou adepto da filosofia do, se não tem como consumir oficialmente, baixe mesmo. Você não é obrigado a deixar de consumir cultura por falta de acesso a meios oficiais.
A meu ver, há dois pontos principais nessa discussão:
1) Me desculpe, mas é impossível estudar e conhecer a História do Cinema sem ter baixado um filme, ao menos, uma vez na vida. Sabe por quê? Porque a História do Cinema vai muito além dos filmes que chegaram a ser distribuídos comercialmente. Estamos falando de quase 150 anos de uma Arte que já se desdobrou em infinitas correntes, filmografias de países/cineastas, movimentos e submovimentos. Imagine o tanto de filmes obscuros, mas essenciais dentro de um meio, que simplesmente não estão disponíveis comercialmente.
Se você quer estudar Cinema assistindo apenas a 2001: Uma Odisseia no Espaço, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Metrópolis, Acossado, a trilogia O Poderoso Chefão, Chinatown, O Sétimo Selo, ok, pode até conseguir fazê-lo só por meios oficiais. Agora, tenta estudar Cinema marginal sem um tiquinho de pirataria. Fica difícil, né? Inclusive, o crítico cinematográfico Arthur Tuoto foi CERTEIRO ao afirmar, uma vez, que o YouTube era a melhor plataforma de streaming que temos em mãos. Dá uma olhada no tanto de filmes obscuros brasileiros, italianos, francês, alemães, etc, que estão por lá.
2) Aqui, sou obrigado a voltar ao tema da redação do último ENEM: a democratização do Cinema no Brasil. Você sabia que, dos 5.570 municípios do país, apenas 461 (ou seja: menos de 9% – repito: nove porcento!) dispõem de salas de cinema? Isso sem contar, é claro, o absurdo dos preços dos ingressos.
(A imagem acima foi tirada de uma reportagem feita pelo Nexo Jornal em 31/05/2019. Já os números citados no último parágrafo foram encontrados numa matéria publicada pelo Metrópoles em 06/11/2019, logo após o ENEM passado. Duas fontes recentes, portanto).
Em outras palavras: o acesso ao Cinema no Brasil não é democrático e isso não é de agora (achei reportagens do final da década de 1990 com números muito parecidos). Assim, é óbvio que a falta de acesso à cultura é um caminho que naturalmente só fortalecerá a pirataria. Problematizar esta última, a pirataria, é inverter a consequência pela causa. E, como me lembrou um colega meu em off há alguns meses (e cujo nome manterei em sigilo por motivos de respeito às fontes), não dá para um professor exigir que alunos que moram em uma região distante do circuito se disponham a pegar transportes para Botafogo às 21h, por exemplo, para verem um filme que só está passando lá e neste único horário.
Bom, resumo da ópera: o que estou fazendo não é defender a pirataria, apenas dizer que é muito fácil tentar proibi-la quando 1) você não vê muitos filmes fora do circuitão mais acessível e/ou 2) você mora a poucos minutos de um cinema. Mas repito o que falei lá no início: se você pode assistir a um filme na Netflix, no Prime Video, no Mubi, no Looke, no NOW, no Telecine Play ou em outras plataformas de streaming, assista. Prestigie os meios oficiais e os esforços por trás destes.
O que estou propondo é apenas tentar entender um problema maior. O fato de a pirataria estar em alta não é causa, mas produto da falta de acesso a um Cinema democrático.
E é isso.