As tramas dos filmes de James Bond são sempre absurdas, rocambolescas, complicadas, sobrecarregadas de personagens e determinadas por um “vai e vem” que frequentemente custamos a entender. Porém, isto não necessariamente representa um problema; parte da graça e do charme de 007 reside justamente no fato de suas narrativas se desenvolverem de forma exageradamente complexa (afinal, estamos falando de uma série que desde o começo assumiu o exagero como peça integral de suas engrenagens). No caso de 007 Contra Octopussy (não é culpa minha se o título é este), contudo, os roteiristas Richard Maibaum, Michael G. Wilson e George MacDonald Fraser foram tão longe que a trama aqui é praticamente ininteligível, o que acaba cortando boa parte do envolvimento que temos com a obra (se não entendemos o básico do que está acontecendo, como vamos nos importar?).
Tentar resumir a premissa de Octopussy é uma tarefa quase impossível: basta dizer que, adaptada de um conto homônimo do último livro de Ian Fleming (aliás, outra história publicada na mesma coletânea é Marcado para a Morte), a narrativa do filme cria a maior parte de suas ideias do zero, de forma original, e traz James Bond sendo enviado para investigar o destino de um ovo Fabergé, cujo vendedor pode ter algum envolvimento com um tráfico de joias e um general soviético interessado em explodir uma bomba próxima à base dos Estados Unidos na Alemanha Ocidental. Se a relação de uma coisa com a outra já não parece muito clara, aproveite e adicione também todo um núcleo paralelo girando em torno da tal “Octopussy” do título, uma bem-sucedida mulher de negócios que pode estar de acordo com o tráfico em si e que, justamente por isso, se torna uma das bondgirls mais ambíguas de toda a série – afinal, Bond de fato se envolve com ela mesmo sabendo que pode se tratar de uma criminosa.
Infelizmente, Maud Adams (que já tinha vivido uma bondgirl em O Homem Com a Pistola de Ouro) não tem muita chance de explorar as nuances de Octopussy, já que a história ao seu redor é sobrecarregada de outras prioridades narrativas mais imediatas e, portanto, o foco constantemente se distancia de sua personagem, concentrando-se, em vez disso, na busca de James Bond por informações que o levem até os verdadeiros vilões. Como se não bastasse, a direção de John Glen acaba espelhando, de certa maneira, o tratamento caótico dado ao roteiro, já que a abordagem conferida à trama parece mudar a cada cena: ora, o filme se aproximará do tom um pouco mais sério e dramático de O Espião Que Me Amava e Somente para Seus Olhos (especialmente na relação entre Octopussy e Bond); ora, retomará sem reservas a tendência cartunesca e engraçadinha que marcara Viva e Deixe Morrer, O Homem Com a Pistola de Ouro e O Foguete da Morte (culminando num clímax que traz Bond tendo que se disfarçar de palhaço de circo para concluir a missão).
Dito isso, é preciso apontar que até os momentos mais absurdos (para não dizer ridículos) de Octopussy se revelam espirituosos à sua própria maneira, funcionando bem melhor do que aqueles que aspiram a uma suposta solenidade – e confesso que todo o clímax envolvendo James Bond vestido de palhaço ganhou minha simpatia pelo simples fato de ter a coragem de submeter um personagem que, nas décadas anteriores, se transformou num símbolo de virilidade a uma situação na qual terá que se rebaixar tanto para obter sucesso (numa ação que, por mais risível que seja, Roger Moore ainda defende com total dignidade). Além disso, nos instantes em que John Glen tem a permissão de mergulhar em uma abordagem cartunesca, os resultados se mostram eficientes justamente por serem tão declarados em sua caricatura – como comprova toda a sequência pré-créditos (quando que um piloto de avião acharia prático escapar de um míssil daquela forma?) e o momento no qual o carro de Bond se locomove num trilho de trem após ter seus pneus estourados.
Demonstrando que Roger Moore já não tinha mais condições físicas de continuar se aventurando nas sequências de ação exaustivas nas quais o enfiavam (não que Moore alguma vez tenha levado muito jeito para lutas corporais ou saltos a distância, mas aqui a situação começa a ficar gritante), Octopussy é um filme simpático e de bons momentos que poderia ser muito melhor caso escolhesse com mais clareza qual caminho seguir – seja em termos de narrativa ou de abordagem mesmo.