Embora tenha sido responsável por transformar James Bond em ícone e ainda hoje seja de longe o mais influente de todos os atores a encarnarem o personagem (não é à toa que praticamente todos os intérpretes que o sucederam alegaram ter se inspirado nele, em maior ou menor grau), Sean Connery não fez muita questão de esconder o desinteresse que passou a sentir após regressar repetidas vezes ao papel de 007 – e é notório que, em seus últimos Bonds (principalmente A Chantagem Atômica e Só Se Vive Duas Vezes), o ator já estava de saco cheio daquela franquia. A sorte é que Connery voltou a render bons resultados em sua última aparição “canônica” na série (Os Diamantes São Eternos) e na segunda adaptação “não oficial” dos livros de Ian Fleming (Nunca Mais Outra Vez), mas, ainda assim, não tinha como negar que, àquela altura, já estava na hora de James Bond encontrar um novo rosto.
Um rosto que, após uma experiência malsucedida com George Lazenby no excelente A Serviço Secreto de Sua Majestade, se consolidou de vez na forma do simpático Roger Moore em Viva e Deixe Morrer e se estabeleceu, ao seu próprio modo, como um 007 divertido e marcante para toda uma geração de espectadores (não é por acaso que boa parte do público que viveu as décadas de 1970 e 1980 o tem como seu James Bond favorito). Pois a verdade é que, goste-se ou não da interpretação que Roger Moore deu ao personagem, é inegável que ele levou o papel com dignidade até as últimas circunstâncias – e, por mais que suas condições físicas fossem limitadas e que a maioria de seus filmes (com exceção de O Espião Que Me Amava e Somente para Seus Olhos) estivesse longe do brilhantismo, sua disposição e convicção seguiram até o último segundo de seu último longa, Na Mira dos Assassinos.
Novamente dirigido por John Glen (Octopussy), a derradeira aventura de Roger Moore sob a pele de James Bond começa com uma sequência de perseguição na neve que empalidece muito diante daquelas de A Serviço Secreto de Sua Majestade e, depois disso, engata com os créditos iniciais acompanhados da música-tema cantada pelo Duran Duran (mais década de 1980 que isso, impossível). A partir daí, os roteiristas Richard Maibaum e Michael G. Wilson criam uma trama tipicamente bondiana, mas que ainda assim encontra espaço para uma ou outra novidade interessante: desta vez, o industrial Max Zorin inventa um plano para afundar todo o Vale do Silício e, com isso, deter o que restava do monopólio do mercado de microships (na minha opinião, um dos planos mais absurdos e, por isso mesmo, divertidos já elaborados por um vilão de 007).
Interpretado por Christopher Walken em uma performance absolutamente irresistível (como não poderia deixar de ser), Zorin é um vilão que convence por se apresentar como uma caixinha de surpresas constante: se a princípio o conhecemos apenas como um milionário cafona e apaixonado por corridas a cavalo, aos poucos o identificamos cada vez mais como uma figura perigosa (vide sua tentativa de eliminar Bond) e, mesmo assim, nos espantamos quando descobrimos sua crueldade ao fuzilar sumariamente todos que para ele trabalhavam – e Walken faz bem ao ilustrar o personagem como um sujeito sereno, impassivo, oscilando rapidamente entre a serenidade e as explosões de raiva e soando imprevisível graças justamente à sua instabilidade. Da mesma forma, Grace Jones compõe May Day como uma das capangas mais fascinantes de toda a franquia, já que, apesar de sua pose de brutamontes, há também uma importante humanidade no modo com que ela interage com Zorin (é ela quem o treina no judô) e com o próprio James Bond (quantas vezes na série vimos um(a) capanga do vilão ir para a cama com o herói?), sendo ao mesmo tempo apropriado e surpreendente que, no final, a dor que sente por ser descartada pelo chefe a faça migrar para o lado do protagonista.
Divertido nas situações absurdas que cria (e que se transformam em verdadeiros desafios para Roger Moore, obrigando-o – entre outras coisas – a escapar de um elevador em chamas e a se pendurar na traseira de um caminhão de bombeiros desgovernado), Na Mira dos Assassinos peca, por outro lado, na condução de boa parte de suas sequências de ação, já que desta vez John Glen julgou necessário filmá-las e montá-las através de uma série de planos fechados, cortes rápidos e saltos no eixo que, no fim das contas, só atrapalham o entendimento do espectador em vez de salientar a tensão existente nestes momentos (e me atrevo a dizer que, até a estreia do pavoroso Quantum of Solace, as piores cenas de ação de toda a franquia pertenciam a este trabalho de Glen).
De todo modo, apesar destes tropeços, Na Mira dos Assassinos é uma aventura eficiente e divertida que, de quebra, ainda serviu como uma despedida razoável para Roger Moore. Ao menos, é um atestado de que, ao contrário de outros atores a interpretarem James Bond (incluindo o mais emblemático deles: Sean Connery), ele demonstrou real vontade de dar o seu melhor até o último instante.