Eduardo e Monica (4)

Título Original

Eduardo & Mônica

Lançamento

20 de janeiro de 2022

Direção

René Sampaio

Roteiro

Jessica Cantal, Matheus Souza, Claudia Souto, Michele Frantz e Gabriel Bortolini

Elenco

Gabriel Leone, Alice Braga, Otávio Augusto, Victor Lamoglia, Juliana Carneiro da Cunha, Bruna Spínola, Digão Ribeiro, Eli Ferreira, Luisa Viotti, Ivan Mendes e Fabrício Boliveira

Duração

114 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

René Sampaio e Bianca De Felippes

Distribuidor

Paris Filmes

Sinopse

Em um dia atípico, uma série de coincidências levam Eduardo a conhecer Mônica em uma festa. Uma curiosidade é despertada entre os dois e, apesar de não serem parecidos, eles se apaixonam perdidamente. Em Brasília, na década de 1980, esse amor precisa amadurecer e aprender a superar as diferenças.

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Eduardo & Mônica | Crítica

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À primeira vista, Eduardo & Mônica não poderia estar mais distante de Faroeste Caboclo, longa que marcou a estreia do brasiliense René Sampaio (há nove anos) e que também adaptava uma música homônima do Legião Urbana. Se um filme era bruto e selvagem como a letra da canção que o inspirou (e que, por sua vez, continha um caráter épico que a fazia durar nove minutos), impedindo que qualquer traço de alegria ou esperança durasse na tela por muito tempo, o outro é um romance doce e intimista que, também como a música-base, demonstra profundo interesse pelos elementos humanos, íntimos, que conferem sentido até mesmo à mais improvável das relações. Um épico sobre as pequenas coisas, digamos. Diferenças à parte, são ótimos filmes que indicam que Sampaio é um cineasta que não só tem plena noção do que pretende alcançar, como também entende que cada canção do Legião é uma obra à parte, respeitando a natureza de cada uma e tornando cada adaptação eficiente ao seu próprio modo.

Escrito por Jessica Cantal, Matheus Souza, Claudia Souto, Michele Frantz e Gabriel Bortolini (normalmente, muitos envolvidos em um único roteiro costuma ser um mau sinal, mas não aqui), o roteiro se passa, como não poderia deixar de ser, em Brasília nos anos 1980 e conta a história de um aluno do ensino médio desajeitado e uma estudante do último período de Medicina que, “sem querer”, se encontram numa “festa estranha com gente esquisita” (me perdoem, mas será difícil não cantarolar um ou outro verso). Radicalmente diferentes em personalidade e separados por uns consideráveis anos de idade (“Ela era de Leão e ele tinha dezesseis”), Eduardo e Mônica acabam se atraindo justamente pelos opostos que representam e decidem se ver mais algumas vezes (“O Eduardo sugeriu uma lanchonete / Mas a Mônica queria ver um filme do Godard”), até que a relação escalona para algo mais sério e… eu poderia apenas transcrever a letra da música em vez de formular uma sinopse.

O que não significa, porém, que Eduardo & Mônica seja uma adaptação excessivamente reverente com relação ao material-fonte: sim, há uma série de momentos no filme que serão identificados por qualquer um que já tenha escutado a canção alguma vez na vida (o que deve representar no mínimo uns 98% do Brasil) e que, por isso mesmo, provocarão um sorrisinho no canto de sua boca – e é gostoso ver a atenção dada tanto à cronologia dos eventos da letra original (Eduardo “acordando, mas não querendo levantar”; a “festa estranha com gente esquisita”; o telefonema; o Parque Central; a formatura de Mônica e a aprovação de Eduardo no vestibular; etc) quanto a pequenos detalhes que agora encontram-se materializados na tela (o repertório de novelas de Eduardo; o gosto de Mônica por fotografia, Cinema francês e “magia e meditação”; o futebol de botão do avô; etc). Ainda assim, Eduardo & Mônica não depende destes elementos nem os retrata com exagerada solenidade, estabelecendo-se como uma obra que anda com pernas próprias, que imagina e apresenta uma série de novas especificidades que não só ajudam a sustentar por duas horas uma narrativa que originalmente durava quatro minutos, como também soam como extensões orgânicas, naturais, das informações já oferecidas pela letra de Renato Russo (não é de se surpreender que Mônica, com sua personalidade marcante, tenha sido filha de um guerrilheiro comunista e que o motivo de Eduardo morar com o avô seja o fato de ele ser órfão desde pequeno).

Pois o que Eduardo & Mônica faz não é apenas ilustrar visualmente a historinha descrita pela letra da música; é traduzir em imagem (e em duas horas de projeção) os sentimentos que a canção original despertava – e é isto, no fim das contas, que o torna uma adaptação tão eficiente. Neste aspecto, René Sampaio novamente demonstra uma noção clara, bem definida, dos objetivos que têm em mente, refletindo em imagem toda a dinâmica de contrapontos que permeia e define, afinal, a relação entre o casal-título, seja ao estabelecer a realidade de cada um como universos completamente diferentes (não só pelas personas opostas de cada um, mas pelas prioridades distintas em função dos momentos de vida no qual se encontram), seja nas brincadeiras visuais que o montador Lucas Gonzaga faz com a ideia de “mundos separados que se completam como feijão com arroz” (tela dividida mostrando o cotidiano de cada um com pequenos elementos se interligando de alguma forma, por exemplo). Aliás, outro que merece créditos por sua versatilidade é o diretor de fotografia Gustavo Hadba, que também trabalhou em Faroeste Caboclo e aqui realiza um trabalho radicalmente diferente daquele, mergulhando os personagens em paletas quentes que, indo na contramão da frieza e da secura que marcavam o outro longa, ajudam a imprimir um ar mais lúdico, caloroso e até nostálgico à trama – o que é condizente com um romance que se passa numa época passada e que é inspirado numa canção que já continha um caráter bastante pessoal por si só.

Ainda assim, as distâncias entre os mundos particulares de Eduardo e Mônica não duram muito, demorando uns ligeiros 10/15 minutos até que o filme possa mergulhar de cabeça naquele que é, afinal, seu foco principal: a dinâmica entre os personagens-título (se Sampaio e os roteiristas gastassem tempo demais estabelecendo as diferenças entre as realidades dos dois personagens, perderíamos a chance – e a graça – de percebê-las justamente através da relação entre eles e dos contrapontos expostos naturalmente pelas conversas que têm). “O problema é que a gente é diferente em tudo, como se ela fosse água e eu, óleo”, diz Eduardo nervoso, sem compreender que são precisamente as diferenças entre eles que conferem sentido a uma união “improvável” como aquela a ponto de fazê-la atravessar décadas sem perder o encanto inicial, já que um jamais deixa de representar um universo de possibilidades para o outro (Mônica conduz Eduardo a um universo mais adulto, menos careta e mais capaz de realizar sonhos/objetivos concretos, ao passo que Eduardo serve como uma “âncora” para reconectar Mônica às simplicidades do mundo real após a vida pô-la para baixo tantas vezes).

Dentro disso, Gabriel Leone encarna bem as inseguranças de Eduardo e (não menos importante) as decisões corajosas que eventualmente surgem à medida que se aproxima de Mônica e que despertam nele uma autoconfiança que o leva ao mundo dos adultos (uma transição que Leone retrata com competência, pontuando cada etapa da vida do garoto), ao passo que Alice Braga introduz Mônica com um semblante tão rígido que torna-se notório o contraponto que estabelece com as várias vezes que a vemos sorrir de orelha a orelha no restante da projeção, posicionando a jovem como uma mulher adorável que, embora calejada pelas frustrações e dores que acumulou ao longo da vida, se vê disposta a buscar uma volta por cima, algo que lhe devolva a alegria de alguma forma – uma evolução que os figurinos Valeria Stefani refletem ao saltarem do couro preto que cobre totalmente Mônica no início às peças leves e coloridas que ela passa a usar após se apaixonar.

Embora lúdico e romântico, Eduardo & Mônica não compartilha de uma visão simplista e adolescente das coisas. Pelo contrário: do início ao fim, tanto o projeto mostra-se maduro ao enfocar as nuances que compõem as relações daqueles personagens e que são, no fim das contas, o que as tornam verossímeis – algo que, para mim, ficou claro num momento específico no qual, após brigarem de forma mais incisiva (não é spoiler; está na letra da música!), Eduardo conta a Mônica o porquê de hesitar em retomar o romance; um porquê que temi que fosse egocêntrico, individualista, mas que me surpreendeu por ser dotado de empatia pela moça. Da mesma forma, o fato de Seu Bira (avô de Eduardo) ter sido consolidado desde o início como um senhor carinhoso e zeloso unicamente com o bem-estar do neto, ocultando qualquer preocupação além disso, torna ainda mais chocante o instante (inevitável) no qual ele conhece Mônica e expõe uma série de pensamentos repugnantes durante um jantar que deveria ser alegre, positivo – um choque que Sampaio antecipa de forma direta e elegante no decorrer da cena, com um travelling que mostra a parede de Seu Bira repleta de condecorações e fotos reveladoras (ainda mais naquela época) que já deixam o espectador tenso pelo que vem pela frente.

Carinhoso e delicado ao introduzir um personagem que, ao revelar-se homossexual, é correspondido com um gesto comovente de afeto do outro personagem em cena (numa época em que a homossexualidade era ainda mais reprimida e incompreendida do que hoje), Eduardo & Mônica é, em suma, uma adaptação tão fofa, tocante e gostosa quanto a canção que a inspirou e que nos habituamos a ouvir e cantarolar repetidamente desde que foi lançada, há 36 anos.

Agora, Eduardo e Mônica têm rostos e vozes próprias.

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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