Expresso do Amanhã (1)

Título Original

Snowpiercer

Lançamento

27 de agosto de 2015

Direção

Bong Joon-ho

Roteiro

Bong Joon-ho e Kelly Masterson

Elenco

Chris Evans, Song Kang-ho, Tilda Swinton, Jamie Bell, Octavia Spencer, Ewen Bremner, Go Ah-sung, John Hurt e Ed Harris

Duração

126 minutos

Gênero

Nacionalidade

Coreia do Sul

Produção

Park Chan-wook, Lee Tae-hun, Jeong Tae-sung e Steven Nam

Distribuidor

PlayArte

Sinopse

Quando um experimento para impedir o aquecimento global falha, uma nova era do gelo toma conta do planeta Terra. Os únicos sobreviventes estão a bordo de uma imensa máquina chamada Snowpiercer. Lá, os mais pobres vivem em condições terríveis, enquanto a classe rica é repleta de pessoas que se comportam como reis. Até o dia em que um dos miseráveis resolve mudar o status quo, descobrindo todos os segredos deste intrincado maquinário.

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Expresso do Amanhã | Crítica

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Em tempos onde as redes sociais (e a realidade em si, por que não?) são cada vez mais tomadas por discussões onde o que realmente parece importar não é o tema em questão, mas sim o volume da voz ou a quantidade de palavrões, xingamentos, letras escritas em capslock e pontos de exclamação, o cineasta sul-coreano Bong Joon-ho (de Memórias de um Assassino, O Hospedeiro Mother) é digno de aplausos ao criar uma obra madura e ambiciosa. Mergulhando em temas intrincados e alegorias inteligentes, Expresso do Amanhã é uma produção relevante e que aponta a necessidade de garantir a igualdade social em vez de incentivar a divisão por classes.

Escrito por Joon-ho e Kelly Masterson com base na HQ francesa Le Transperceneige, de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette, o longa se abre com um conjunto de áudios fictícios que relatam a condição do mundo em 2014: o aquecimento global já está em estágio avançado e, numa última esperança de reverter as condições climáticas perigosas, países lançam na atmosfera um item intitulado CW7, que garantirá o resfriamento artificial. No entanto, os planos dão errado e o composto químico traz um congelamento forte e generalizado que põe a Terra numa nova Era do Gelo, fazendo com que o misterioso Wilford construa um trem enorme para abrigar os poucos sobreviventes. Dezessete anos se passam e os vagões são usados para separar as classes sociais, o que motiva uma revolução dos passageiros do último vagão (leia-se: os que mais sofrem e menos são privilegiados) liderada por Curtis, que se encontra claramente aflito diante de seu fardo.

Hábil ao conceber um universo criativo e opressor, Expresso do Amanhã se dispõe nitidamente a criar alegorias e metáforas à luta de classes e à injustiça sofrida pelos que se encontram na base da pirâmide social capitalista (detalhes que devem ter sido percebidos na leitura da sinopse). Com isso, o longa é particularmente brilhante ao fazer do trem que dá título ao filme um símbolo de uma sociedade desigual e com pouca esperança, ao mesmo tempo em que demonstra criatividade ao compor uma realidade rica em detalhes e cuja cultura provém de ecos do passado – o que dá origem a comidas específicas (e asquerosas), técnicas de tortura que envolvem o congelamento da Terra (que resultam numa cena angustiante, diga-se de passagem), um sujeito que se encarrega de ilustrar as pessoas e fatos que testemunha, drogas fictícias, acontecimentos que integram a História do trem e até uma ponte que marca a passagem dos anos. E se o fato da locomotiva abrigar uma sociedade já é genial o bastante, o roteiro ainda consegue encontrar metáforas brilhantes que envolvem a preservação da esperança, sintetizada no fogo (inverso do gelo, vejam só); a única alegoria que não funciona tão bem consiste no final, que, se encarado literalmente, não faz muito sentido.

Aliás, é uma pena que o roteiro de Expresso do Amanhã eventualmente invista em diálogos que expõem suas alegorias de forma pouco sutil – assim, confesso que me frustrei ao ouvir falas como “Eu sou o chapéu; vocês, o sapato. Meu lugar é na cabeça; o de vocês, nos pés“, dita por uma das antagonistas, e “O trem é o mundo“, uma afirmação expositiva e que mastiga uma metáfora de maneira a enfraquecer o encantamento da mesma. Enquanto isso, a trilha incidental de Marco Beltrami peca por ser excessiva e levemente irritante, ao passo que os efeitos digitais utilizados para criar as tomadas externas (que mostram o trem e o mundo congelado) são artificiais demais para passarem despercebidos. Por outro lado, se o excepcional design de produção de Ondrej Nekvasil transforma os vagões em locais particulares que acabam sendo mais utilizados pelos que contam com condições mais favoráveis (como cozinhas elegantes, aquários, escolas, boates e saunas), o diretor de fotografia Hong Kyung-pyo é sábio ao acompanhar os passos dos rebeldes caracterizando cada vagão com um estilo próprio, saindo das cores cinzas e podres do início até chegar em tons mais claros e limpos no clímax.

Por sua vez, o desempenho de Bong Joon-ho compensa as (poucas) falhas do filme ao conduzi-lo de maneira apreensiva e cuja energia cresce à medida que a narrativa avança, obtendo resultados igualmente satisfatórios ao conduzir as pontuais sequências de ação com intensidade – ainda que encontre alguns empecilhos no que diz respeito à espacialidade das cenas (quem está fazendo o que e onde em relação a que outra pessoa ou objeto). Como se não bastasse, o diretor utiliza a sanguinolência de modo tão eficaz quanto a câmera lenta, que serve tanto para beneficiar a ação quanto para simplesmente criar momentos visualmente memoráveis (como aquele que traz um peixe sendo cortado com um machado). Paralelamente, Chris Evans surpreende como um herói emocionalmente frágil e que se encontra constantemente relutante diante da necessidade de assumir a liderança de sua revolução – e assumo que não esperava que Evans pudesse ser tão habilidoso em expressões faciais sucintas que expressam nojo, receio, medo ou culpa.

Enriquecido por um elenco composto por nomes como Jamie Bell, Octavia Spencer (que não me agradava, mas me surpreendeu aqui), Ed Harris, John Hurt e Tilda Swinton (adoravelmente caricatural), Expresso do Amanhã é uma obra tematicamente irresistível que propõe discussões maduras e se dispõe a discuti-las com a devida inteligência; e só isso já deveria torná-la obrigatória, ainda mais em tempos como os de hoje onde as pessoas vêm se tornando cada vez mais suscetíveis a debates agressivos e rasos em conteúdo.

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