Produzida pelo italiano Dino de Laurentiis, um nome bastante conhecido entre os grandes de Hollywood (e cujo currículo é repleto de altos e baixos), a primeira refilmagem de King Kong chegou aos cinemas 43 anos após o lançamento do original e é, sem dúvida alguma, superior a todas as outras obras que envolveram o personagem desde sua estreia nos cinemas (me refiro, é claro, a O Filho de Kong, King Kong vs Godzilla, A Fuga de King Kong e outras bobagens). É verdade que esta reimaginação traz inúmeros tropeços que a levam a empalidecer diante do filme de 1933, soando bem mais como um caça-níqueis do que como um ato de reverência ao que Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack criaram. Apesar dos (muitos) pesares, ainda se trata de uma produção capaz de divertir moderadamente e que se sai bem ao transformar Kong num monstro inicialmente ameaçador, mas que aos poucos revela um lado que ganha a empatia do público.
A trama é basicamente a mesma do clássico: um grupo de exploradores e uma jovem de cabelos loiros – que, nesta versão, se chama Dwan – desembarcam numa ilha estranha que logo revela nativos cultuando uma criatura misteriosa chamada Kong. Depois que a tribo sequestra a mulher e a oferece para o “rei”, descobrimos que este é um gorila gigantesco – e que, com o passar do tempo, se apaixona por Dwan. Claro que a ganância do Homem aproveitador fará com que os exploradores resolvam capturar Kong a fim de torná-lo um espetáculo em Nova York; o que, como já podem imaginar, desencadeará eventos catastróficos. A diferença é que, desta vez, a história não mais se passa na década de 1930, sendo recontextualizada para os anos 1970: se antes tínhamos uma equipe cinematográfica, agora temos uma empresa petrolífera; se no original Kong era transformado num evento da Broadway, aqui seu cárcere é praticamente uma atração circense; se na versão clássica o gorilão escalava o Empire State Building, esta refilmagem o traz subindo as duas torres do World Trade Center.
O King Kong de 1976, vale dizer, parece fazer questão de escancarar as modernizações que fez em comparação ao longa de 1933 – algo que, graças à obviedade do roteiro de Lorenzo Semple Jr., acaba sendo sintomático: é verdade que, ao escrever sobre o original, comentei que a obra não era muito hábil ao denunciar o quão prejudicial era remover animais de seu habitat natural apenas para alimentar o ego e a ganância dos seres humanos; no entanto, este remake se excede até mesmo ao tentar corrigir uma das falhas que haviam no material-fonte, empregando diálogos que parecem berrar “Vejam como estes interesseiros destroem a vida do último representante de uma espécie!” e inserindo algumas mensagens ecológicas que não apenas soam desnecessárias, mas também superficiais (do ponto de vista temático, aliás, o filme perde a oportunidade de trocar, por exemplo, o contexto da Grande Depressão pelo da Crise do Petróleo). Ainda assim, nada se compara ao instante em que Dwan acusa o primata gigante de ser um “porco chauvinista“, o que não faz o menor sentido.
Como se não bastasse, o filme abusa de momentos que oscilam entre a pieguice (a hilária cena em que Kong, com um sorrisinho safado no rosto, arranca as roupas de Dwan) e o exagero (ao ser exibido publicamente em Nova York, o monstro exibe uma bela coroa em sua cabeça) – um exagero que, inclusive, se estende ao trio de personagens principais: o executivo Fred Wilson assume o papel que antes era do cineasta Carl Denham e é vivido por Charles Godin como uma verdadeira caricatura (ao ver uma poça potencialmente oleosa, ele exclama “Jesus, Maria e Rockefeller!“), ao passo que Jack Prescott (um John Driscoll muito menos sexista e desprezível) é um hippie que, desde o princípio, se arrisca com o intuito de promover a manutenção de seus princípios, demonstrando uma valorização inegável do ecossistema e do bem-estar de animais – e a presença sempre agradável de Jeff Bridges (cabeludo e barbudo) torna o personagem mais interessante.
Por outro lado, o ponto mais fraco deste King Kong é mesmo Dwan: tratada pelo filme como um símbolo sexual e… bom, nada além disso, a jovem desta versão se apresenta basicamente como uma representação grosseira do estereótipo da “loira burra”, revelando uma falta de inteligência que chega a ser ofensiva e ficando relegada a falas constrangedoras como “Você conhece outra pessoa cuja vida foi salva por Garganta Profunda (o filme)?“. Desta forma, tanto o roteiro quanto a direção parecem acreditar que a beleza de Jessica Lange (em seu papel de estreia) é o suficiente para compor a personagem, transformando Dwan em uma criatura obtusa, que diz todo tipo de estupidez e que, para piorar, sempre parece estar tentando levar todos à sua volta para a cama.
Já os valores de produção têm mais altos do que baixos: sim, é verdade que o rugido de Kong começa a tornar-se engraçado após ser repetido trocentas vezes, ao passo que as mãos mecânicas usadas para interagir com Jessica Lange são lentas demais e, quando tocadas, apresentam uma superfície visivelmente almofadada (se a versão de 1933 trazia uma cena em que o gorila tirava parte das roupas de Ann Darrow – usando a diferença entre primeiro e segundo planos para combinar stop-motion e uma mão artificial enorme que segurava Fay Wray –, aqui Kong fica cutucando o vestido de Dwan até removê-lo). Em contrapartida, os efeitos práticos pensados por Carlo Rambaldi (Alien: O Oitavo Passageiro e E.T.: O Extraterrestre) fazem valer o Oscar que receberam, denotando uma fisicalidade e uma imaginação que faltam a muitos projetos atuais. E, se o design de som é inteligente ao ressaltar os batimentos cardíacos finais de Kong, escutados nos minutos finais da projeção, a trilha de John Barry surge como um dos maiores méritos da obra, soando impactante e imersiva.
No entanto, é uma pena que a Ilha da Caveira seja tão desinteressante quando comparada à do filme clássico, contando com um design de produção pouco inventivo e limitando a quantidade de criaturas fantásticas a apenas uma cobra gigante. Além disso, se há um trabalho que realmente se destaca aqui, é o do maquiador Rick Baker, que não só projetou os movimentos faciais de Kong como ainda vestiu a fantasia de macaco gigante e deu vida ao gorilão: investindo em lentes que conferem uma expressividade ainda maior aos olhos do primata e em uma boca repleta de detalhes e movimentos articulados, Baker projeta uma imponência física que torna a criatura intimidadora – por outro lado, o sorriso de Kong só não é mais cativantes do que seu olhar triste (e, para mim, o momento mais tocante é aquele que traz o gorila sozinho e deprimido em seu cativeiro, dentro do navio). Assim, mais que um monstro amedrontador, Kong é uma criatura profunda, que carrega uma “alma” dentro de si.
Entregando um trabalho mecanizado e que não exibe uma personalidade tão atraente quanto o instigante clima de mistério e aventura que Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack desenvolveram para o original, o diretor John Guillermin (Inferno na Torre) ao menos consegue extrair emoção e impacto a partir da sequência que encerra a projeção, concluindo a refilmagem de maneira visceral e sangrenta. E, ainda que as lições de moral não sejam transmitidas com a eficácia ideal (como comentei anteriormente), ao menos é possível sentir a tragédia que é arrancar um animal do lugar no qual está habituado a viver – se antes Ann Darrow apenas torcia para que seu horror terminasse, aqui Dwan e seu amado Jack se importam notavelmente com o destino de Kong.
A verdade é que, embora responsável por apresentar King Kong a uma nova geração de espectadores, este remake aparenta ter sido motivado mais por interesses comerciais do que por paixão pelo material-fonte. Ainda assim, mesmo com tantos problemas, não chega a ser um desastre – esta definição pertence mesmo à continuação King Kong Lives, lançada dez anos depois.