Snyder Cut 5
Snyder

Título Original

Zack Snyder’s Justice League

Lançamento

18 de março de 2021

Direção

Zack Snyder

Roteiro

Chris Terrio

Elenco

Ben Affleck, Gal Gadot, Henry Cavill, Ray Fisher, Jason Momoa, Ezra Miller, Amy Adams, Jeremy Irons, Joe Morton, Diane Lane, Ciarán Hinds, Connie Nielsen, Willem Dafoe, Amber Heard, J.K. Simmons, Ray Porter, Peter Guinness, Karen Bryson, Zheng Kai, Robin Wright, Harry Lennix, Kiersey Clemons, Lisa Loven Kongsli, Jesse Eisenberg e Jared Leto

Duração

242 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Charles Roven e Deborah Snyder

Distribuidor

Warner Bros. / HBO Max

Sinopse

Depois de restaurar sua fé na humanidade e inspirado pelo ato altruísta do Superman, Bruce Wayne convoca Diana Prince para combater um inimigo ainda maior, recém-despertado. Juntos, Batman e Mulher-Maravilha buscam e recrutam um time de meta-humanos, mas mesmo com a formação da liga de heróis sem precedentes – Batman, Mulher-Maravilha, Aquaman, Ciborgue, e Flash – poderá ser tarde demais para salvar o planeta de um catastrófico ataque.

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Liga da Justiça de Zack Snyder | Crítica

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(Contém spoilers das versões tanto de Zack Snyder quanto de Joss Whedon.)

De um tempo para cá, adotei a postura de não falar sobre os bastidores de uma obra quando a discuto em uma crítica (a não ser que seja um caso antigo e cujas curiosidades já são sabidas por todos). O motivo para minha decisão é simples: o que me interessa, quando sento para redigir uma análise sobre um filme, é o que vi na tela (e que parte de uma leitura subjetiva), não as fofocas do set que explicam como uma ou outra “treta” pode ter influenciado no resultado final (e que forçariam uma visão objetiva por natureza). Em uma roda de amigos, posso fazer a suposição que bem entender; em uma crítica, creio que não – e é por isso que, ao escrever sobre Liga da Justiça, em 2017, fiz questão de creditar Zack Snyder (O Homem de Aço e Batman vs Superman) por cada decisão artística que abordei em meu texto mesmo sabendo que Joss Whedon (Os Vingadores e Vingadores: Era de Ultron) havia sido chamado para refilmar boa parte do material e finalizar o projeto após a Warner Bros. afastar o primeiro em função do suicídio de sua filha, Autumn.

No entanto, tentar ignorar os bastidores de Liga da Justiça de Zack Snyder seria um exercício não só inútil, mas também impossível, já que a concepção inteira deste projeto nasce, como todos sabem, do fato de sabermos que: 1) a versão que foi aos cinemas em 2017 nada tinha a ver com o que Snyder planejava para o filme; 2) que a entrada de Whedon ocorreu justamente com o intuito de deturpar o que vinha sendo feito, enfiando à força o humor e as cores típicas das produções da Marvel; e 3) que Snyder só está voltando para concluir seu trabalho agora porque houve suficiente alarde em torno das confusões que ocorreram naquele set (um alarde impulsionado, é claro, pelos fãs do cineasta que logo criaram campanhas para que a Warner lançasse seu “corte”). Não à toa, este “Snyder Cut” é um projeto tão pessoal que o diretor-título se permite incluir um outdoor de prevenção ao suicídio no fundo de uma cena, uma legenda “For Autumn” ao final da projeção e a canção de Leonard Cohen, “Hallelujah” (música favorita de Autumn), agora em uma versão cantada por Allison Crowe (amiga pessoal de Autumn) durante os créditos finais.

Inteligente ao abrir a narrativa apresentando e amarrando com economia boa parte dos arcos que virão a ser desenvolvidos nas quatro horas seguintes (as ondas sonoras do grito de Superman ao morrer anunciam sua queda para o mundo e ativam as Caixas Maternas guardadas em Cyborg, na ilha das amazonas e no reino subaquático dos atantes), Liga da Justiça de Zack Snyder conta, basicamente, a mesma história que vimos em 2017, mas descartando todas as contribuições de Whedon naquela versão (podemos chamá-la de “Whedon Cut”, certo?). Após a morte de Superman nas mãos de Doomsday, Bruce Wayne pressente uma ameaça que devastará a Terra nos próximos anos e, para impedi-la, decide reunir os outros “meta-humanos” soltos por aí: Mulher-Maravilha, Cyborg, Aquaman e Flash. Enquanto isso, o Lobo da Estepe e seus parademônios aterrissam em solo terrestre e, a mando do ditador extraterrestre Darkseid, partem numa sangrenta cruzada em busca das três Caixas Maternas que, combinadas, resultarão no fim de nosso mundo – tornando o surgimento da Liga ainda mais necessário.

Aliás, se o principal problema dos filmes anteriores de Snyder (não, não sou fã de O Homem de Aço e menos ainda de Batman vs Superman) residia no fato de que o cineasta parecia sentir-se obrigado a posar de adulto do primeiro ao último segundo de projeção, como se tentasse desesperadamente convencer o espectador de como seu universo e seus personagens eram sombrios, dramáticos e fatalistas (num esforço que sempre me soou artificial e, principalmente, forçado pelo sucesso do Batman de Christopher Nolan), em Liga da Justiça ele parece ter finalmente entendido que não precisa perder tempo tentando se provar “adulto” para ninguém, criando uma narrativa mais leve, menos carrancuda e que traz seus personagens sempre sob uma luz otimista: o Batman passou a ter fé na Humanidade e em si próprio depois de ter contato com um deus de verdade (preciso dizer quem é?); a Mulher-Maravilha surge como um ícone de empoderamento, encorajando as pessoas a sentirem-se autoconfiantes; o Cyborg é um menino incentivado a se aceitar e a superar a própria depressão; o Superman… bom, é o Salvador por si só; etc – e, inclusive, é um mérito de Zack Snyder conseguir criar uma narrativa mais leve e, ao mesmo tempo, encaixar palavrões e momentos de violência gráfica sem que estes soem deslocados do resto.

É por isso, diga-se de passagem, que confesso não entender por que a Warner julgou, lá em 2017, que esta versão era “inassistível” e precisava de alterações drásticas, já que, sejamos francos, ela nem traz tantas decisões polêmicas assim (não há um Superman quebrando o pescoço de Zod, um Batman fuzilando criminosos ou, ora, um “Martha!” desta vez). Não que Zack Snyder tenha se livrado de todos os seus vícios: sua insistência em criar planos em câmera lenta que se estendem além do necessário e sequências inteiras que poderiam ser descartadas (ou, no mínimo, agilizadas) continua aqui, sugerindo uma autoindulgência que só pode ser resultado do fato de ser um projeto 100% controlado e finalizado por ele – e, se por um lado admiro muito a atitude de Snyder dizer “o filme é meu, eu filmo o que quiser, pelo tempo que quiser e você que se dane”, por outro não posso deixar de reconhecer que as quatro horas e dois minutos de projeção (o dobro da versão de 2017) representam um exagero. Sim, um filme de Zack Snyder sem câmera lenta não é um filme de Zack Snyder, mas ainda assim é inegável o excesso, por exemplo, na cena que envolve uma partida de futebol americano, no momento em que Aquaman mergulha no oceano e no trechinho que traz a Mulher-Maravilha arremessando para o alto uma bomba prestes a explodir.

Da mesma forma, o universo criado por Snyder continua (ao menos, para mim) visualmente aborrecido e limitado à paleta cinzenta e dessaturada estabelecida pelo cineasta nos capítulos passados – e há vários momentos em que o filme, por apresentar-se mais leve e espirituoso que seus antecessores, parece sentir necessidade de respirar um pouco mais de cor, alegria ou intensidade, tornando-se, em vez disso, plasticamente cansativo e desinteressante ao ser sufocado por sombras e pela ausência quase total de cores (basicamente, há cinza e sépia). (Já a decisão de Snyder e do diretor de fotografia Fabian Wagner de rodar o longa inteiro em razão de aspecto 4:3, com o intuito de “preservar a experiência do IMAX”, é uma escolha artística que respeito – e que não me incomodou – embora também não veja sentido algum nela, já que a sensação de ser engolido por uma gigantesca tela IMAX, por natureza, não tem como ser replicada em uma televisão, por maior que esta seja.)

Em compensação, as sequências de ação se mostram bem mais eficazes aqui do que em 2017, já que o cuidado de Zack Snyder com suas composições acaba se mostrando útil para ajudar o espectador a entender melhor a mise-en-scène, a lógica espacial das cenas e a coreografia das lutas (Snyder sempre foi um diretor de ação mais inventivo que Whedon). Enquanto isso, a trilha de Tom Holkenborg (ex-Junkie XL), pelo simples fato de incluir uma guitarra durante a ação e/ou uma composição eletrônica para pontuar as aparições do Flash, já confere ao filme uma personalidadezinha extra que jamais seria alcançada caso dependesse das melodias heroicas e genéricas que Danny Elfman compôs em 2017 – só é uma pena, contudo, que Holkenborg exagere ao repetir seus temas ao ponto de torná-los enjoativos (e os cânticos que surgem em praticamente todas as aparições da Mulher-Maravilha, em especial, são insuportáveis).

Ainda assim, se há algo em Liga da Justiça que realmente explica a diferença entre o fracasso do “Whedon Cut” e o sucesso do “Snyder Cut”, é o fato de que, quando chegou a esperada sequência de ação no esgoto (por volta da metade da projeção), eu me vi capaz de entender perfeitamente as motivações para cada um daqueles personagens participar daquela cena. Convencendo como uma evolução real e natural do indivíduo que acompanhamos em Batman vs Superman, o Bruce Wayne visto aqui soa não como alguém que subitamente foi de assassino psicótico a tiozão piadista (como ocorria na versão de Whedon), mas como alguém que teve motivos para aos poucos abandonar o sadismo e o pessimismo que pontuavam suas ações e substituí-los por uma crença em si e na raça humana – afinal, conhecer Superman trouxe isso a ele. Já Gal Gadot estabelece a Mulher-Maravilha como uma figura forte, independente (“Eu não pertenço a ninguém”, diz ao Lobo da Estepe) e sempre encarada por Snyder como um símbolo de inspiração (ao contrário de Whedon, que se limitava a objetificá-la como um sex symbol), ao passo que Henry Cavill surge em sua versão mais serena de Superman, encerrando a jornada do kryptoniano ao retratar como só a morte (seguida pela ressurreição) pôde trazer a ele a experiência e o autoconhecimento que precisava antes de poder liderar a Liga.

(Aliás, se um dos maiores problemas de Zack Snyder nos filmes anteriores – e de Bryan Singer em Superman: O Retorno – residia na forma óbvia com que martelava suas alegorias bíblicas, aqui ele encontra formas narrativamente mais convincentes de encaixá-las: antes, o cineasta forçava cenas tolas apenas para mostrar que sabia aquilo que todos já sabiam – que Superman pode ser encarado como uma releitura de Jesus Cristo –; agora, ele tem motivos naturais para fazê-lo. Neste sentido, o plano que traz o herói em contraluz, diante do Sol, logo após vestir seu uniforme preto é lindíssimo em função do otimismo que denota: para Snyder, Jesus pode até não ter retornado no mundo real, mas ao menos Superman pôde retornar na fantasia – e isto, para ele, é o que basta.)

Mas, claro, Batman, Mulher-Maravilha e Superman são apenas três personagens de Liga da Justiça – e, como os outros três heróis não tiveram a oportunidade de ganhar seus filmes solo antes, Snyder faz bem em dedicar grande parte da narrativa a mostrar de onde eles vieram (algo que Whedon eliminou por completo, infelizmente). Assim, o Aquaman deixa de ser apenas um avatar do próprio Jason Momoa e passa a se tornar uma figura que, embora viril e marrenta, é obrigada a lidar com a dor de não saber, afinal, a que mundo pertence, recusando o chamado constante de Atlântida mesmo que também não se encaixe totalmente no solo dos humanos; o Flash se torna algo mais que um alívio cômico irritante, agora soando de fato convincente como um adolescente que subitamente se descobre em uma situação grande demais para ele e que se vê obrigado a superar seus medos não só para salvar o mundo, mas também para consertar a relação com o pai e… ora, pagar as contas (e confesso que, desta vez, ao menos consegui rir de algumas de suas piadas, como aquela em que se esquiva dos tiros de um parademônio); e o Cyborg, à sua maneira, se estabelece como o grande injustiçado da versão de Whedon, já que sua história de origem se apresenta também como o momento mais fascinante de todo o “Snyder Cut”. Antes, o Cyborg era… sei lá o que fosse; agora, é um garoto cuja vida pregressa já era um vazio difícil de ser preenchido (ausência do pai; ausência da mãe; exclusão social movida por racismo; etc) e cujo acidente que o transformou em máquina veio apenas para tornar mais urgente sua busca por autoaceitação – e há um trecho específico no qual a mãe do rapaz o defende do racismo praticado pela diretora de sua escola e que acaba refletindo o racismo que o próprio ator, Ray Fisher, sofreu atrás das câmeras ao ter sua participação quase que inteiramente limada por Joss Whedon.

O Lobo da Estepe, por sua vez, continua não sendo o mais interessante dos super-vilões – e me irrita um pouco a mania que Hollywood tem de escalar atores com vozes marcantes (Ciarán Hinds, Benedict Cumberbatch, Oscar Isaac, etc) apenas para distorcê-las na pós-produção, transformando-as na mesma voz grave e artificial de sempre. Por outro lado, isso não diminui a eficiência dos esforços de Snyder ao desenvolver o vilão aqui, transformando-o em uma figura infinitamente mais intrigante que o boneco digital horroroso que vimos em 2017 e que é humanizada em função da amargura que sente ao adotar uma posição submissa diante de seu líder (aliás, Snyder aproveita as quatro horas de projeção para introduzir e tornar inteligível até mesmo Darkseid, que aqui ocupa o posto de “chefão que subsidia o vilão da vez e que provavelmente será/seria o vilão da próxima”). Além disso, o visual do Lobo se mostra bem mais intimidador e criativo, sem contar que o fato de ele machucar seus oponentes a ponto de fazê-los sangrar ajuda a torná-lo mais ameaçador.

É uma pena, portanto, que os últimos 20 minutos de Liga da Justiça se resumam a uma tentativa frágil e bagunçada de preparar terreno para um universo DC que hoje sabemos que nunca se concretizará, soando deslocados de todo o resto da narrativa (como se fossem uma imensa cena pós-créditos puxada para antes destes) e merecendo penalização só por ressuscitarem o maldito Coringa de Jared Leto (numa decisão tão inteligente quanto, sei lá, reeleger Fernando Collor de Mello para presidente). Para piorar, se a segunda (e última) aparição do Caçador de Marte é eficiente por demonstrar a naturalidade com que Bruce Wayne reage à chegada de seres alienígenas (afinal, estes não são novidade para ele), a primeira surge como uma trapaça decepcionante depois de uma cena até então tocante e sensível entre Martha Kent e Lois Lane.

De todo modo, embora continue a não ser fã incondicional do estilo particular de Zack Snyder, fico feliz por vê-lo concluir sua passagem pelo universo DC em paz (afinal, como falei no início, a questão é mais que puramente profissional). E, por mais conturbada que tenha sido esta etapa da carreira do cineasta, é louvável que ele ao menos tenha conseguido encerrá-la do seu jeito.

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