O Corvo 2024 2

Título Original

The Crow

Lançamento

22 de agosto de 2024

Direção

Rupert Sanders

Roteiro

Zach Baylin e William Schneider

Elenco

Bill Skarsgård, FKA Twigs, Danny Huston, Josette Simon, Laura Birn, Sami Bouajila, Isabella Wei e Jordan Bolger

Duração

111 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Edward R. Pressman, Samuel Hadida, Victor Hadida, John Jencks e Molly Hassell

Distribuidor

Imagem Filmes

Sinopse

As almas gêmeas Eric Draven e Shelly Webster são brutalmente assassinadas quando os demônios de seu passado sombrio os alcançam. Atravessando os mundos dos vivos e dos mortos, Draven retorna em busca de vingança sangrenta contra os assassinos.

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O Corvo (2024) | Crítica

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É uma pena que essa nova adaptação de O Corvo, lançada exatos 30 anos após a cultuada versão de 1994, seja tão fraca, já que o projeto como um todo parte de ideias interessantes, que tinham tudo para dar certo. Em especial, admiro inicialmente a escolha de não tentar replicar a abordagem do filme clássico (que, afinal, se tornou icônica), optando por tentar construir um caminho totalmente diferente em vez de ficar se rastejando atrás da memória daquele longa. Assim, se a versão de Alex Proyas se assumia completamente como uma fábula gótica (o que lhe permitia lidar com os aspectos mais absurdos de forma mais direta, sem precisar perder tempo com pormenores ou com explicações desnecessárias), a de Ruppert Sanders resolve tentar ancorar a mesma história em uma roupagem mais sóbria que, se não chega a ser exatamente “realista” (afinal, os conceitos absurdos continuam lá), ao menos se esforça em fincar um pé no chão. Ele busca explicar o inexplicável, calcar aquela trama em algo mais mundano e explorar mais da brutalidade e da selvageria do protagonista e de seu universo.

Sim, essa abordagem traz seus problemas (os discutirei adiante), mas também traz suas virtudes. Em particular, gosto de como Rupert Sanders abandona a indestrutibilidade de Eric Draven e o transforma num cara fisicamente mais frágil do que poderíamos supôr: ele aguenta tiros, facadas e espadadas como ninguém, de fato, mas não sem se arrebentar todo no processo. Quando é esfaqueado, ele antes precisa colocar suas vísceras de volta na barriga para que, então, seu ferimento possa cicatrizar; quando é atropelado e sofre uma fratura exposta, ele antes precisa colocar o osso de volta em sua canela para que, então, possa se regenerar. Além disso, em vez de já ressurgir dos mortos sabendo lutar como um expert em artes marciais, Eric ressuscita sem qualquer domínio/técnica de combate, o que o obriga a se lançar em cenas de ação nas quais é forçado a improvisar contando com sua infalibilidade.

Nesses momentos, Sanders é hábil ao aproveitar-se da violência extrema para retratar as condições do protagonista. Em vez de se contentar com o “choque pelo choque”, com a “sanguinoleira gratuita pela sanguinoleira gratuita”, ele resolve tornar essa brutalidade fundamental para que compreendamos o funcionamento dos “poderes” de Eric – e isso culmina em uma sequência de ação que, justiça seja feita, é excelente: nela acompanhamos uma montagem paralela que entrecorta uma plateia assistindo a uma ópera e uma luta (que ocorre do lado de fora) entre o protagonista e os capangas do vilão. Além da elegância e da coesão interna alcançadas pelos montadores Chris Dickens e Neil Smith, as coreografias das brigas permitem que Eric use sua imortalidade como ferramenta contra seus oponentes: quando alguém finca uma espada em seu peito, ele resolve afundá-la até atravessar as próprias costas e, com isso, atingir o adversário que se encontrava atrás; tem até um instante em que ele decide atirar na própria barriga a fim de acertar quem estiver por trás.

Aliás, é curioso que o momento mais memorável do novo O Corvo se passe em uma ópera, já que o que menos consta nessa nova adaptação é o caráter operático que tanto marcou a versão de 1994 (o que, a princípio, não é demérito). O problema é que, ao adotar um caminho mais “mundano”, Rupert Sanders e os roteiristas Zach Baylin e William Schneider automaticamente colocam sobre si mesmos a obrigação de ter que buscar explicações “plausíveis” para todos os pormenores daquela história – até os mais absurdos –, arrancando de O Corvo seu atributo mais natural: a fantasia (ei, estamos falando de uma trama sobre um morto que ressuscita invulnerável a tiros/facadas e guiado por um corvo místico!). O resultado, porém, é que os realizadores claramente não dão conta da tarefa: por mais que os personagens vivam falando e repetindo monólogos chatíssimos que explicam as regras daquele universo (algo que o filme de 1994 dispensava, já que se comunicava mais por imagem do que por exposição barata), nem isso é suficiente para tornar menos absurda, por exemplo, a razão para Eric Draven retornar do purgatório e ganhar seus “poderes”; serve apenas para torná-la mais confusa.

Ou seja: a impressão que fica é a de que o longa tenta rejeitar sua própria natureza fantástica, mas percebe, no meio do caminho, que isso é um exercício impossível (ou, no mínimo, que os realizadores não têm condições de resolver tal exercício). O resultado é um filme que termina perdido entre os dois mundos: tenta se distanciar de sua natureza fabulesca, mas sempre sente o peso desta acorrentado em seus pés; tenta apresentar-se “pé no chão”, mas não tem capacidade/talento para ancorar a fantasia no mundo real e nem resiste à tentação de incluir na narrativa um supervilão (interpretado por um Danny Huston no piloto automático) com poderes claramente sobrenaturais. Isso se reflete até mesmo na direção de Rupert Sanders, que já não é um diretor particularmente eficaz ou inventivo (seus trabalhos anteriores são Branca de Neve e o Caçador e a versão live-action de Ghost in the Shell), mas que aqui fica tão indeciso entre qual abordagem seguir – algo mais “mundano” ou algo mais fantasioso – que acaba não chegando a resultado algum. Não há um traço de personalidade própria, identidade autoral ou criatividade estética aqui – algo que se torna ainda mais embaraçoso quando comparado ao espetáculo visual que era o trabalho de Alex Proyas no longa de 1994.

Mas o mais decepcionante em O Corvo é perceber como o filme até tem boas ideias sobre como desenvolver seus personagens, mas termina jogando-as no lixo. Se a versão de 1994 não mostrava praticamente nada do passado do protagonista (preferindo construir a vingança do personagem menos através de lembranças e mais através do luto, no presente), essa nova adaptação opta por dedicar toda a primeira metade da narrativa a mostrar como Eric e Shelly se conheceram, se apaixonaram e viveram (brevemente) um relacionamento cheio de afeto e carinho para que, lá na frente, sintamos com mais intensidade a tragédia que acomete o casal. Ok, até aí tudo bem. O problema é que não adianta muito se concentrar por tanto tempo no passado (e na origem) daquela relação se, na prática, os dois personagens serão indivíduos desinteressantes, aborrecidos e sem personalidade que vivem de repetir frases de amor protocolares entre si (por mais que FKA Twigs se esforce ao máximo para conferir alguma intensidade a Shelly). A consequência disso é que, quando finalmente chega o momento em que os dois são assassinados, fica difícil para o espectador sentir o impacto daquela tragédia com a intensidade que os realizadores desejavam, já que a construção daquele relacionamento falhou em nos envolver emocionalmente. Em outras palavras: de que adianta explorar uma nuance que o filme de 1994 deixava passar se, no fim das contas, o que essa nova adaptação trará no lugar ainda assim será uma página em branco? É como trocar seis por meia dúzia.

Para piorar, se Brandon Lee trazia complexidade dramática a Eric Draven e fazia um trabalho soberbo ao equilibrar dor, imprevisibilidade, espontaneidade e bom humor a um personagem que poderia facilmente reduzir-se a uma nota só (tornando-o simultaneamente atormentado e divertido), aqui tudo que Bill Skarsgård tem a oferecer é… cruzar os 111 minutos de projeção com o mesmíssimo carão fechado, sem qualquer tipo de oscilação (isso antes e depois de ele passar pela transformação que o converte em super-anti-herói).

Pois acaba sendo um reflexo preciso, mas bastante infeliz, do que é essa nova adaptação de O Corvo: uma obra desinteressante e que não se garante com nada que propõe.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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