É curioso notar como a ganância da indústria cinematográfica retratada por remakes, continuações e reboots, por vezes, soa mais como um conjunto de tentativas esforçadas e frequentes de destruir clássicos da Sétima Arte. Entretanto, nem sempre estes caça-níqueis são bem sucedidos neste ponto de vista graças justamente à magnitude das obras que os originaram: por mais que tentem, jamais conseguirão invalidar o legado de determinadas películas consagradas. Não há como afirmar, por exemplo, que O Exterminador do Futuro se trata de uma franquia cinematográfica exemplar em termos de qualidade, mas embora os fracos A Rebelião das Máquinas e A Salvação comprometam a cinessérie de modo geral, nada jamais abalará os magníficos longas dirigidos por James Cameron em 1984 e 1991. E é exatamente quando recordamos os numerosos erros já cometidos na franquia que ficamos ainda mais impressionados com Gênesis, um misto de refilmagem e recomeço que, além de ser mais um acréscimo grosseiro à lista de prováveis tentativas de destruir a série O Exterminador do Futuro, ainda consegue a incrível proeza de ser o pior dos cinco longas realizados até então de uma maneira que poderia ser descrita como “inacreditável”.
Roteirizado por Laeta Kalogridis (Desbravadores e Ilha do Medo) e Patrick Lussier (Drácula 2000 e Fúria Sobre Rodas), o quinto O Exterminador do Futuro se inicia no futuro pós-apocalíptico de 2029 com tudo aquilo que já conhecemos graças aos longas anteriores: as máquinas lideradas pela Skynet se rebelaram contra os humanos, dando início à uma guerra entre os seres cibernéticos e os responsáveis por suas origens. Perdendo o combate, as máquinas optam por mandar um T-800, também conhecido como Terminator, ao ano de 1984 para assassinar a jovem Sarah Connor e, como consequência, impedir o nascimento de John – o líder da resistência humana no temível futuro de 2029 -, o que leva os humanos a enviar Kyle Reese ao passado para impedir a vitória dos robôs. Caso este resumo spoilers da narrativa de Gênesis se torne confuso ou sem sentido a partir daqui, culpem o filme: ao chegar em 1984, Reese descobre que Sarah cresceu junto a outro Terminator que havia sido enviado a um passado ainda mais distante para… enfim. Então surge T-1000, um robô de “metal líquido”, para matar Connor… e depois os heróis vão ao futuro para impedir que a Skynet seja ativada… mas aí são obrigados a encarar um novo vilão… e temos O Exterminador do Futuro: Gênesis! (Quando uso muitas reticências ao descrever uma trama, é porque certamente há algo muito errado, na melhor das hipóteses.)
Enquanto O Exterminador do Futuro 1 e 2 (e o terceiro, por que não?) utilizavam a ficção científica como um interessante modo de se chegar à adrenalina e tensão de acompanhar pessoas comuns – por vezes acompanhadas de um ciborgue – sendo obrigadas a fugir de um robô assassino, este quinto filme opta por dar maior importância a conceitos como viagem no tempo, duplas linhas temporais e física quântica. Lamentavelmente, Gênesis comete o erro catastrófico de confundir complexidade conceitual com qualidade artística e ainda aparenta se julgar mais inteligente do que realmente é. Como resultado, o roteiro se excede na numerosidade de ideias ridículas, cada uma delas é apresentada da maneira mais mirabolante possível, o longa é sempre sabotado pelo que parece ser uma regra autoimposta de trazer uma nova reviravolta a todo momento e compreender a narrativa da película acaba se transformando num exercício quase que impraticável. Como se não bastasse, o filme encara como necessidade encontrar uma explicação para cada ideia independente de quão absurda for, o que além de tornar óbvio menosprezo por parte da obra com relação à inteligência do seu público, ainda corrobora para que tais conceitos se tornem ainda mais estúpidos (a fúria é invariavelmente despertada sempre que a física quântica é mencionada).
Prejudicado por sua campanha de divulgação impiedosamente reveladora cujos trailers e cartazes se responsabilizaram por estragar todas as surpresas (independente da qualidade destas) arquitetadas cautelosamente por roteiristas e diretor, Gênesis ainda testa a suspensão da descrença do espectador de forma ininterrupta, desafia o bom senso de modo autoindulgente e falha gravemente ao sequer concluir boa parte dos conceitos que elabora por acreditar que poderá fazê-lo numa continuação – e devo aconselhar o leitor que ainda não assistiu ao filme a saltar este parágrafo, pois a partir daqui, será composto basicamente por SPOILERS. Eu tenho até medo de dizer que o T-1000 é absolutamente dispensável, já que o roteiro é louco ao ponto de sequer permitir de pensemos em entender a função do personagem. Por que diabos um T-800 foi mandado à época da infância de Sarah Connor? Para protegê-la? De que ameaça, como e enviada por quem? Vocês realmente esperam que eu não estranhe que T-1000, apenas por deixar que parte de seu “metal líquido” caia no crânio aberto do T-800 maligno, consiga reativar este segundo robô? Mas estes são apenas detalhes. Afinal, o que era o Genisys? Apenas um relógio para o despertar da Skynet? Um sistema que ia interligar todos os devices? Céus, 2017 não é mais um futuro tão distante assim! John Connor é mandado ao passado para matar os próprios pais antes de nascer?! Como T-800, um ciborgue sem ligações com a Skynet, é capaz de construir uma máquina do tempo em 1984 enquanto John Connor, recém-transformado em máquina assassina, não consegue em 2017?! Por que T-800, ao tentar embarcar com o vilão numa viagem no tempo mal sucedida, se manteve no presente e foi atualizado, ganhando poderes transmorfos? Ah, malditas linhas temporais variadas…
Mas independente do roteiro estapafúrdio, Gênesis até poderia servir como um passatempo bastante razoável se ao menos oferecesse atrativos avulsos capazes de garantir alguma diversão; o que não é o caso. Contando com uma montagem inexpressiva de Roger Barton que, no máximo, desperta saudades do excepcional trabalho de John Ottman em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (outro longa cuja temática envolvia viagem no tempo), o filme gasta seus primeiros 20 minutos (creio eu) narrando de maneira entediante o que era resumido em flashfowards pontuais e breves narrações em off nas três primeiras películas da franquia: no futuro, onde as máquinas haviam aniquilado grande parte da raça humana, os seres cibernéticos estavam perdendo a guerra contra seus criadores e decidem mandar um robô assassino ao passado e blábláblá. A partir daí, somos atirados em meio a sequências de ação frequentes e extensivas que provocam o tédio em vez de despertarem qualquer empolgação intercaladas com diálogos estúpidos quando procuram desenvolver (leia-se: tornar a narrativa muito mais complexa que o necessário) e expositivos quando tentam conferir algum tipo de profundidade aos personagens.
É nas sequências de ação, inclusive, onde se torna facilmente reconhecível a natureza televisiva do diretor: conhecido por alguns episódios de Game of Thrones e Mad Men e responsável pelo horrível Thor 2: O Mundo Sombrio, Alan Taylor conduz os momentos mais explosivos e enérgicos do novo O Exterminador do Futuro de forma amadora e nada inspirada, o que automaticamente impede que as cenas de ação tragam qualquer atrativo minimamente efetivo e, por consequência, se tornem terrivelmente tediosas. Como complemento, a suspensão da descrença do espectador é posta à prova de maneira invencível em praticamente todas as sequências de ação, e aceitar um conceito criado pelo próprio filme é diferente de encarar algo existente na realidade ultrapassando os próprios limites (basta analisar os helicópteros que se movem como caças militares). Para piorar, os efeitos visuais absolutamente artificiais tendem a transformar as perseguições e combates físicos ainda mais sintomáticos – e vale ressaltar que a recriação digital de Arnold Schwarzenegger jovem, embora não seja precária como a vista em A Salvação, ainda é falsa demais para garantir qualquer elogio.
Aliás, é incrível como O Exterminador do Futuro: Gênesis acredita estar exercendo um ótimo trabalho na concepção de um roteiro complexo (quando, na realidade, é apenas idiota e sem sentido) ao ponto de julgar irrelevante a composição de personagens satisfatoriamente densos. Com isso, a Sarah Connor durona por necessidade e psicologicamente abalada e o Kyle Reese vulnerável física e emocionalmente são esquecidos para serem transformados em heróis insípidos e imbatíveis, características que Emilia Clarke e Jai Courteney parecem fazer questão de potencializar com atuações que não chegam aos pés nem mesmo das habilidades interpretativas de uma porta. Como complemento, Jason Clarke surge na pele do vilão mais caricatural já visto nos cinco filmes e possivelmente nos últimos blockbusters hollywoodianos, trazendo uma vaidade capaz de fazer o Dr. Destino das HQs e o Zod vivido por Terrence Stamp em Superman 2 corarem (com direito a falas como “Não há balas que possam me afetar” e “Não tenho compaixão, pesar ou medo“).
Enquanto o personagem de J.K. Simmons (você acabou de ganhar o Oscar por Whiplash e me faz… isto?!) é absolutamente descartável, o único que aparenta se esforçar de alguma forma é Arnold Schwarzenegger, mas nem mesmo seu carisma inegável ou a clara impressão de que está se divertindo imensamente ao reviver T-800 são capazes de impedir o embaraço provocam por um roteiro que insiste em inserir na narrativa infinitas piadas que, além de terrivelmente malfadadas, destoam completamente do que deveria ser o tom ideal de um longa da franquia O Exterminador do Futuro. No processo, Schwarzenegger é forçado a compor tentativas de humor fracassadas relativas à dificuldade com a qual T-800 evolui como “ser humano” que oscilam entre o ridículo e o vergonhoso.
Gênesis, contudo, serve como o exemplo máximo da influência tristemente negativa que os sucessos do Marvel Studios exercem sobre algumas outras franquias hollywoodianas: as reviravoltas em excesso, os momentos que deveriam ser empolgantes, as sequências de ação que se pretendem grandiosas, as piadinhas corriqueiras e o drama ocasional parecem tentar convencer o espectador de estar diante não apenas do resgate de uma série “das antigas”, mas de um legítimo filme de super-herói. E isto faz tanto sentido quanto… o resto do filme em si.