O Processo (1)

Título Original

O Processo

Lançamento

17 de maio de 2018

Direção

Maria Augusta Ramos

Roteiro

Maria Augusta Ramos

Elenco

Dilma Rousseff, Lindberg Farias, Gleisi Hoffmann, José Eduardo Cardozo e Janaína Paschoal

Duração

137 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Leonardo Mecchi

Distribuidor

Vitrine Filmes

Sinopse

O documentário mostra a crise política que afeta o Brasil desde 2013 sem nenhum tipo de abordagem direta, como entrevistas ou intervenções. Acompanhe imagens das votações e discussões que determinaram a destituição da presidente Dilma Rousseff.

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O Processo | Crítica

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Uma tomada aérea se aproxima do Congresso Nacional, com suas duas torres centralizadas ao fundo. Nas ruas e gramados localizados em frente ao edifício, dois grupos completamente distintos encontram-se separados: à esquerda do plano, perto do Palácio do Planalto, vários cidadãos vestidos de vermelho se opõem ao impeachment de Dilma Rousseff; à direita, há um coletivo que ostenta as cores da bandeira brasileira e torce para que a presidente seja derrubada. Esta imagem – surgida ainda nos primeiros minutos de O Processo – não poderia ser mais simbólica: antes de se posicionar contra ou a favor do fato histórico que está sendo revisitado, o novo documentário da diretora Maria Augusta Ramos é um retrato da polarização que infelizmente tomou conta do Brasil nos últimos anos.

Só isto já dificulta a tarefa de escrever sobre O Processo, uma obra que claramente assume um posicionamento político e não faz questão de escondê-lo atrás de falsas promessas de imparcialidade – no caso, o filme defende a ideia de que o impeachment movido contra Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos em 2014, foi um golpe de Estado. Ora, o mandato de Michel Temer ainda não acabou e o Brasil continua dividido entre os que apoiaram e os que repreenderam o caos relembrado aqui (é bizarro, por exemplo, constatar que alguns eventos retratados na tela ocorreram há tão pouco tempo). Assim, quem concorda com o que é dito e mostrado em O Processo talvez simpatize mais facilmente com o longa, ao passo que muitos daqueles que torceram pela queda de Dilma provavelmente entrarão na sala de cinema com uma antipatia pré-estabelecida e atacarão o resultado final de qualquer jeito.

É aqui, inclusive, que podem começar as dúvidas quanto ao que estou escrevendo neste texto: até que ponto o crítico deve afastar suas opiniões políticas ao exercer sua função (a de estudar a linguagem do Cinema aprofundando-se na forma e nos temas abordados pela obra analisada)? Pois é óbvio que filmes e séries que promovem discursos dos quais discordo podem, sim, conquistar status de obras-primas, já que a construção entorno destas pode ser impecável. Ok, é verdade que reprovei Polícia Federal: A Lei é para Todos O Mecanismo, que defendiam ideias com as quais não compactuo – a diferença é que, além de tolas e desonestas, estas duas produções eram também ineficazes em suas abordagens, algo que O Processo certamente não é.

Dirigido pela mesma Maria Augusta Ramos de JustiçaJuízoMorro dos Prazeres Futuro Junho, este é um documentário que, como o próprio título indica, acompanha o processo de impeachment que tirou o PT do poder após 14 anos. Desta forma, a projeção já começa retornando ao fatídico 17 de abril de 2016, quando uma verdadeira baderna se instalou na Câmara dos Deputados a fim de definir, com votos de “Sim” ou “Não”, se Dilma Rousseff permaneceria na presidência da República. (Você entende que, independente de discordar ou concordar com o resultado da votação, o momento em si foi uma farra das mais vergonhosas, certo?) Após este início assustador, o filme vai se desenrolando até culminar em 31 de agosto daquele mesmo ano, quando a presidente foi deposta e Temer assumiu de vez o cargo – e potencializando uma instabilidade que perdura até hoje e seguirá até… sei lá quando.

Do ponto de vista puramente estético e formal, O Processo é fabuloso: repleto de imagens memoráveis e que acabam se tornando simbólicas graças ao que veio a acontecer na vida real, o filme comprova que Maria Augusta Ramos não ligou a câmera apenas para capturar os rostos e diálogos que lhe são convenientes, utilizando o potencial visual que tem à disposição para contar uma história a partir de planos emblemáticos – e se citei, no primeiro parágrafo, aquele que traz o Congresso Nacional separando a população em dois blocos ideológicos, outro quadro que merece destaque é aquele que mostra a cadeira de Dilma Rousseff vazia antes de uma reunião, já que inexoravelmente acaba prevendo o destino da presidente antes deste se consolidar (e não se enganem: todos – incluindo a cineasta – sabiam que o impeachment se completaria). Mas nada se compara ao quadro que encerra o longa e que sugere um reflexo objetivo daquilo que o Brasil se tornou de uns anos para cá: uma enorme cortina de fumaça. Poético, não?

Além disso, a montadora Karen Akerman realiza um milagre ao resumir um processo que durou quatro longos meses em sucintos 137 minutos, alcançando uma fluidez admirável ao saltar entre diversas figuras públicas e dois grupos com ideologias particulares – e isto, junto à precisão de Maria Augusta Ramos ao escolher as informações que surgirão aqui, torna O Processo em uma obra que consegue explicar cuidadosamente o impeachment até mesmo para quem não acompanha política o tempo todo; o que não significa, por outro lado, que o filme trate o espectador como completo alienado e ofereça um conteúdo mais didático que o necessário. Ainda assim, todo mundo sabe que essas sessões ocorridas em Brasília se resumem à pura baixaria na maioria das vezes – e a decisão de expor isso repetidamente, por volta da metade da projeção, acaba fragilizando um pouco o ritmo da narrativa.

Tomando uma postura anti-impeachment que fica clara desde o título do projeto (que remete ao livro homônimo de Franz Kafka, como Lindberg Farias diz em certo instante), O Processo faz um trabalho competente ao empregar imagens de arquivo, textos explicativos pontuais e áudios grampeados na hora de defender sua tese, não se restringindo somente às conversas que aconteceram entre os defensores de Dilma. Aliás, toda a base argumentativa adotada por Maria Augusta Ramos é bastante consistente, estabelecendo cautelosamente as denúncias por trás do processo e apresentando bem os bastidores de uma situação que a diretora enxerga como um circo armado – em contrapartida, este é um filme que não desafia suas convicções nem consegue oferecer o outro lado da moeda, já que pouquíssimo material se aprofunda nos nomes da direita. (Claro que este é um problema que Ramos dificilmente poderia contornar, pois ela mesma afirmou em entrevistas que não tentou, mas não conseguiu acesso às reuniões dos parlamentares favoráveis ao impeachment. Porém, o problema permanece de qualquer forma.)

Mas não se pode dizer, porém, que o longa é desonesto ao abordar certos antagonistas da história: quem costuma se enojar ao ver os rostos de Jair Bolsonaro, Aécio Neves e Eduardo Cunha obviamente experimentará o mesmo asco ao reencontrá-los aqui; convém, por exemplo, que uma das frases mais comprometedoras de Romero Jucá (“Tem que mudar o governo para estancar essa sangria“) seja repetida; e Janaína Paschoal exibe uma tendência à teatralidade e ao questionável que, convenhamos, faz parte de sua persona pública. Paschoal, diga-se de passagem, protagoniza alguns dos melhores momentos do filme: embora o conteúdo saído de sua boca oscile entre o lamentável e o hilário, a jurista provoca boas gargalhadas (quase) sempre que surge em cena.

E há, claro, o outro lado da moeda – no caso, aquele que encara o processo como um golpe: revelados como um grupo desenganado que já entendeu que o impeachment se concretizará de qualquer jeito, os defensores de Dilma sabem que estão num jogo cujo placar final foi previamente decidido, observando a situação como uma batalha perdida, mas que nem por isso deve fazê-los desistir da guerra como um todo. Mas não é só: ao contrário dos heróis de Polícia Federal: A Lei é para Todos O Mecanismo, que soavam como caricaturas genuinamente angelicais e imaculadas, os protagonistas de O Processo são seres humanos que têm interesses próprios, tomam atitudes questionáveis e cometem falhas notáveis – Lindberg Farias espera Janaína Paschoal sair de uma sessão para acusá-la de algo, o que não é correto; Gleisi Hoffmann admite que o governo de Dilma apresentou imperfeições; um personagem não parece entender ao certo o que está acontecendo; e etc.

Por fim, este novo trabalho de Maria Augusta Ramos basicamente comprova que um filme pode, sim, tomar um partido; basta ser bem-sucedido em seus aspectos técnicos e defender sua tese de maneira suficientemente lúcida e elaborada. Quem vai dizer se O Processo está certo ou errado será o tempo, mas por enquanto dá para afirmar que trata-se, no mínimo, do retrato de uma época. E mais: tenho certeza absoluta de que, daqui a alguns anos, este documentário será reprisado em faculdades e aulas de História, pois captura com precisão a melancolia de um Brasil cada vez mais caótico, intolerante e deformado.

Não há, portanto, uma sensação positiva que acompanhe o espectador depois que as luzes do cinema se acendem – e quando Dilma Rousseff surge, nos minutos finais, desejando que o povo siga com a cabeça erguida após este momento difícil, logo percebemos que a tarefa será meio complicada, já que a cortina de fumaça mostrada no desfecho seguirá por tempo indeterminado.

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