Inspirado na série de livros infantis criada pelo inglês Michael Bond em 1958 (e adaptada algumas vezes para a TV), As Aventuras de Paddington chegou aos cinemas em 2014 e revelou-se uma grata surpresa – tanto que, quando finalmente assisti ao filme depois de relegá-lo por mais de três anos, fiz questão de lamentar meu erro: dirigido por Paul King de maneira sempre criativa e afiada, o longa era apropriadamente narrado em tom de fábula, contava com uma inocência que contagiava sem menosprezar a inteligência de seu público-alvo (as crianças) e ganhava uma força ainda maior graças ao seu carismático protagonista, que estrelava situações divertidas e comprovava o senso de humor doce, mas perspicaz do bom roteiro (também assinado por King).
Assim, é um alívio que, como seu antecessor, Paddington 2 mostre mais uma vez que existem obras que funcionam tanto para os pequenos quanto para os adultos responsáveis por acompanhá-los ao cinema, aprimorando o que já tinha sido feito muito bem no primeiro filme e alcançando resultados ainda melhores. Novamente escrita por Paul King – desta vez em colaboração com Simon Farnaby –, esta continuação volta a se concentrar no urso peruano que mora na residência dos Brown, em Londres, que agora se esforça para conseguir dinheiro e comprar um livro pop-up para presentear sua tia Lucy. O que Paddington não espera, porém, é que um ator chamado Phoenix Buchanan trabalha como ladrão nas horas vagas e está interessado no mesmo item, dando um golpe a fim de conquistá-lo e, de quebra, mandar o protagonista para a prisão.
Preservando o aspecto fabulesco e infantil (no bom sentido) que havia no primeiro, Paddington 2 é dirigido com elegância e inteligência por Paul King, que, logo nos quinze minutos iniciais, reintroduz os Brown através de um plano longo que passeia pela cozinha em busca dos rostos de cada membro da família e, pouco depois, inclui uma passagem belíssima (num “plano-sequência” simulado) em que Paddington imagina um passeio por Londres (toda concebida como se fosse páginas de um livro pop-up) ao lado da tia Lucy. Mas as brincadeiras com a linguagem não param por aí, já que, em dois momentos distintos, a ilustradora vivida por Sally Hawkins fantasia situações e decifra segredos substituindo o que vê à sua frente por rabiscos imaginários – e por falar nesta personagem, vale apontar o ótimo trabalho dos montadores Jonathan Amos e Mark Everson, que aproveitam o travelling para cima que King roda em certo instante a fim de transitar sutilmente para outra cena (também iniciada com um travelling para cima, trazendo Hawkins prestes a mergulhar).
Outro que se destaca é o designer de produção Gary Williamson, que acerta ao apostar no exagero teatral sempre que mostra os cenários ocupados pelo vilão e investe pesadamente em cores intensas, transformando Londres numa cidade notavelmente lúdica e divertindo-se ao contrastar, numa sequência específica, o roxo do chapéu, do paletó, das botas e das meias vestidas por Phoenix Buchanan com o verde de sua bermuda. Essa preferência por uma paleta de cores mais vibrante, por sinal, é devidamente ressaltada pela soberba fotografia de Erik Wilson, que constantemente põe o azul da noite para envolver os tons fortes e alegres presentes no restante das composições – o curioso, no entanto, acontece quando a narrativa passa a se situar numa prisão: nestes instantes, a saturação e o contraste tornam-se menores (quase – eu disse “quase”! – como se a imagem estivesse “bruta”, sem pós-produção ou correção de cores), indicando um tom mais amargo sem deixar de lado, é claro, o rosa chamativo que salta dos uniformes dos presidiários.
De todo modo, o que faz de Paddington 2 uma experiência tão agradável é, em primeira instância, o próprio urso que dá título ao longa: servindo como um bom exemplo para as crianças, Paddington é um sujeito cuja visão de mundo e princípios morais podem até ser inocentes, mas mesmo assim são efetivos (não é à toa que as ações naturalmente caridosas do personagem estão sempre alegrando e ajudando os que estão ao seu redor). Mas não é só: a ingenuidade e o desconhecimento acerca de alguns costumes sociais estão o tempo todo colocando o protagonista em situações que provocam o riso – e, por conta disso, o desempenho de Ben Whishaw torna-se essencial para que o senso de humor de Paddington seja bem-sucedido, contrapondo a sisudez sugerida pela gravidade de sua voz com a pureza do que está dizendo e com as trapalhadas que está estrelando. Há, também, o outro lado do espectro, que é representado por um Hugh Grant que claramente se diverte ao transformar Phoenix Buchanan que consegue ser leve e pouco ameaçador sem deixar de soar como um desafio para o herói.
Investindo numa veia cômica que não depende necessariamente de palavras para fazer rir (o corte seco que revela as consequências de uma meia vermelha numa máquina de lavar, por exemplo, é bem-sucedido neste sentido), Paddington 2 adota um senso de humor que funciona também ao enfocar o absurdo sob uma ótica rápida e sutil, despertando gargalhadas quando o personagem-título surge pedindo seriedade embora esteja usando uma máscara/coroa de frutas. Além disso, o diálogo que envolve um guarda e o protagonista escondido numa lixeira é igualmente hilário, ao passo que o tradicional flashback que mostra a juventude gloriosa dos pais da família Brown é tão engraçado quanto a inspirada cena passada num barbeiro – e que se desdobra, inclusive, numa sequência ambientada num tribunal, incluindo um provável comentário social que aborda a lamentável parcialidade de um juiz na hora de exercer seu ofício.
Mas mesmo que eu tente buscar algum subtexto mais engajado no roteiro, a verdade é que o trunfo de Paddington 2 é sua visão de mundo doce e otimista – algo que, de novo, talvez não ocorresse se o projeto não abraçasse sua proposta infanto-juvenil com tanta determinação. Obviamente ambientado num universo onde o mal não chega a ser perverso como é na realidade, mas é suficientemente doloroso para que Paddington sinta medo do abandono e seja privado de satisfações menores (ao pedir que um guarda lhe conte uma história de ninar, este responde “Desculpe, criança, mas não contamos histórias de ninar aqui“), o filme demonstra que, apesar destes pesares, manter a cabeça erguida e pensar de forma positiva é fundamental, evidenciando que até os mais ameaçadores dos detentos podem se redimir e os ganhos que o otimismo tendem a gerar são inquestionáveis – aliás, confesso que não esperava ficar emocionado com o desfecho da trama, que encontra uma recompensa tocante para o protagonista e surpreende o espectador ao fazê-lo se dar conta do quanto se apegou aos personagens todos.
Contando com um orçamento menor que o do filme anterior (o que é inesperado), Paddington 2 é a prova de que é perfeitamente possível encantar as crianças sem tratá-las como estúpidas, deixando claro de uma vez por todas que besteiras como Scooby Doo, Garfield e Zé Colmeia merecem somente a reprovação. Agora resta torcer para que o terceiro capítulo mantenha o excelente padrão de qualidade que a série vem apresentando até aqui – afinal, é no mínimo justo supor que este urso ainda deve render boas aventuras no Cinema.