Para mim, um bom prequel é aquele que consiga complementar a obra que o inspirou, mas ao mesmo tempo saiba introduzir o público leigo no contexto e no universo da obra – e não é por acaso que muitos prelúdios obtêm resultados decepcionantes investindo descuidadamente em referências que soam gratuitas e evidenciando a natureza caça-níqueis de alguns destes projetos. Felizmente, o caso de Rogue One não poderia ser mais satisfatório: por um lado, o filme pode funcionar perfeitamente para aqueles que estiveram em Marte nos últimos 40 anos e nunca assistiram a um único capítulo de Star Wars; por outro, quem já visitou a “galáxia muito, muito distante” que George Lucas concebeu na década de 1970 provavelmente chegará ao fim deste novo longa instigado a rever com urgência o Episódio IV.
Roteirizado por Tony Gilroy (dos três primeiros Bourne) e Chris Weitz (cuja carreira não é das mais apreciáveis), a película traduz em 133 minutos as informações contidas no letreiro que deu início à série em 1977 e se situa pouco antes de Uma Nova Esperança, apresentando-nos à jornada dos guerrilheiros que se esforçaram ao máximo para obter os planos da Estrela da Morte e repassá-los para a Aliança Rebelde, que deseja acabar com a tirania do Império e devolver a harmonia à galáxia. Com isso, a jovem Jyn Erso se junta ao rebelde Cassian Andor, ao lutador Chirrut Îmwe, ao mercenário Baze Malbus, ao robô K-2SO e ao desertor imperial Bodhi Rock, formando então o time Rogue One na luta contra o governo hostil que conta com o poder de dizimar planetas inteiros.
Distanciando-se dos demais Episódios da saga ao investir num clima mais opressivo e pesado do que o habitual, Rogue One é um Star Wars bem mais focado em “Wars” do que em qualquer outra coisa: desde a sequência inicial (que lembra de leve Bastardos Inglórios) até os planos engenhosos dos rebeldes (que envolvem várias ações que desencadearão outras), o longa soa menos como uma aventura escapista e mais como um filme de guerra, com direito a eventos que trazem consequências reais e palpáveis aos heróis. Além disso, é interessante notar que, no intuito de criar um projeto que se diferencia das suas origens, a produção faz questão de deixar de lado algumas convenções da franquia, como o letreiro que dá início à narrativa e aquelas transições entre cenas – até mesmo a frase “Eu tenho um mau pressentimento sobre isso” é empregada de modo criativo. Desta forma, o diretor Gareth Edwards (que estreou no razoável Monstros, de 2010) consegue conceber um spin-off/prequel que funciona sem depender em excesso de suas origens, mas que também nunca esquece de reverenciá-las através do retorno de velhas tradições e referências ocasionais; o que não quer dizer que não existam alguns tropeços na elaboração do fan service (e há dois antigos personagens que reaparecem de maneira gratuita e pouco orgânica).
Diga-se de passagem, Gareth Edwards aparenta ter passado por uma evolução impressionante desde que comandou a mais recente – e frustrante – refilmagem de Godzilla: se lá ele se perdia no conceito de ilustrar as batalhas entre criaturas gigantes a partir do ponto de vista dos seres humanos e transformava a mise-en-scène num caos (algo que se agravava graças à fotografia terrivelmente empoeirada e escurecida), aqui o diretor se sai muitíssimo bem coordenando a complexa guerra que ocorre no terceiro ato e que envolve vários locais, personagens e situações diferentes – e também é fundamental destacar o peso dramático causado por tal batalha, que surge bem mais tensa e impactante do que muitos outros conflitos mostrados até então em Star Wars. Ao mesmo tempo em que filma as sequências de ação com competência e sem abusar de cortes e movimentos de câmera frenéticos, Edwards ainda consegue representar corretamente a grandiosidade que envolve o clímax da narrativa – e quando os robôs do tipo AT-AT e AT-ST dão as caras, estes soam não como armas, mas como verdadeiros monstros. O mesmo pode ser dito do retorno de Darth Vader, que é pontuado através de uma sombra enorme que ressalta a imponência do antagonista (só é uma pena que sua segunda cena seja tão breve, apesar de extasiante).
Já os integrantes do time Rogue One são definidos por traços simplistas e que beiram o unidimensional, mas que ainda assim funcionam o suficiente para que o público se importe com o destino dos personagens: Cassian carrega em seu interior um passado aparentemente amargo; Chirrut é um lutador cego que poderia ser devidamente descrito como “fodão” (e gosto particularmente de seu jeito de encarar a Força como uma religiosidade); Baze é o parceiro deste último; Bodhi parece guardar uma série de inseguranças e incertezas; e K-2SO revela-se como uma adição fantástica a uma galeria de robôs/androides que já inclui C-3PO, R2-D2 e BB-8, chamando a atenção graças à sua hilária tendência de externalizar em palavras tudo aquilo que passa pela sua mente. E se o conceito intrigante por trás de Saw Gerrera acaba sendo sabotado pela interpretação exageradíssima de Forest Whitaker, a protagonista Jyn Erso é dona do arco mais significativo: se no início ela relutava em batalhar contra o Império (como se tentasse manter distância de brigas ideológicas), logo ela é obrigada a se engajar por motivos pessoais.
Beneficiado pelo equilíbrio perfeito criado entre alívios cômicos e momentos dramáticos (mérito do roteiro, que falha somente no excesso de exposição no primeiro ato), Rogue One é digno de nota em seus aspectos técnicos: seguindo os passos de J.J. Abrams em O Despertar da Força ao usufruir de efeitos práticos e deixar a computação gráfica apenas para quando for necessário, a produção acerta especialmente na concepção das naves e dos Star Destroyers, que surgem convincentes como se fossem objetos reais posicionados diante da câmera. E se o design de produção segue desempenhando um papel importantíssimo ao idealizar locações imaginativas (como o entreposto comercial localizado no meio de dois corpos rochosos), a fotografia de Greig Fraser cria um contraste belíssimo entre as cores que caracterizam cada planeta e dá origem a imagens que merecem ser ampliadas e emolduradas (como a de uma nave que pousa no meio de umas pedras), ao passo que a trilha de Michael Giacchino consegue a proeza de apresentar uma identidade própria sem deixar de remeter pontualmente ao espírito das icônicas composições de John Williams.
Tematicamente ambicioso ao estabelecer que existem dissidências dentro daqueles que se opõem ao Império (com direito a grupos fundamentalistas que remetem a movimentos jihadistas), fugindo do maniqueísmo ao esclarecer que nem todos os membros da Aliança Rebelde são moralmente razoáveis (tomando atitudes que vão de mentir até matar certas pessoas a sangue frio), Rogue One finalmente se destaca ao trazer um desfecho corajoso e que certamente seria evitado pela maioria dos realizadores acostumados a não fugir de zonas de conforto, o que testa – e comprova – o apego que o espectador já conseguiu obter pelos personagens apresentados aqui.