Investindo em uma atmosfera leve, ingênua e bem humorada, Sonic é uma produção feita sob medida para agradar – ou, no mínimo, para não desagradar – seu público: os personagens são razoavelmente carismáticos, a narrativa é frouxa e episódica, as tentativas de humor são inofensivas e os esforços estilísticos do diretor (estreante) Jeff Fowler são nulos, soando como criações que poderiam ter saído da mente de qualquer outro cineasta. Assim, não foi com surpresa que percebi que, ao tentar lembrar de algum momento realmente memorável do filme mais ou menos uma hora depois de tê-lo visto, só conseguia visualizar dois ou três flashes e, claro, as imagens que já haviam aparecido aos montes nos materiais promocionais.
Com um início que já se mostra problemático ao trazer uma narração em off do próprio Sonic explicando de forma óbvia e preguiçosa tudo aquilo que o espectador deveria descobrir por conta própria (um recurso cuja natureza expositiva torna-se ainda mais conveniente quando percebemos que o próprio filme o abandona depois de uns 15 minutos), o roteiro de Pat Casey e Josh Miller se sai melhor ao conceber momentos específicos do que uma narrativa bem amarrada, criando uma historinha simples que funciona por contar com um desenvolvimento óbvio – ainda que a falta de conexão entre as situações retratadas na tela eventualmente obrigue o filme a adotar uma estrutura de road movie que, na prática, acaba ressaltando ainda mais o fato de umas passagens serem mais interessantes que outras (e toda a sequência passada em um bar, por exemplo, quebra terrivelmente o ritmo da narrativa).
Limitando-se a obedecer às ordens dos executivos que o contrataram, o diretor Jeff Fowler nem tenta conferir uma personalidade própria ao filme, se contentando em fazer o básico necessário para que este exista. Por outro lado, é importante reconhecer a competência de Fowler ao rodar as sequências de ação: sempre permitindo que o espectador entenda com clareza a posição dos personagens nos cenários por estes ocupados, o cineasta é bem-sucedido ao ilustrar como a supervelocidade de Sonic funciona na prática, empregando bem a câmera lenta para nos fazer perceber como o herói aproveita sua rapidez para desarmar seus oponentes – e gosto particularmente de como as montadoras Stacey Schroeder e Debra Neil-Fisher constroem a cena na qual Sonic joga baseball consigo mesmo, dando a impressão de estarmos vendo personagens (sim, no plural) em lugares diferentes quando, na verdade, se trata de um único indivíduo em lugares diferentes ao mesmo tempo.
Não que Fowler ou mesmo o roteiro aproveitem bem todos os conceitos que propõem: o planeta natal de Sonic, por exemplo, é mostrado somente nos primeiros dois minutos da projeção e depois nunca mais volta a aparecer, ao passo que os anéis que abrem portais à medida que o herói os arremessa no ar – e que poderiam trazer uma dinâmica interessante às cenas de ação – só começam a ser utilizados de fato no terceiro ato, o que é uma pena. No entanto, isso não representa um problema tão grande quanto os esforços dramáticos do filme, que se revelam sempre artificiais e esquemáticos: por um lado, o conflitinho entre o casal de humanos que pensa em se mudar para San Francisco não interessa a absolutamente ninguém; por outro, a solidão de Sonic é tratada pelo próprio longa de maneira inconsistente (e confesso que, quando vi o personagem triste ao constatar que as arquibancadas de baseball ao seu redor estavam vazias, me dei conta de que seu problema não era “solidão”, mas pura vontade de ser reconhecido, o que é completamente diferente).
Dito isso, o que sustenta mesmo Sonic é o carisma de seus personagens: beneficiado por um design que preserva os traços característicos do Sonic dos games e que, ao mesmo tempo, se mostra fundamental ao torná-lo fofinho e simpático (como também fazia Detetive Pikachu), o protagonista ganha ainda mais força graças à boa performance de Ben Schwartz, que, ao emprestar sua voz ao personagem, lhe confere leveza, inocência e – o mais importante – entusiasmo, soando como um jovem empolgado com os poderes que têm em mãos e cuja personalidade enérgica faz jus à sua supervelocidade. E, se James Marsden traz graça e intensidade a um papel que tinha tudo para soar desinteressante, Jim Carrey volta a encarnar os tipos que o consagraram na década de 1990 e que vinham deixados de lado há alguns anos, transformando o Dr. Robotnik em um vilão que se destaca não por sua maldade, mas por seu temperamento incrivelmente desequilibrado, pelo narcisismo que pode ser levado a um extremo hilário através de uma sutil levantada de sobrancelha, pela postura física sempre cuidadosa em seus estrelismos e pelo tom de voz que encara cada sílaba de cada palavra como uma gag em potencial.
Pontuado por tentativas de humor repletas de altos e baixos (em uns momentos, as piadas surgem de forma espontânea; em outros, são construídas de maneira tão óbvia que suas punchlines perdem o impacto), Sonic é um filme cuja total falta de ambição acaba surtindo um efeito duplo: por um lado, torna seus erros um pouco mais fáceis de engolir; por outro, também elimina boa parte da força de seus acertos. O resultado, portanto, é uma obra moderadamente divertida, mas que certamente se beneficiaria de um pouquinho mais de personalidade.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: