Depois de George Lucas decepcionar com o pavoroso Episódio I, era de se esperar que as numerosas críticas dos fãs seriam compensadas no filme seguinte e que este segundo prequel certamente superaria seu antecessor. Bem, em parte esta previsão se mostrou correta: sim, Ataque dos Clones é melhor que A Ameaça Fantasma. Por outro lado, é uma pena que ainda assim se trate de um longa profundamente problemático e que, em vez de acertar onde o predecessor errava, apenas enfraquece eventualmente alguns defeitos e, pra piorar, apresenta novas características igualmente sintomáticas. Com isso, Episódio II pode até não ser o pior Star Wars já realizado (tal vaga ainda é ocupada pelo capítulo anterior), mas certamente é o mais chato e esquecível.
Antes de iniciar, é preciso dizer que o próximo parágrafo trará spoilers de Star Wars – Episódio II: Ataque dos Clones por uma simples razão: como o filme conta com uma trama confusa e muito mais complexa que o necessário, optei por criar um pequeno resumo deste segundo prequel da saga. Assim, nem eu nem os leitores ficaremos perdidos.
Ambientado aproximadamente dez anos após A Ameaça Fantasma, Ataque dos Clones tem início com a senadora Padmé Amidala (ex-senadora de Naboo) aterrissando em Coruscant (planeta onde se encontra o Senado Galáctico) para votar contra a formação de um exército da República, mas sofrendo um atentado orquestrado por um movimento separatista – que, por sorte, não lhe tira a vida. Assim, o chanceler Palpatine pede para que os guerreiros Jedi Obi-Wan Kenobi e seu jovem aprendiz (vulgo “padawan”) Anakin Skywalker protejam a senadora. Contudo, depois de outro ataque – novamente fracassado -, o Conselho Jedi manda Obi-Wan para investigar e deixa Anakin para garantir a segurança de Padmé; o que, por consequência, faz com que reacenda e se potencialize um interesse amoroso nos dois. Em sua investigação, Kenobi vai parar em Kamino, um planeta desconhecido até mesmo pelos arquivos da República, e descobre que um exército de clones (os futuros stormtroopers) está sendo gerado com base no caçador de recompensas Jango Fett – segundo alguns nativos, tais soldados foram exigidos há uma década pelo Jedi Sifo-Dyas (há como saber português e não rir de um nome desses?). Posteriormente, ao colocar um rastreador na nave de Fett, Obi-Wan vai parar em Geonosis, descobre que o ex-Jedi Conde Dooku (hehehe) e o vice-rei neimodiano Nute Gunray lideram o movimento separatista e estão criando um exército de droids, é preso e termina sendo ajudado por Anakin, Padmé e outros Jedi. Conclusão: os clones de Kamino apoiam os Jedi e, por fim, as Guerras Clônicas (clones X droids) têm início.
(Pausa para recuperar o fôlego e tomar um copo d’água…)
Como podem perceber, trata-se de uma trama elaborada e, à primeira vista, interessante. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do roteiro de George Lucas: cometendo o mesmo erro de Episódio I ao desenvolver uma narrativa desinteressante e excessivamente labiríntica, o longa acaba se tornando uma experiência desinteressante e esquecível – o que, por consequência, prejudica seriamente o andamento da película. (Neste momento, fico particularmente impressionado com o fato de que apontei exatamente o mesmo defeito ao escrever sobre o filme passado, chegando a usar até mesmo palavras similares ou puramente idênticas – o que, a meu ver, apenas denuncia a falta de interesse de Ataque dos Clones em corrigir de forma certeira uma das maiores falhas do capítulo anterior.) É verdade que a trama é infinitamente mais interessante que a de A Ameaça Fantasma (que era fraca por natureza), mas é lamentável também que o roteiro exageradamente sisudo de Lucas acabe por eliminar qualquer entretenimento que poderia ser proporcionado pelo filme – algo inaceitável quando se trata de um exemplar da franquia Star Wars.
No entanto, é preciso reconhecer que, a grosso modo, se trata de uma história imaginativa e que permite reflexos interessantes e comentários pontuais que podem ser usados para descrever cenários políticos encontrados em variados países e épocas. Da mesma forma, a primeira metade do filme também acerta ao não investir com tanto peso no humor infantiloide que transformou A Ameaça Fantasma num equívoco desastroso – por isso, é uma pena que, depois de um tempo, o longa se entregue eventualmente ao besteirol da pior forma possível: transformando o genial androide C-3PO num alívio cômico estúpido e constrangedor – além de inútil para a narrativa. Ainda assim, não devo deixar de elogiar as alusões sutis e engenhosas que o terço final de Ataque dos Clones faz a O Império Contra-Ataca (ambos “segundas partes” das respectivas trilogias) ao trazer, por exemplo, um personagem perdendo a mão; sem contar o plano que encerra a projeção, cuja composição é claramente inspirada na imagem emblemática que finaliza Episódio V.
Reduzindo devidamente o tempo de tela do intolerável Jar Jar Binks (o que não é bem um acerto, mas um reparo), Episódio II também beneficiado pelo bom desempenho de Ewan McGregor como Obi-Wan Kenobi, que ganha finalmente ganha o merecido destaque (depois de ser ignorado pelo filme anterior) e conta com o senso de ética e bondade ideais para o personagem. Lamentavelmente, o mesmo não se pode dizer do restante do elenco: Natalie Portman segue incapaz de conferir alguma profundidade a Padmé graças ao péssimo trabalho de George Lucas na concepção da personagem enquanto Christopher Lee se esforça para fazer de Conde Dooku um vilão interessante, mas não consegue graças ao roteiro ingrato. Paralelamente, o boneco digital utilizado para criar Yoda é indiscutivelmente superior à ridícula marionete vista em Episódio I, mas não se compara àquela apresentada em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi por soar artificial demais e jamais convencer como um ser vivo – pra piorar, é uma tremenda frustração ver Lucas inserindo o mestre Jedi verde num combate físico de modo a ignorar sua conduta mais racional e partir para a luta sem mais nem menos, apenas para despertar a empolgação dos fãs (o que, no fim das contas, acabou não acontecendo). Contudo, quem realmente se destaca no “hall da infâmia” é Hayden Christensen: podendo facilmente ser substituído por um pedaço de madeira, o ator (foi difícil escrever esta palavra) jamais se esforça para exibir quaisquer traços de expressividade ou profundidade em Anakin Skywalker, transformando o jovem Jedi num indivíduo absurdamente insípido e monocromático – e quando o intérprete precisa simular emoções mais densas, como a dor ou o contentamento, acaba provocando a raiva no espectador.
Assumindo a direção com preguiça e desleixo, George Lucas conduz as sequências de ação de maneira burocrática e genérica, da mesma forma como a extensiva duração que o próprio cineasta impõe às numerosas corridas e lutas de lightsabers tende a torná-las exaustivas – há uma perseguição ocorrida em Coruscant no primeiro ato da projeção que, sinceramente, parece não terminar nunca e chega a esgotar a paciência. Como se não bastasse, Lucas ainda investe pesadamente em efeitos computadorizados que, queira ou não, servem mais como uma distração tecnológica que como um ornamento. Resultado: os cenários digitais jamais deixam de ser terrivelmente falsos, as cenas de ação são mais apropriadas a um videogame que a um filme e os atores passam por situações ridículas ao interagirem com o vazio. Por sinal, vale dizer que Episódio II foi a primeira produção cinematográfica a ser inteiramente filmada em câmeras digitais, sem fazer uso dos tradicionais (e imensos) rolos de película – uma característica que parece encantar George Lucas ao ponto de fazê-lo se entregar ao exibicionismo constante.
No entanto, o que realmente faz Ataque dos Clones desabar é a interação entre Anakin e Padmé: podendo facilmente figurar em qualquer lista de piores romances da História do Cinema, a relação amorosa entre o Jedi e a senadora tem um ponto de partida absolutamente imbecil (sério que Skywalker não conseguiu parar de pensar apaixonadamente em Amidala depois de uma década sem vê-la?) e se consolida sem que o roteiro apresente um motivo razoável. Não são necessários 50 minutos de filme ou umas cinco cenas até que os dois se encontrem perdidamente apaixonados, declarando amor eterno ou rolando abraçados em meio a flores e grama.
Mas esta é a natureza de Episódio II: uma produção esquemática e tola que, em vez de acrescentar algo valioso a uma das sagas mais icônicas do Cinema, serve apenas para abusar de floreios tecnológicos vazios e do apreço intenso que os fãs têm por Star Wars. É melhor que Episódio I, mas até onde isto significa alguma coisa?