Antes tarde que nunca. Fazendo uma comparação que pode soar tola e pueril, Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith é um brinde moderadamente satisfatório que veio dentro de um ovo de chocolate detestável: tivemos que engolir mais de quatro horas e meia de uma amargura insuportável (leia-se: Episódios I e II) para alcançar algo que valha a pena. É verdade que nada muda o fato de que A Ameaça Fantasma e Ataque dos Clones são decepções grandes e irreparáveis (além de filmes naturalmente problemáticos), mas não era de se esperar que, depois de dois prequels lamentáveis, George Lucas viria a surpreender com um Star Wars que, ainda que seguisse contando com defeitos consideráveis, ao menos não desonra a trilogia clássica composta por Uma Nova Esperança, O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi.
Novamente escrito por George Lucas, A Vingança dos Sith encerra a jornada que transformou o aprendiz Jedi Anakin Skywalker no ameaçador Sith Darth Vader, tendo início com o jovem guerreiro e seu mentor Obi-Wan Kenobi em meio a uma missão para resgatar o chanceler Palpatine dos droids da Confederação de Sistemas Independentes, liderados pelo General Grievous. Após resgatar o líder político e assassinar o maligno Conde Dooku, Anakin retorna a Coruscant e passa a ser atormentado por pesadelos onde sua amada Padmé Amidala morre misteriosamente. Desejando garantir a salvação de sua esposa, Skywalker passa a ser influenciado por Palpatine e flerta com o lado negro da Força. Daí, descobre-se que o chanceler é um lorde Sith, também conhecido como Darth Sidious, que usa o exército de clones da República para eliminar os Jedi, envia Vader para matar os últimos membros da Confederação de Sistemas Independentes e, assim, dar origem ao Império Galáctico visto nos Episódios IV, V e VI.
Se distanciando completamente da besteira infantiloide que comprometeu A Ameaça Fantasma e do tédio de Ataque dos Clones, A Vingança dos Sith assume uma abordagem surpreendentemente sombria e séria – que, verdade seja dita, era necessária para fazer com que a queda de Anakin e o surgimento de Darth Vader tivesse o impacto ideal. Da mesma forma, Episódio III se beneficia com o fato de ser o primeiro Star Wars a receber uma censura PG-13 (inadequada para menores de 13 anos) e, por consequência, ter maior liberdade para explorar níveis mais intensos de violência; o que rende momentos (especialmente no terceiro ato da película) que beiram o agonizante e fazem a sequência onde Luke tem sua mão decepada no Episódio V parecer inofensiva. Aliás, é um prazer notar como este terceiro e último prequel remete ao glorioso O Império Contra-Ataca (que segue sendo o melhor capítulo da franquia), já que ambos foram responsáveis por conferir às respectivas trilogias tons mais pessimistas e pesarosos.
No entanto, o clima de desesperança e austeridade não se aplica somente às ações por vezes brutais dos personagens ou ao arco percorrido por Anakin até se tornar Darth Vader, mas também a tudo que ocorre na narrativa a partir da reviravolta envolvendo o exército de clones. É neste contexto onde entra o que, para mim, é um dos melhores e mais tristes momentos da série: aquele que traz a execução da “Ordem 66”. Diga-se de passagem, o que não falta em Episódio III são algumas das melhores e mais dramáticas cenas de todos os Star Wars, algo que certamente provém da abordagem soturna adotada por George Lucas neste longa e que cresce incessantemente a partir do segundo ato da película. A partir daí, A Vingança dos Sith entra num processo que tende a tornar a narrativa mais intensa à medida com que avança e, como resultado, prende a atenção do espectador até o último segundo da projeção.
Igualmente surpreendentes são as decisões por parte do roteiro em acrescentar ambivalência a senso ético e moral dos Jedi: como se não bastasse Anakin ser conduzido ao lado negro da Força por pura arrogância e inconsequência, o roteiro de George Lucas ainda traz os cavaleiros fazendo de um padawan (nome dado aos pupilos) membro do Conselho, contrariando os próprios ideais democráticos ao tentarem retirar Palpatine de seu cargo como chanceler e quebrando os próprios códigos de conduta ao chegarem perto de assassinar inimigos a sangue frio – como bem mostra Mace Windu para com o vilão principal do filme. Com isso, A Vingança dos Sith deixa de sofrer parcialmente com um dos maiores problemas dos dois longas anteriores ao fazer com que os Jedi deixem de ser figuras unidimensionais para relatar a existência de imperfeições dentro dos cavaleiros; e só a ousadia de transformar indivíduos que, até então, representavam de maneira icônica a bondade e sabedoria inabaláveis já é algo digno de aplausos para o roteiro de Lucas (quem diria que eu afirmaria isso após um par de prequels nefastos?).
Entretanto, é preciso afirmar que, assim como os Episódios I e II, A Vingança dos Sith peca ao trazer atuações irregulares e personagens subdesenvolvidos: embora ganhe maior destaque, Mace Windu segue sendo uma figura genérica e que não permite que Samuel L. Jackson exiba suas marcas registradas impostas nos papeis durões que encarnou em outros filmes de sua carreira. Enquanto isso, Yoda surge como uma personalidade que ganha a empatia do espectador com facilidade – da mesma forma, a computação gráfica usada para criá-lo é superior àquela vista em Ataque dos Clones, embora não se compare à marionete usada com maestria em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi. Encarnando mais uma vez o personagem com a sabedoria e imponência necessárias, Ewan McGregor é impecável ao adicionar peso dramático a um Obi-Wan Kenobi mais trágico e abalado pelos eventos ocorridos na segunda metade do longa, ao passo que Natalie Portman… bem, pouco tem a fazer no papel (mais uma vez). E se o péssimo Hayden Christensen infelizmente continua interpretando como se trajasse uma máscara de gesso, ao menos Ian McDiarmid realiza uma performance digna de louvor como um vilão ameaçador e que jamais deixa de soar malévolo ou imprevisível.
Infelizmente, Episódio III não seria um integrante legítimo da trilogia de prequels de Star Wars se não contasse com a característica principal da mesma: as falhas presentes em diversos setores da produção (como roteiro, direção, atuações e etc). Se as sequências de ação causam algum impacto, tal efeito se deve mais ao apego do espectador pelos personagens que travam tais lutas que propriamente pela execução técnica das mesmas, visto que os combates envolvendo lightsabers são, na maioria das vezes, burocráticos – e por mais que o duelo entre Anakin e Obi-Wan seja memorável e a batalha entre Palpatine e Yoda seja inesperadamente apreensiva, a sensação de profunda estranheza ao testemunhar R2-D2 partindo para a pancadaria é inevitável. Também não faltam absurdos ilógicos no roteiro, como a frase oferecida por um robô médico logo após o falecimento de Padmé (“Ela não tinha mais vontade de viver“) e os raios que deformam o rosto de Darth Sidious; e que, por alguma razão desconhecida, não deformaram Luke no clímax de Episódio VI. E por favor, o que diabos foi aquele “Nooooooooooooooooo!” gritado por Darth Vader, que chega perto de arruinar o que vinha sendo mais um acréscimo à galeria de melhores momentos de Star Wars?! (E antes que me perguntem a respeito da rapidez com a qual Anakin mudou de lado, já adianto que abordarei exclusivamente esta questão na segunda parte deste texto, que virá logo após a nota para o filme.)
Por outro lado, é possível que A Vingança dos Sith represente a melhor experiência visual ao longo dos seis filmes (eu disse “é possível”, não concretizei nada): contando com efeitos visuais que não envelheceram tão mal depois de dez anos, a película é beneficiada por um design de produção engenhoso assinado por Gavin Bocquet (sem risinhos, por favor) que se torna ainda mais eficiente com a ajuda da fotografia fabulosa de David Tattersall. Assim, a produção concebe imagens cujas composições fascinam (como aquela que traz Anakin, possuído pelo lado negro da Força, chegando à sede do Conselho Jedi) ao mesmo tempo em que os montadores Roger Barton e Ben Burtt denotam um talento inesperado para gerar montagens paralelas sempre instigantes. Por falar nisso, devo destacar que George Lucas merece aplausos por criar sequências inventivas como aquela que entrecorta o nascimento de Luke e Leia com a criação de Darth Vader – inclusive, destaco a trilha do lendário John Williams por resgatar o tema do Imperador (criado no Episódio VI) no momento em que Anakin está sendo levado para a operação que o transformará no temível lorde Sith visto na trilogia clássica, pois automaticamente alude ao momento onde o antagonista se rebela contra seu mestre como se fosse Frankenstein; aliás, essa similaridade entre o personagem e a criatura verde criada por Mary Shelley se traduz também nos primeiros passos executados por Vader em seu visual clássico e na própria concepção dada por Lucas ao personagem.
Prejudicado ocasionalmente pelo excesso de efeitos digitais e por diálogos pavorosos que surgem com certa frequência (a conversa entre Padmé e Anakin antes deste confrontar Obi-Wan chega a dar vergonha), Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith não deixa de trazer uma parcela surpreendente de acertos que corroboram para transformá-lo numa grata surpresa. E se não é fabuloso como Uma Nova Esperança, O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, ao menos compensa parcialmente a decepção gerada por A Ameaça Fantasma e Ataque dos Clones.