George Lucas contava somente com dois longas no currículo (THX 1138 e American Graffiti) quando decidiu roteirizar e dirigir uma aventura espacial no estilo de Flash Gordon inspirada ainda na literatura de O Senhor dos Anéis e Joseph Campbell (conhecido pela famosa “Jornada do Herói”), em clássicos do Cinema como Metrópolis, A Fortaleza Escondida e 2001: Uma Odisseia no Espaço e até em gêneros específicos como o western e filmes de samurai (como bem mostra a referência à obra de Akira Kurosawa entre os títulos citados anteriormente). A 20th Century Fox não confiou no projetou e até tentou vender os direitos para um estúdio da Alemanha Ocidental, mas não conseguiu e o filme ainda ganhou força comercialmente graças aos esforços do supervisor de publicidade Charles Lippincott até que, em 25 de maio de 1977, chegava aos cinemas Guerra nas Estrelas – que em 1981 viria a ser rebatizado como Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança.
O resultado foi algo inesperado: o longa foi amplamente elogiado pela crítica especializada e os números arrecadados nas bilheterias foram os maiores da História do Cinema até serem ultrapassados por E.T.: O Extraterrestre, que veio cinco anos depois. A película, tão desacreditada por seu próprio estúdio, rendeu frutos positivos ao ponto de gerarem mais duas continuações, três prequels (ou prelúdios), séries animadas, games, livros, quadrinhos, outros longas-metragens (como Caravana da Coragem, sua continuação e o longa animado e Star Wars: The Clone Wars) e até mesmo um embaraçoso especial de Natal. Um belo legado para um projeto que poderia ter representado um enorme fracasso – tanto que, hoje, Star Wars é a franquia originada no Cinema que mais fez sucesso comercial (considerando, é claro, que Harry Potter, James Bond, O Senhor dos Anéis e os filmes da Marvel foram criações vindas da Literatura e HQs).
O filme tem início com o temível Império Galáctico aprisionando a princesa Leia, líder da resistência rebelde que carrega informações a respeito da Estrela da Morte, a base dos antagonistas. Tais planos são passados aos androides C-3PO e R2-D2, que escapam do Império e do ameaçador Darth Vader, mas são perseguidos pelos mesmos logo em seguida. Assim, os dois vão parar no planeta Tatooine e se tornam criados dos tios do Luke Skywalker, um jovem bondoso e que sonha em fugir da monotonia de sua vida. Com isso, os dois androides revelam uma mensagem holográfica onde Leia pede para ser salva por um misterioso Obi-Wan Kenobi, que posteriormente salva as vidas de Luke, C-3PO e R2 e se revela um sobrevivente dos Jedi – uma antiga ordem de cavaleiros que lutavam pela paz e segurança que dominavam o lado claro (leia-se: positivo) de uma energia sobrenatural conhecida como a Força e eram oponentes dos Sith, que faziam uso do lado negro (leia-se: negativo) do mesmo poder. No entanto, depois que os tios de Skywalker são assassinados pelos stormtroopers (os soldados imperiais), o jovem decide se unir a Obi-Wan, aos dois androides, ao contrabandista Han Solo e a seu parceiro wookie Chewbacca para resgatar Leia e derrotar o Império Galáctico.
Se inspirando assumidamente em A Fortaleza Escondida, de Kurosawa, ao narrar a trama principal a partir do ponto de vista de dois coadjuvantes, George Lucas merece aplausos pela criatividade com a qual concebe um universo rico em planetas, raças, conglomerados, crenças e estilos de vida – algo que certamente orgulharia J.R.R. Tolkien. É fascinante, por exemplo, contemplar os inúmeros seres distintos que habitam Mos Eisley e que vão desde saxofonistas visualmente… digamos, intrigantes até caçadores de recompensas esverdeados que se comunicam através de grunhidos, passando por sujeitos com chifres e indivíduos que aparentam ter deformações físicas (e que possivelmente devem ser apenas parte da natureza dos mesmos). Da mesma forma, é de se admirar como longa encontra recursos intrigantes para estabelecer suas ideias com clareza e objetividade, chegando a inserir um texto durante os primeiros minutos (antes de dar início à narrativa em si) sem necessariamente menosprezar a inteligência do espectador, já que tais escritos servem apenas para contextualizar com rapidez alguns dados fundamentais e, por fim, permitir que o longa se inicie; um recurso que veio a se tornar marca registrada da saga.
Por isso, o design de produção assinado por John Barry é essencial ao acrescentar características que definem as identidades dos ambientes, como os dois sóis de Tatooine; e o banho de criatividade é ainda mais perceptível quando percebemos que Mos Eisley é claramente influenciada por locações de faroestes e que tudo aquilo referente ao Império remete visualmente aos nazistas. Ainda assim, poucos aspectos técnicos de Guerra nas Estrelas se equiparam à inesquecível e emblemática trilha sonora do magistral John Williams, que, além de pontuar brilhantemente cada passagem da narrativa (dos momentos dramáticos aos alegres, passando pelos tensos e eufóricos) sem apelar para a obviedade, traz composições absolutamente espetaculares e memoráveis como aquela presente na cena final e, é claro, o icônico tema que acompanha a abertura. Como se não bastasse, Uma Nova Esperança ainda conta com efeitos visuais revolucionários e importantíssimos para a evolução dos blockbusters sob os aspectos técnicos – e que ainda hoje funcionam relativamente bem (considerando que se trata de um filme realizado há quase 40 anos) e dispensam qualquer adição lastimável de computação gráfica feita por uma certa “versão remasterizada” que o senhor George Lucas lançou em 1997.
Contudo, Star Wars também tem sua importância histórica por sua abordagem assumidamente escapista: vindo numa época onde os Estados Unidos se encontravam entristecidos (com fatores que incluíam a Guerra do Vietnã e o escândalo de Watergate) e os sucessos comerciais eram obras pesadas como Taxi Driver e Apocalypse Now, o longa exibia suas raízes pulp (como Flash Gordon) ao resgatar de maneira inquestionável o entretenimento puro e descompromissado. Trata-se de uma aventura cujo propósito principal é divertir e despertar boas sensações no espectador para levá-lo a ser feliz dentro da sala de cinema por duas horas sem pensar nos problemas da vida e do mundo. Como consequência, Episódio IV se torna um filme profundamente agradável e que vem envelhecendo bem por contar com uma energia de dar inveja à maioria dos blockbusters da atualidade; e chega a impressionar como, mesmo depois de 38 anos, o longa ainda represente uma experiência tão contagiante e traga um ritmo notavelmente eficiente (algo potencializado pela montagem ágil).
Boa parte da intensidade de Uma Nova Esperança reside no carisma de seus personagens fabulosos: Luke Skywalker é um sujeito adoravelmente gentil e altruísta (e vê-lo brincando com uma nave espacial é algo particularmente interessante por ressaltar uma índole infanto-juvenil no indivíduo), ao passo que Mark Hamill é certeiro ao incluir um ar de inocência em sua performance para retratar a inexperiência e o altruísmo do herói – sem contar que sua trajetória segue de perto os passos da “Jornada do Herói”, criada por Joseph Campbell, o que não deixa de ser interessantíssimo. Paralelamente, Alec Guinness é igualmente eficaz na composição de um Obi-Wan sereno e sábio que convence como uma figura conhecedora e, de certa forma, remete até mesmo ao mago Gandalf, ao mesmo tempo em que Harrison Ford aparenta ter sido a escolha certa para viver o descontraído e sarcástico Han Solo, dono de um egoísmo e temperamento difícil absolutamente agradáveis – sem contar que sua caracterização estética (relativa às roupas, às armas e até mesmo à performance física do ator) e comportamental merece pontos por se basear nitidamente em pistoleiros durões típicos de faroestes.
Por sua vez, Carrie Fisher é igualmente bem sucedida ao compor a princesa Leia como uma personagem que, por mais que necessite de auxílio dos homens (algo relativo às questões comerciais da época, já que o sexo feminino era visto como frágil e protagonistas machos salvando mulheres indefesas parecia ser algo mais seguro do ponto de vista publicitário – e ainda hoje é, tristemente), ainda possui força suficiente para transformá-la numa “mocinha a ser salva” diferente do padrão; e é intrigante vê-la demonstrando uma habilidade até maior que a de Han Solo quando os heróis estão tentando escapar da Estrela da Morte. Marcando presença como alívios cômicos geniais, C-3PO e R2-D2 contam com uma química ímpar que funciona pelo fato de que apenas estes dois androides se entendem completamente, o que resulta num humor objetivo e inteligente que se torna ainda mais efetivo graças ao trabalho corporal e vocal de Anthony Daniels e pelos movimentos sempre ideais executados por Kenny Baker – além de serem auxiliados pelos designs criativos: um inspirado no corpo cibernético da Maria de Metrópolis e outro similar a… uma lata de lixo. De forma semelhante, Peter Mayhew se sai fantasticamente bem como o adorável Chewbacca, cuja lealdade e companheirismo são tão graciosas quanto os grunhidos que o personagem usa para se expressar.
Mas é claro que não haveria como deixar de destacar o icônico Darth Vader: agraciado por uma performance física impecável de David Prowse, o antagonista é visualmente imponente e ameaçador, uma característica que o diretor George Lucas exercita constantemente ao empregar enquadramentos que favorecem a grandiosidade do personagem (como aquele que o traz segurando um soldado rebelde pelo pescoço, demonstrando como é bem mais alto). Como se não bastasse, os sons incessantes efetuados por sua respiração problemática tendem a enfatizar a presença de Vader tornando-o ainda mais chamativo, além de acrescentarem certa imprevisibilidade às ações do personagem. E se o uniforme preto trajado pelo Sith é imaginativo ao ponto de representar uma das criações estéticas mais marcantes da História do Cinema, o trabalho da voz grave de James Earl Jones impressiona por potencializar consideravelmente a imponência do antagonista e torná-lo um ser ainda mais temeroso.
Contudo, é George Lucas quem merece créditos (ao menos, neste filme e em outros momentos da franquia) por idealizar imagens instigantes e que servem como maneira de contar ou ao menos ilustrar parte da narrativa; e é incrível perceber, por exemplo, como o primeiro plano do longa é capaz de resumi-lo inteiro ao trazer uma nave dos rebeldes fugindo de um Star Destroyer do Império. Sabendo unir o escapismo puro com algumas alusões curiosas à época em que foi produzido (existem semelhanças com a questão do mundo bipolar – Estados Unidos capitalista contra a União Soviética socialista – e algumas similaridades entre os vilões e os nazistas), Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança é uma aventura inovadora e relevante cujo sucesso se deve não apenas aos efeitos visuais magníficos ou à interação inigualável entre os personagens, mas também à nobreza com a qual diverte e empolga mesmo após 38 anos.