Como deve ter sido o processo criativo que levou a Velozes e Furiosos 8? Imagino o seguinte: no centro de uma sala de estar, um roteirista tenta trabalhar sem se levar muito a sério; no sofá ao lado, um amigo fica folheando uma revista erótica e “deslumbra” diversos ensaios fotográficos de mulheres nuas ou que estão dentro de roupas justíssimas; no canto do cômodo, um rapaz joga GTA Online e usufrui dos mods mais malucos enquanto se comunica berrando com outros jogadores que dividem uma conferência via FaceTime; na outra extremidade da habitação, um indivíduo vestindo regata, colete rasgado e calças surradas não permite que nada quebre sua concentração enquanto malha o braço direito; e, no meio disso tudo, um sujeito decide ligar a televisão para começar a ver programas sobre o mundo automobilístico, esportes radicais e/ou corridas alucinantes.
E, por incrível que pareça, essa loucura toda chega a um resultado surpreendentemente bem-sucedido: ao contrário de porcarias como Transformers e o recente Power Rangers, que se levavam a sério demais e jogavam no lixo o apelo potencialmente divertido que havia em suas premissas absurdas, Velozes e Furiosos 8 sabe rir de si mesmo e jamais aspira a qualquer tipo de solenidade. Claro que a série nunca se comprometeu com qualquer tipo de seriedade, mas quando comparamos os primeiros capítulos (que se concentravam em perseguições e na cultura do tuning) com os últimos três ou quatro, a impressão que temos é de que limites de insanidade estão sendo quebrados de propósito a cada filme e que isso está fazendo muitíssimo bem à franquia (algo que comentei ao escrever sobre o sétimo).
É bom perceber que Velozes e Furiosos habitualmente flerta com conceitos que parecem ter saído de uma novela: a “importância da família”, personagens que perderam a memória, pessoas que morrem e voltam à vida e vilões ou heróis que mudam de lado – para reforçar isso, este oitavo exemplar traz Dominic Toretto sendo forçado a se voltar contra a sua família. No entanto, se os sete longas anteriores tropeçavam ao abordar esses dramas artificiais com uma sobriedade excessiva, o novo episódio sempre parece fazer questão de usar o novelesco como um modo de reiterar a leveza do projeto, deixando claro que nem mesmo os momentos mais “intensos” devem ser encarados com seriedade – e se alguém surge em cena chorando ou anunciando algo trágico, esse “drama” é imediatamente desfeito através de algum alívio cômico.
Em outras palavras: Velozes e Furiosos 8 abraça um tom farsesco que é particularmente definido pelas hilárias alfinetadas entre os personagens de Dwayne Johnson e Jason Statham (quando o primeiro faz uma ameaça específica – e inacreditável – ao segundo, os dois começam a gargalhar perante o absurdo que acabou de ser dito). Além disso, quando certa pessoa acusa outra de estar cometendo “um clichê“, é como se o próprio roteirista Chris Morgan convidasse o público a entrar num universo onde este tipo de bobagem é apenas o ponto de partida para outras que virão a seguir. Mas não é só: logo na sequência de abertura, quando Dominic Toretto vence uma corrida dirigindo um carro em marcha ré, é impossível não compreender o tipo de filme que está começando ali – e cabe ao espectador a tarefa de compactuar ou não com a natureza divertidamente estúpida do longa.
Dirigido pelo mesmo F. Gary Gray que realizou Straight Outta Compton há dois anos, Velozes e Furiosos 8 brilha no seu aspecto mais aguardado: as cenas de ação – que, mais uma vez, agem de acordo com a proposta assumidamente tola e espalhafatosa da produção, criando momentos que envolvem uma bola de demolição, carros hackeados que funcionam quase como zumbis, uma “batalha de Nova York” que nem os Vingadores resolveriam com facilidade, dezenas de veículos que caem de um prédio em queda livre, homens-míssil e um submarino que persegue os heróis no Ártico russo. Mas claro que esses instantes não seriam bem-sucedidos se não fossem conduzidos com eficácia por F. Gary Gray, sendo um alívio constatar que o diretor é hábil ao conceber sequências de ação repletas de energia, mas que ainda assim são construídas de maneira clara e objetiva (por mais que os acontecimentos sejam visualmente complexos, eles sempre são ilustrados de modo compreensível). E se a montagem não esconde alguns erros de continuidade grosseiros, ao menos é digna de nota quando começa a usar flashbacks como um recurso cômico, explorando, inclusive o conceito de “flashback dentro de flashback“.
Geralmente eficaz em suas tentativas de humor (embora algumas sejam exageradas), Velozes e Furiosos 8 não traz os atores mais talentosos da atualidade, mas ao menos se destaca pela diversidade de um elenco que desempenha suas funções de forma suficientemente apropriada: Vin Diesel parece se sentir mais à vontade ao participar desta franquia específica, ainda que seus esforços dramáticos sejam pavorosos; Michelle Rodriguez se sai bem ao encarnar o papel de durona que se habituou a fazer; Tyrese Gibson e Ludacris continuam tentando ser os alívio cômicos, mas são prejudicados por piadinhas fracas e repetitivas; Jason Statham rende alguns dos instantes mais engraçados da projeção; Charlize Theron surge como uma daquelas hackers que só existem mesmo no mundo do Cinema, compondo uma vilã que o público sente prazer ao odiá-la; e Dwayne Johnson exibe uma força bruta e um bom humor que me fazem desejar um spin-off de seu personagem, causando destruições que, justamente por serem impossíveis, sempre despertam gargalhadas. Por fim, Chris Bridges, Kurt Russell e Nathalie Emmanuel pouco têm a fazer na trama, ao passo que Scott Eastwood é submetido a piadas pouco eficientes.
Se estabelecendo como o ponto mais alto de uma franquia que já perdeu e recuperou a mão várias vezes, Velozes e Furiosos 8 comprova que a série só tem a ganhar quando investe descaradamente na insanidade de seu universo e dos personagens. Agora, resta aguardar o momento onde os heróis vão voltar no tempo, viajar para outras dimensões ou levar seus veículos estilosos para o espaço sideral a fim de enfrentar robôs gigantes, monstros ou alienígenas.