Quando Venom chegou aos cinemas, há exatos três anos, provavelmente nem o mais ganancioso dos produtores envolvidos naquele projeto imaginava o tamanho do sucesso comercial que sairia daquilo – o que, claro, não significa que a qualidade do filme em si tenha sido proporcional às centenas de milhões de dólares arrecadados nas bilheterias. Povoado por personagens aborrecidos, sem personalidade e que se lançavam em sequências de ação absolutamente pavorosas (até hoje não faço ideia do que aconteceu naquele clímax), o longa basicamente repetiu o fenômeno dos Transformers de Michael Bay ao contrapor eficiência artística e quantidade de ingressos vendidos, revelando-se um produto (sim, a palavra é esta) ordinário que, para piorar, rapidamente se transformou em fórmula de sucesso para seus responsáveis – e era questão de tempo até que dessem sinal verde para uma continuação daquela coisa.
Dito isso, há uma concessão a ser feita: embora se apresente como uma bobagem vazia e descartável que repete boa parte dos ingredientes que compuseram aquela porcaria de 2018, Venom: Tempo de Carnificina ainda assim representa uma experiência bem mais suportável do que seu antecessor – o que, convenhamos, não quer dizer muita coisa. Dispensando dois dos três roteiristas do original e trazendo apenas Kelly Marcel de volta à função (o que talvez seja o primeiro fator que explica a melhora desta continuação, já que há menos cabeças entrando em conflitos criativos), este novo longa assume de vez que o aspecto mais interessante da série reside na dinâmica entre Eddie Brock e o simbionte que nele habita, Venom. Assim, a maior parte da narrativa se concentra nas DRs da dupla, chegando ao ponto em que, cansados um do outro, eles se separam por completo – até que um assassino serial, Cletus Kasady, escapa da penitenciária e se transforma no aterrorizante Carnificina (leia-se: um Venom vermelho, mais forte e do mal), obrigando Eddie e seu colega de… corpo (?) a se reconciliarem.
Em outras palavras: Venom 2 não se leva nem um pouco a sério, descartando qualquer traço de sobriedade em prol de um humor assumidamente imbecil e absurdo – o que se revela uma decisão apropriada, já que um dos grandes problemas do primeiro filme consistia na inconsistência da narrativa criada pelo diretor Ruben Fleischer (que oscilava loucamente entre a comédia escrachada e a obrigação de seguir as convenções dos longas de super-heróis contemporâneos, mais reverentes e comprometidos com a ação). Desta vez, Andy Serkis assume a direção com a certeza de quem está comandando não uma aventura de HQs, mas uma comédia (na falta de um termo melhor) babaca – e eu estaria sendo tremendamente cínico se dissesse que as risadinhas que dei durante a projeção foram “involuntárias”, já que é óbvio que o intuito de Serkis era levar o espectador ao riso a partir das briguinhas entre Eddie e Venom (“Aqueles dois precisam seriamente de uma terapia de casal”, aponta um conhecido) ou de cenas como a que traz o personagem-título discursando no palco de uma rave e largando o microfone no chão ao terminar sua fala.
Por outro lado, há vários momentos nos quais Venom 2 parece se julgar engraçadinho demais, insistindo em levar algumas de suas piadas às últimas circunstâncias e, com isso, estendendo-as a ponto de fazê-las perderem a graça – e todo o papo ameaçador que Venom lança para um assaltante antes de quase devorá-lo, por exemplo, soa forçado em sua tentativa de provocar o riso. Como se não bastasse, Serkis nem sempre consegue manter o tom da narrativa sob controle (embora se saia bem melhor neste sentido que Fleischer), criando algumas passagens dramáticas que, mesmo sem saírem totalmente da proposta leve e absurda do projeto, aspiram perigosamente a um grau de solenidade que destoa das demais cenas, tornando-se ainda piores em função dos diálogos geralmente pavorosos concebidos pelo roteiro. Da mesma forma, a cena que reconta o passado de Cletus através de animações em segundo plano e da justaposição das silhuetas de Tom Hardy e Woody Harrelson surge tão deslocada da proposta estilística de todo o restante da obra que acaba soando exatamente como aquilo que é: um mero exibicionismo por parte de Andy Serkis.
Enquanto isso, Tom Hardy (que também assina como produtor e argumentista) continua a se divertir horrores sob a pele de Eddie Brock, enxergando no papel a oportunidade ideal para praticar seu timing cômico e sua competência para o humor físico – duas habilidades que ele raramente tem a chance de explorar em outros projetos. Já Michelle Williams é outra que obviamente embarcou no filme com o intuito de se divertir (e ganhar umas centenas de milhares de dólares, claro), sendo interessante perceber como sua personagem se estabelece menos como par romântico do herói e mais como uma amiga/conhecida – e é decepcionante, porém, que o longa decida relegá-la ao velho clichê da “donzela em perigo” no terceiro ato. Para completar, Naomie Harris se vê presa a uma sub-vilã que o próprio filme não sabe se enxerga com empatia ou com distanciamento, ao passo que a menos conhecida Peggy Lu (que encarna a dona da loja de conveniências frequentada por Eddie/Venom) surpreende numa participação rápida, mas que representa um dos melhores momentos do longa.
Porém, talvez a maior decepção de Venom 2 seja justamente o vilão que dá (sub)título ao filme: encaixado à força numa subtrama que parece existir apenas para fazer referência ao casal Mickey e Mallory Knox, de Assassinos por Natureza (também estrelado por Woody Harrelson), o Carnificina se revela uma figura desinteressante e sem personalidade, limitando-se a uma variação genérica do próprio Venom e fracassando em expressar tanto seu sadismo (jamais sentimos qualquer ameaça vinda dele) quanto as possibilidades visuais de seus poderes (as coisas que ele pode fazer ao modular a forma de seu corpo nunca são exploradas pelo filme de maneira criativa). Para piorar, Harrelson se encontra totalmente no piloto automático aqui, retratando a psicopatia de Cletus Kasady através de um tom de voz monótono que, somado à baboseira autoimportante que compõe praticamente tudo que ele fala (e como fala!), contribui para torná-lo chato em vez de intimidador.
Se em 2018 encerrei meu texto sobre Venom afirmando se tratar de “uma das piores coisas que Hollywood já levou às telonas a partir de uma história em quadrinhos”, desta vez me vejo compelido a dizer que Venom 2 é apenas uma obra bobinha e descartável que, de tão inofensiva, não creio merecer a mesma indignação.