(Este texto trará spoilers de Wicked: Parte 2.)
Quando escrevi sobre a primeira parte de Wicked, há exatamente um ano, comentei que o filme havia funcionado surpreendentemente bem e que, mesmo reconhecendo alguns problemas pontuais de ritmo e estilo, a jornada de Elphaba e Glinda tinha me conquistado o suficiente para me deixar ansioso para conferir, um ano depois, a metade final daquela história. Pois bem: passados 12 meses desde então, o que posso afirmar é que, por um lado, Wicked: Parte 2 de fato oferece um desfecho sólido e convincente para a saga das duas bruxas de O Mágico de Oz, o que é um alívio. Ao mesmo tempo, porém, também comete uma série de pequenos tropeços que, acumulados, resultam em um longa inferior àquele que o antecedeu, o que é uma pena.
Retomando a história pouco tempo após o fim da Parte 1, esta continuação mantém Elphaba e Glinda afastadas por boa parte da projeção graças às circunstâncias que enfrentam – e, assim, não deixa de ser irônico que o “coração” do longa siga estar na interação entre as duas jovens. Em especial, Cynthia Erivo ganha a oportunidade de compor uma Elphaba mais forte e autoconfiante do que vimos antes, saindo do status de “aluna indefesa e desajustada que sofre bullying na faculdade” (mesmo que seu olhar sofrido continue a projetar uma importante vulnerabilidade) e surgindo imponente e dona de si (inclusive no que diz respeito às suas decisões amorosas e/ou sexuais, o que culmina na melhor piada do filme inteiro e que justifica o título “Wicked” de forma inusitada). Além disso, se em meu texto sobre o anterior comentei que era meio frustrante como estes “filmes de origens de vilões(ãs) clássicos(as)” costumam suavizá-los(as) em vez de assumir e explorar a fundo suas imperfeições morais, esta Parte 2 compensa isso ao trazer Elphaba abraçando a raiva, o ressentimento e até mesmo a impaciência de modo a aproximá-la da intimidadora Bruxa Má do Oeste que vimos em Oz sem sacrificar a complexidade que lhe trouxeram aqui.
Já Glinda, por outro lado, assume o centro das atenções e passa a dominar a maior parte da narrativa (ao contrário da Parte 1, que pendia para o lado de Elphaba). Dito isso, se a performance de Ariana Grande foi o que mais me pegou de surpresa no filme anterior (afinal, eu tinha pouca familiaridade com a carreira prévia da atriz), agora seu timing cômico afiadíssimo e sua capacidade de retratar a energia simultaneamente fútil e insana da personagem já não é mais surpresa. O que, claro, não significa que ela deixe de ser eficaz em suas tentativas de humor: a sequência que mostra uma briga desajeitada entre Glinda e Elphaba, por exemplo, volta a comprovar o talento de Grande para fazer rir (mesmo que a cena em si traga um grave problema de tom que discutirei adiante). Não menos importante, aliás, é a habilidade da atriz ao ilustrar as alterações/contradições de Glinda, transitando entre as ações questionáveis que toma em benefício próprio e o carinho legítimo que mantém por Elphaba, de forma coesa, usando-as para tornar a personagem complexa em vez de inconsistente.
Enquanto isso, esta Parte 2 – a exemplo do que já ocorria no segundo ato da peça original – reforça as ligações com O Mágico de Oz não só ao trazer Dorothy e seus amigos vivendo paralelamente suas já conhecidas aventuras, mas também ao explorar as origens do Espantalho, do Leão Covarde e do Homem de Lata, surpreendendo o espectador ao enriquecer personagens que achava já conhecer por completo. Assim, o roteiro de Winnie Holzman e Dana Fox amarra os detalhes que o conectam a Oz sem parecer um fan-service barato – embora a decisão do diretor Jon M. Chu de evitar mostrar o rosto de Bethany Weaver (que interpreta Dorothy) seja uma besteira, já que, uma vez que sabemos perfeitamente quem é a personagem, o recurso soa mais como distração do que como forma de criar um mistério em torno da aparência da garota.
Além disso, a entrada de Dorothy na trama ocorre de forma tão abrupta que acaba se tornando… estranha – e isso, infelizmente, me leva àquele que é o grande problema desta Parte 2: do início ao fim, todos os eventos que compõem a narrativa são percorridos com uma pressa notória e inexplicável. O curioso é que, se ao escrever sobre a Parte 1 aleguei ter achado o ritmo truncado demais, deixando a progressão dos fatos se desenrolar com uma calma que às vezes passava do ponto, aqui percebo justamente o oposto, já que a montagem de Myron Kerstein passa de uma sequência à outra de maneira incrivelmente corrida, como se quisesse terminar logo uma cena a fim de partir para a próxima o quanto antes.
Esta pressa, aliás, se aplica não apenas à montagem, mas também à própria direção dos atores, já que a maioria das ações, reações e falas que estes têm em cena são entregues de forma tão rápida e “bate-pronto” que acabam soando mecânicas e “ensaiadinhas” demais para parecerem espontâneas. (Até entendo que isso pode fazer sentido em uma linguagem teatral e teria como funcionar caso o filme adotasse uma abordagem mais operática; como não é o caso, porém, não há o que fazer.) O resultado disso, portanto, é que várias sequências mais dramáticas são conduzidas de forma tão corrida e apressada que acaba eliminando o peso, a tensão e/ou o choque que estas passagens deveriam despertar: quando a irmã de Elphaba morre, por exemplo, o impacto de sua perda é nulo e o luto da protagonista, idem – e não ajuda muito o fato de poucos segundos depois a cena se entregar à pura galhofa ao trazer a tal briga engraçadinha entre Elphaba e Glinda, esquecendo-se imediatamente do drama que vinha antes).
O pior, no entanto, é o visual: Jon M. Chu é um diretor medíocre / falta de cor inacreditável, joga no lixo a vida que os figurinos e a direção de arte se esforçam para evocar / não há um Defying Gravity / encenação básica (plano e contraplano no auge de Elphaba e Glinda)
Dito isso, mesmo com essa encenação medíocre, essa resolução funciona embora o filme não deixe de contar com uma síndrome de O Retorno do Rei ao não optar por um final / se tornará impossível rever O Mágico de Oz sem um olhar novo sobre a Bruxa Boa do Sul e a Bruxa Nem Tão Má do Oeste.

