Marriage Story

Título Original

Marriage Story

Lançamento

6 de dezembro de 2019

Direção

Noah Baumbach

Roteiro

Noah Baumbach

Elenco

Scarlett Johansson, Adam Driver, Laura Dern, Alan Alda, Ray Liotta, Azhy Robertson, Julie Hagerty, Merritt Wever e Mark O’Brien

Duração

136 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Noah Baumbach e David Heyman

Distribuidor

Netflix

Sinopse

Nicole (Scarlett Johansson) e seu marido Charlie (Adam Driver) estão passando por muitos problemas e decidem se divorciar. Os dois concordam em não contratar advogados para tratar do divórcio, mas Nicole muda de ideia após receber a indicação de Nora Fanshaw (Laura Dern), especialista no assunto. Surpreso com a decisão da agora ex-esposa, Charlie precisa encontrar um advogado para tratar da custódia do filho deles, o pequeno Henry (Azhy Robertson).

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História de um Casamento | Crítica

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História de um Casamento, novo projeto de Noah Baumbach (Frances Ha e Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe) em parceria com a Netflix, é um filme que poderia facilmente cair em um monte de armadilhas dramáticas – inclusive, a projeção já começa empregando um recurso narrativo que tinha tudo para dar errado, mas que acaba funcionando bem dentro do contexto desta obra específica: narrações em off nas quais os personagens de Scarlett Johansson e Adam Driver descrevem as coisas boas que enxergam um no outro. Não é incomum que roteiros fracos costumem trazer narrações em off, já que estas muitas vezes se revelam uma maneira fácil de simplesmente expor tudo que os personagens estão sentindo da boca para fora. Aqui, no entanto, o recurso desempenha um papel dramático importante ao estabelecer a paixão que uniu o casal e ao contrastá-la à dor que tomará conta de ambos os personagens nas duas horas seguintes.

Um contraste que, por sinal, vem logo em seguida, quando as cenas românticas acompanhadas de narrações em off são subitamente substituídas pela melancólica imagem de Nicole e Charlie – o casal em questão – sentados em um escritório de um terapeuta e incapazes de ler uma única linha dos elogios que escreveram para si. Não é um contraste particularmente sutil, porém surge como um choque de realidade que não poderia ser mais efetivo – e, a partir daí, o roteiro de Baumbach passa a acompanhar o processo de separação entre Nicole e Charlie: a primeira é uma atriz que sonha em voltar a trabalhar em Los Angeles, mas que há muito deixou de viver seus sonhos para celebrar as conquistas do marido; o segundo é um diretor de Teatro em franca ascensão que, em função de seu trabalho, mantém a família fixa em Nova York. Depois que a relação entre eles se desgasta, os dois começam a procurar advogados para movimentar o divórcio e decidir quem ficará com a guarda de seu filho, Henry.

Mas antes, é importante voltar à tão falada introdução (sem esta, boa parte dos esforços dramáticos do filme não teria o mesmo peso): hábil ao estabelecer os porquês de Nicole e Charlie terem se atraído com tamanha intensidade, o prólogo se mostra cuidadoso ao realçar até mesmo os detalhes pequenos que um admirava no outro: o fato de ela abrir um pote de picles de forma sexy; de ele lembrar constantemente de piadas internas; de ela brincar com Henry e dançar em festas da firma; de ele ser emotivo e chorar com facilidade ao assistir a filmes; etc. Além disso, há, claro, características que os dois têm em comum, sendo a mais notável – ao menos, para mim – a de tanto Nicole quanto Charlie serem capazes de apontar algo potencialmente constrangedor em outras pessoas e mesmo assim não constrangê-las de fato, o que denota não só gentileza, mas perspicácia da parte de ambos. Por outro lado, fica claro também que tanto ela quanto ele são donos de personalidades extremamente fortes e competitivas, demonstrando atitudes sempre determinadas e nunca gostando de se dar por vencidos – o que é, por si só, um provável causador de atrito.

De certa maneira, Nicole e Charlie sempre foram propensos ao conflito, não importando quando este fosse chegar – e o marido, inclusive, ainda tem o possível agravante de ter tido uma experiência traumática com “álcool” e “violência” na infância (algo que o filme não explica direito, pois não é necessário; a sugestão de que o problema existiu desde cedo já é reveladora o bastante). Não é surpresa, portanto, que o comportamento que Charlie exibe no presente seja o de um homem bruto e distante, como se desde o início ele tivesse sido levado a se tornar uma pessoa… complicada – o que se reflete, aliás, na sua forma de buscar um profissional que o ajude no divórcio, que vai de encontro com a de Nicole: por um lado, Charlie salta de advogado em advogado procurando não apenas por um apoio jurídico, mas por alguém que possa confortá-lo emocionalmente (e demorando a ter sucesso em sua procura), ao passo que Nicole é imediatamente abraçada por Nora assim que inicia sua busca. Nora, por sinal, é encarnada por Laura Dern não como uma mera personagem, mas como uma espécie de “escada” para Nicole, uma mulher que está lá para animá-la e para dizer exatamente o que ela deseja ouvir – não por uma vontade autêntica de ajudá-la, mas para ser enxergada como uma profissional recomendável.

Mas não é só: pontuando as ações dos personagens com vários pequenos detalhes que fazem a situação ao redor deles soar mais verossímil, escapando de uma dramatização tola e artificial, História de um Casamento parece escrito por uma pessoa que de fato entende (talvez por experiência de vida?) a dor representada pela separação e como os indivíduos envolvidos nesta se comportariam. Além disso, Baumbach jamais tenta definir Nicole e Charlie como “vítimas” ou “monstros”; apenas como dois seres humanos que dividiam uma relação que, com o tempo, se tornou nociva para ambos – algo que se reflete, mais uma vez, em detalhes aparentemente bobos como o fato de, em dado momento, Charlie se deparar com o novo corte de cabelo de Nicole e se achar no direito de dar uma opinião desagradável (“Eu preferia mais longo”). Assim, os dois cometem erros uns contra o outro: se Charlie esconde de Nicole que a traiu, por exemplo, esta descobre invadindo os emails pessoais do marido e ainda busca uma forma de “retribuí-lo” em seguida, ao passo que, na memorável cena em que a relação do casal chega a um ponto de ebulição, o sujeito nem se preocupa mais em parecer moralmente correto, admitindo sem vergonha alguma ter contratado um advogado anti-profissional para ajudá-lo no divórcio porque precisava jogar sujo para alcançar seus objetivos. (Aliás, gosto particularmente de como Baumbach conduz esta sequência, diminuindo gradualmente o tamanho dos planos e criando um clima cada vez maior de claustrofobia.)

Claro que um filme como este (muito pautado em diálogos) depende não apenas de uma condução eficiente, mas de performances que façam jus por conta própria – e, neste sentido, História de um Casamento está bem servido: conferindo energia e intensidade a Charlie, Adam Driver encontra um equilíbrio perfeito entre o comportamento bruto e autodestrutivo do marido (que eventualmente o leva a explosões de raiva) e a fragilidade emocional que tende a desestabilizá-lo em alguns dos momentos-chave da narrativa, ao passo que Scarlett Johansson transforma Nicole em uma mulher que tem, sim, uma personalidade própria (ela dá dicas úteis no set de filmagem no qual trabalha como atriz, por exemplo), mas que há muito parece ter perdido sua voz, já que, ao longo dos anos, se deixou viver as conquistas do marido sem encontrar um espaço para si – e é ao mesmo tempo triste e revelador, portanto, que em dado momento ela diga ter assistido a um documentário sobre George Harrison (provavelmente Living in the Material World, de Martin Scorsese) e ter pensado “É só eu ser que nem a esposa dele” para, em seguida, se dar conta de que não sabia sequer qual era o nome dela.

Pecando apenas pela falta de sutileza em alguns detalhes de sua construção dramática (quando Nicole se diz incapaz de chorar em público, isto ocorre apenas para que ela se dirija em direção ao quarto sozinha em seguida e imediatamente comece a se debulhar em lágrimas, o que é tão óbvio quanto a cena em que ela e Charlie aparecem fechando uma porta e sendo separados pelos dois lados desta), História de um Casamento é uma obra eficiente na maior parte do tempo justamente por compreender que a dor de um término de relacionamento nem sempre começa de forma escancarada, surgindo muitas vezes no meio de declarações de amor que, embora verdadeiras em seu significado, se revelavam cada vez menos condizentes com a realidade do casal.

E que muitos dos motivos que levaram ao fim do casório já estivessem presentes desde seu início é triste por si só.

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