Divertida Mente (1)

Título Original

Inside Out

Lançamento

18 de junho de 2015

Direção

Pete Docter

Roteiro

Pete Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley

Elenco

As vozes de Amy Poehler, Phyllis Smith, Richard Kind, Lewis Black, Bill Hader, Mindy Kaling, Kaitlyn Dias, Diane Lane e Kyle MacLachlan

Duração

94 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Jonas Rivera

Distribuidor

Disney

Sinopse

Riley é uma garota divertida de 11 anos de idade, que deve enfrentar mudanças importantes em sua vida quando seus pais decidem deixar a sua cidade natal, no estado de Minnesota, para viver em San Francisco. Dentro do cérebro de Riley, convivem várias emoções diferentes, como a Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojinho e a Tristeza. A líder deles é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz. Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que ela e Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle – e, enquanto isto não acontece, a vida da garota muda radicalmente.

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Divertida Mente | Crítica

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Durante mais de uma década, a Pixar parecia imbatível em sua maneira de quebrar paradigmas, especializando-se em transformar premissas geralmente simples (como super-heróis salvando o mundo, brinquedos que ganham vida e um peixinho que se perde de seu pai) em obras tematicamente ricas, maduras, criativas até o talo e que dosavam drama e comédia de forma tão perfeita que produções como Toy StoryMonstros S.A.Procurando Nemo, Os IncríveisRatatouilleWall-E e Up revelaram-se capazes de encantar tanto as crianças quanto os adultos que as levavam aos cinemas. Assim, foi uma pena perceber que, depois do lindo Toy Story 3, a Pixar padeceu de uma crise criativa fortíssima, passando a investir somente no que parecia seguro (continuações e prequels) sem a mesma imaginação espirituosa de outrora – e foi neste período que começaram a surgir os primeiros grandes tropeços do estúdio, como Carros 2. E é por isso que não há como conter a alegria em perceber que a Pixar finalmente parece ter voltado à boa forma neste Divertida Mente, possivelmente o projeto mais ambicioso da empresa.

Escrito e dirigido pelo mesmo Pete Docter de Monstros S.A. Up (e o roteiro foi escrito por ele, por Meg LeFauve e por Josh Cooley), Divertida Mente acompanha o cotidiano das emoções Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho e como trabalham no painel de controle da mente de Riley, uma pré-adolescente cuja vida sofre uma reviravolta depois ao se mudar para uma nova cidade. Depois que Alegria e Tristeza se perdem na vasta consciência da menina, Raiva, Medo e Nojinho tentam substituir as colegas, mas são incapazes de fazê-lo devidamente, o que gera uma crise depressiva em Riley. Assim, as duas emoções têm de correr para voltar ao painel de controle e, assim, devolver a felicidade à vida da deprimida garota. As primeiras linhas desta sinopse podem dar a entender que se trata de uma obra tematicamente bobinha e simplória, mas basta prosseguir com a leitura para perceber que a maturidade da Pixar acerta em cheio ao aproveitar ao máximo o potencial de conceitos que, à primeira vista, soam tão infantis.

É neste processo que o filme se revela complexo e, de certa maneira, até esclarecedor: elaborando de forma criativa o funcionamento de cada emoção, Divertida Mente ajuda a ilustrar e compreender o ser humano como a forma de vida imprevisível que é. Neste aspecto, o longa toma uma decisão brilhante ao evitar o maniqueísmo que poderia facilmente acometer as caracterizações de suas personagens, demonstrando, com isso, que a Tristeza (que tanto costuma ser vilanizada) tem sua utilidade e é indispensável em certas ocasiões, ao passo que a Alegria pode até ser reconfortante, mas se aplicada nos momentos errados, talvez não surta efeitos exatamente positivos. Assim, o filme relembra (corretamente) que o equilíbrio entre as diferentes emoções é algo essencial para nosso funcionamento, aproveitando para, ao mesmo tempo, encontrar razões para o comportamento de cada indivíduo  e justificas para suas ações. Com isso, Divertida Mente traz mensagens relativas à complexidade dos sentimentos humanos e volta a atestar a já conhecida habilidade da Pixar em conceber narrativas ricas e densas a partir de premissas destinadas ao público infanto-juvenil (o que, obviamente, faz com que estas obras deixem de ser destinadas exclusivamente aos pequenos), ao mesmo tempo que é digno de aplausos por sua audácia ao abordar a depressão, buscando entendê-la de maneira sensível e complexa mesmo sem citá-la nominalmente.

Aliás, Divertida Mente é maduro ao ponto de jamais apelar para um didatismo fácil e superficial para construir seu universo ou transmitir suas mensagens efetivamente. Com isso, jamais é dito abertamente, por exemplo, que Riley se torna vítima da depressão depois que sua vida muda drasticamente, mas basta conhecer a doença para constatar que a crise enfrentada pela garota (diretamente ligada à perda de sua Alegria) tem nome. Enquanto isso, a inventividade do filme ao “materializar” conceitos merece ser aplaudida de pé, sendo fabuloso, por exemplo, ver os mecanismos que mantêm as “memórias básicas”, as variadas ilhas tematizadas de acordo com os gostos e comportamentos de Riley e, claro, um colossal e sombrio abismo para onde vão lembranças aparentemente irrelevantes/supérfluas, condenadas ao esquecimento. No entanto, poucas ideias de Divertida Mente são mais interessantes que a de um espaço da mente no qual tudo se torna abstrato – e um dos momentos mais geniais da obra se passa justamente nesta sala, ilustrando o processo que converte ideias/sentimentos em aspectos abstratos através de uma brincadeira inspiradíssima com a dimensão dos personagens (em computação gráfica), tornando-os temporariamente 2D.

A criatividade de Divertida Mente é proporcional à cautela estética exercida pela produção, algo comprovado a partir do momento em que notamos como a riqueza visual do longa fortalece sua principal mensagem: a de que a vida é colorida demais para ser confinada às cores sóbrias e melancólicas da desesperança. Assim, o universo existente dentro da mente de Riley (e de todos, seguindo a lógica do filme) é multicolorido como as cinco emoções que habitam a sala principal, sendo que estas chegam a projetar a variedade estética nas roupas usadas pela humana em manutenção. Percebam, por exemplo, como Riley deixa gradativamente de trajar vestimentas coloridas conforme a infelicidade toma conta de sua consciência, da mesma forma como se trata de uma atitude igualmente vasta em admirável originalidade ver as memórias consideradas inúteis abandonando suas tonalidades amarelas, azuis, vermelhas, verdes ou roxas até culminarem em tons escuros quando são esquecidas.

O mesmo esmero técnico e conceitual se aplica às cinco emoções que protagonizam a narrativa: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho. Os personagens-sentimentos funcionam justamente por surgirem como personificações fidedignas das respectivas emoções: a Alegria é, segundo a Teoria das Cores, amarela como a energia e a felicidade, exibindo sua roupa lúdica (similar ao vestido de Sininho) e seu temperamento radiante frequentemente; a divertidíssima Tristeza, azul como a mágoa, se apresenta como uma inconfundível garota socialmente deslocada e insatisfeita com suas próprias condições; a Raiva, vermelha como a fúria e o perigo, rende alguns dos melhores momentos da projeção e aparece sempre caracterizado como um clássico empregado estressado (com direito a roupas adequadas a um ambiente de trabalho); o Medo é pomposo e desajeitado como um daqueles nerds estereotipados; e Nojinho – verde como… esqueçam, não quero gerar desgosto – surge como um daqueles retratos típicos de garotas populares e fúteis de colégio. Mas afinal, como não gostar de uma produção cinematográfica que conte com um coadjuvante de luxo como Bing Bong?

Contando com uma trilha incidental sensível de Michael Giacchino, Divertida Mente demonstra versatilidade ainda no que diz respeito à abordagem da narrativa: ao mesmo tempo em que consegue despertar risadas a partir de tiradas bem elaboradas e certeiras, o longa demonstra o mesmo virtuosismo ao compor momentos dramáticos intensos e emocionalmente exaustivos. Mas a habilidade do filme ao lidar com esses dois tons completamente distintos pouco adiantaria se não houvesse um equilíbrio ideal entre a comoção e o bom humor. No entanto, esta dificuldade, felizmente, é evitada com inteligência pelo excelente roteiro capaz de aproveitar a comédia engenhosa como um método mais que apropriado de desarmar expectativas e impedir que o longa se torne emotivo demais; e o contrário também ocorre quando a dramaticidade surge para garantir que o filme não utilizará o bom humor de forma exagerada.

Resgatando da melhor forma possível a criatividade que Pixar costumava exercer até alguns anos e que se perdeu nos projetos mais recentes, Divertida Mente é uma obra imaginativa e intrincada em termos de conteúdo, e é justamente por isso que é capaz de projetar uma atração até maior nos adultos. Por outro lado, não seria um legítimo filme da Pixar se não demonstrasse habilidade em conquistar o público infanto-juvenil, e eu apontaria como improbabilidade ver as crianças recebendo com indiferença este possível candidato à vaga de longa-metragem mais belo e criativo que o estúdio já concebeu.

Obs.: diferente da atração principal, o curta-metragem Lava, que antecede Divertida Mente, não é dos melhores que a Pixar/Disney já produziu. É tecnicamente impecável e sua proficiência estética é potencializada pela versão em 3D, mas carece de originalidade temática e passa longe do que o estúdio já demonstrou ser capaz de realizar em curtas.

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