O Homem Invisível (1)

Título Original

The Invisible Man

Lançamento

27 de fevereiro de 2020

Direção

Leigh Whannell

Roteiro

Leigh Whannell

Elenco

Elisabeth Moss, Oliver Jackson-Cohen, Aldis Hodge, Storm Reid, Harriet Dyer e Michael Dorman

Duração

124 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Jason Blum e Kylie du Fresne

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Quando o ex abusivo de Cecilia (Elisabeth Moss) tira a própria vida e deixa sua fortuna, ela suspeita que a morte dele tenha sido uma farsa. Como uma série de coincidências se torna letal, Cecilia trabalha para provar que está sendo caçada por alguém que ninguém pode ver.

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O Homem Invisível | Crítica

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Refilmar uma história já contada várias vezes ao longo das décadas é sempre uma tarefa complicada: por um lado, repetir rigorosamente todos os elementos já apresentados na obra original certamente fará a nova versão soar não só desnecessária, mas – o pior – anacrônica; por outro, se distanciar demais da fonte pode resultar na perda absoluta de sua essência, como se os responsáveis pelo filme tivessem apenas se apropriado do título de outro completamente diferente a fim de garantir uma bilheteria mais fácil. Assim, é um alívio ver algo como esta refilmagem de O Homem Invisível, que, dirigida por Leigh Whannell (Upgrade), é hábil ao preservar o conceito do personagem criado por H. G. Wells em 1897 e, ao mesmo tempo, trazê-lo para um contexto que só poderia pertencer mesmo ao ano de 2020, dando-se ao luxo de usar a premissa do personagem-título como pretexto para discutir assuntos extremamente contemporâneos.

Inspirado no livro clássico de Wells (já adaptado para Cinema e TV em diversas ocasiões – as mais famosas nos longas de 1933, de James Whale, e 2000, de Paul Verhoeven), O Homem Invisível começa com a fuga de Cecilia Kass da mansão do namorado Adrian Griffin, um jovem cientista rico que conseguiu, através de abusos psicológicos que iam dos mais sutis aos mais escancarados, transformar a vida da companheira em um horror constante. No entanto, poucos dias depois de finalmente se livrar das garras do ex-namorado, Cecilia recebe a notícia de que ele se suicidou, o que naturalmente parece pôr um ponto final na relação entre os dois. À medida que o tempo vai passando, porém, a protagonista começa a ser atormentada por uma série de acontecimentos estranhos (e apavorantes), levando-a a suspeitar que a morte de Adrian tenha sido uma farsa e que um homem aparentemente invisível a estaria perseguindo.

Eficaz ao modernizar não só o conceito do personagem-título, mas toda a lógica do universo ao seu redor (agora situado na atualidade e dotado da tecnologia presente no século 21), Leigh Whannell mostra-se disciplinado ao construir um terror que se baseia mais na atmosfera influenciada pela presença/ausência do Homem Invisível do que necessariamente em sustos mais fáceis (embora estes existam de vez em quando) – e, com isso, o diretor cria várias passagens que, ambientadas em cenários aparentemente vazios, deixam o espectador inquieto diante da simples possibilidade do vilão poder ou não estar lá. Não que a estratégia de Whannell se dedique apenas à sugestão de que o Homem Invisível está em cena: quando chega a hora de mostrá-lo, o resultado é tão intenso que chega a envolver lutas corporais impressionantes em sua agressividade, indicando um flerte do filme pelo gênero “ação” que, mais uma vez, é fruto de uma tentativa constante de modernizar a premissa do Homem Invisível como um todo. Aliás, é justamente o cuidado de Whannell ao criar o tom da narrativa que torna a trilha de Benjamin Wallfisch (ItBlade Runner 2049Shazam!) tão decepcionante, já que esta apela para notas graves que se mantêm do primeiro ao último segundo da projeção e que buscam imprimir tensão de forma óbvia e artificial.

O que nem era necessário, já que as situações retratadas em O Homem Invisível são aterrorizantes por si só – afinal, são demonstrações práticas dos horrores que acontecem na vida real e que independem de monstros fictícios para ocorrerem. E, se há algo que historicamente o Terror comprovou fazer bem, foi servir de palco para que cineastas criassem alegorias sociais a partir das situações macabras e absurdas que saíam de suas imaginações (pensem em Os Invasores de Corpos, na trilogia dos mortos-vivos de George Romero ou mesmo em exemplos recentes como Corra!). Neste sentido, O Homem Invisível não poderia ser mais bem-sucedido, usando a ideia de um indivíduo que está sempre à espreita, mas que nunca pode ser visto, como ponte de partida para uma longa discussão sobre o excesso de vigilância patrocinado pelas grandes agências de segurança dos Estados Unidos e pelos algoritmos de Internet capazes de identificar todos os traços de personalidade de seus usuários – e, se lembrarmos do escândalo da NSA há alguns anos, percebemos que faz todo o sentido que várias das ações praticadas pelo Homem Invisível dependam e sejam vistas através de câmeras de segurança.

Mas O Homem Invisível vai além, empregando o conceito do personagem-título para refletir um aspecto do mundo real que é igualmente assustador: o relacionamento abusivo e a violência por este implicada. Tão invisíveis quanto o próprio Homem Invisível, os abusos psicológicos geralmente surgem não às claras, mas disfarçados de pequenas atitudes no cotidiano que, de tão insignificantes que aparentam ser, permitem que o abusador volte a praticá-las em doses cada vez maiores e, muitas vezes, impedem a vítima de se reconhecer como tal, ao passo que esta, por sua vez, vê sua privacidade ir embora, sua autoconfiança ser reduzida a cinzas e suas relações com amigos e familiares serem tragicamente destruídas (isto quando os abusos não incluem violência física, é claro).

Para as pessoas ao redor do casal, no entanto, os sinais nem sempre são perceptíveis, sendo frequentemente encarados como simples “paranoia” por parte da vítima – e, com isso, tornando o relacionamento abusivo tão invisível quanto o Homem Invisível em si. Assim, é compreensível que, quando Cecilia foge da mansão de Adrian, a ação seja tratada por Whannell como uma missão incrivelmente tensa, soando como uma fuga de um cativeiro (que é mesmo). Além disso, a performance de Elisabeth Moss mostra-se fundamental ao retratar não só o sofrimento de uma mulher que há muito vem sendo corroída por uma convivência nociva, mas também – o mais importante – a força de alguém que conseguiu perceber sua condição e preferiu lutar para preservar um mínimo de esperança.

Não que o filme seja particularmente sutil ao lidar com seus temas: a falta de ambiguidade da narrativa, em especial, me incomoda um pouco, não exigindo muito esforço do espectador e consequentemente impedindo (creio eu) que interpretações muito diferentes possam surgir a partir do que é mostrado. Ainda assim, os resultados alcançados por Leigh Whannell são tão eficientes que, honestamente, me sinto incapaz de visualizar o Homem Invisível desta produção em qualquer época se não 2020 – e é sempre admirável quando uma reimaginação não só faz jus ao prefixo da palavra, incorporando elementos novos a uma premissa aparentemente batida, como também aproveita para ser tematicamente relevante.

Afinal, o Homem Invisível do mundo real não precisa saber lutar ou entender de tecnologias ainda inexistentes para aterrorizar suas vítimas; basta convencê-las de que é uma figura confiável e se infiltrar aos poucos em suas vidas até dominá-las por completo. Isto tanto nas maiores agências de segurança do mundo quanto nas interações mais sutis de nosso dia a dia.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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