Você Não Estava Aqui (1)

Título Original

Sorry We Missed You

Lançamento

27 de fevereiro de 2020

Direção

Ken Loach

Roteiro

Paul Laverty

Elenco

Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone, Katie Proctor, Ross Brewster e Charlie Richmond

Duração

100 minutos

Gênero

Nacionalidade

Inglaterra

Produção

Rebecca O’Brien

Distribuidor

Vitrine Filmes

Sinopse

Em Você Não Estava Aqui, após a crise financeira de 2008, Ricky e sua família se encontram em situação financeira precária. Ele decide adquirir uma pequena van, na intenção de trabalhar com entregas, enquanto sua esposa luta para manter a profissão de cuidadora. No entanto, o trabalho informal não taz a recompensa prometida, e aos poucos os membros da família passam a ser jogados uns contra os outros.

Publicidade

Você Não Estava Aqui | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Há alguns dias, assisti a um vídeo da youtuber drag Rita Von Hunty no qual discutia o “futuro do trabalho” e usava, como ponto de partida, o conceito do entregador de aplicativos de comidas como Uber Eats: frequentemente obrigado a alugar bicicletas (como, por exemplo, as do Itaú) para realizar suas entregas, o sujeito atua de forma absolutamente autônoma, não possuindo vínculo empregatício algum com as empresas ao redor de sua jornada. O problema é que, com isso, nenhum direito trabalhista pode ser garantido para o entregador – e se ele sofrer um acidente durante o expediente (como a própria Rita presume), quem cobrirá sua hospitalização não será o Uber Eats, o Itaú, o restaurante que preparou a comida ou o cliente que fez o pedido, mas ele mesmo (sim, do próprio bolso).

Pois confesso que pensei constantemente no vídeo de Rita ao assistir a Você Não Estava Aqui, novo filme do britânico Ken Loach – e que (como é costumeiro na filmografia do cineasta) se revela uma denúncia soberba de como a classe trabalhadora é diariamente submetida a condições subumanas por seus patrões. Desta vez, Loach e o roteirista Paul Laverty (que faz parte da “trupe” habitual do diretor) nos apresentam ao pai de família Ricky Turner, que, desempregado há algum tempo, finalmente consegue fechar um contrato com uma empresa, passando a trabalhar como entregador de encomendas. No entanto, mesmo dedicando praticamente o dia inteiro ao emprego, correndo para alcançar seus destinos dentro de prazos curtíssimos e aturando a má educação dos clientes, o fato de ser autônomo impede Ricky de ter acesso a direitos que deveriam ser básicos para um trabalhador, sendo exaustivamente explorado pelo empregador e acumulando novas multas para cada “falta” (inevitável) que comete.

Fazendo questão de mostrar cada detalhe da rotina excruciante de Ricky e como esta se transforma em uma bola de neve da qual ele simplesmente não pode fugir, Você Não Estava Aqui é hábil ao retratar cada “entrega” feita pelo protagonista como uma pancada a mais em sua jornada de trabalho, tendo que lidar, por exemplo, com a grosseria de clientes que reclamam da “demora” para receber suas encomendas ou – o pior – que se recusam a assinar um documento fundamental para comprovar a entrega em si. Além disso, a total falta de empatia demonstrada pelo “patrão” de Ricky torna perfeitamente compreensível não só sua ansiedade, mas também seu receio em ter que abrir mão de uma ou outra hora de trabalho por causa de uma urgência familiar surgida de última hora – e, neste sentido, é interessante notar como Loach usa a situação enfrentada pelo protagonista não apenas como uma denúncia social relevante, mas também como um catalisador dramático eficiente, pois qualquer coisinha que ameace o desempenho de Ricky leva o espectador a temer por ele e, consequentemente, por sua família.

Por falar em família, a esposa e os filhos de Ricky são personagens tão importantes – e fascinantes – quanto ele, já que, quanto mais os conhecemos, mais entendemos o colapso no qual todos entrariam caso o protagonista e sua esposa, Abbie, perdessem os empregos: mesmo passando mais de 10 horas por dia cuidando de idosos, a mulher ainda assim divide com o marido uma renda total que, no fim das contas, não assegura que todas as dívidas e multas serão solucionadas. Por outro lado, a ausência de Abbie e Ricky na maior parte do tempo obviamente surte um efeito negativo em seus filhos – em especial, no adolescente Seb, rebelde a ponto de tomar atitudes que, destrutivas para o pai, tornam-se autodestrutivas por definição; sendo surpreendente, portanto, o equilíbrio que estabelece com a pequena (e esperta) irmã Liza Jane. E, ao redor de tudo isso, está a exploração sofrida por Ricky e Abbie, cujas atividades, se desligadas, resultarão no desligamento da família inteira.

Jamais buscando chamar a atenção para si, Ken Loach e o diretor de fotografia Robbie Ryan (outro colaborador habitual do cineasta) evitam caprichos estilísticos dispensáveis e mergulham o espectador em um mundo que funciona justamente por ser tão real, soando cinzento, pessimista e seco em espírito – algo que a dupla também fizera em suas colaborações anteriores, como o excelente Eu, Daniel Blake (que venceu a Palma de Ouro em 2016). Para completar, é necessário destacar também o ótimo trabalho do montador Jonathan Morris (outro que faz parte da “patota” de Loach), que consegue espelhar, no ritmo da narrativa, a desgastante lógica de “um dia após o outro” que pontua a rotina de Ricky – e, portanto, fazer o espectador compreendê-la através do andamento da história em si (neste sentido, os constantes fades acabam servindo quase como encerramentos de pequenos capítulos no dia a dia dos personagens).

Esta lógica de “um dia após o outro”, aliás, é sofrida até o fim. E não deixa de ser corajoso, da parte de Loach, mostrar como Ricky está confinado a um drama aparentemente infinito, descartando qualquer possibilidade de “final feliz” para sua jornada – e levando o espectador a sair do cinema com um profundo sentimento de melancolia diante de uma tragédia imposta não só sobre o protagonista desta obra, mas sobre toda uma classe trabalhadora do mundo real.

E é por isso que um filme como Você Não Estava Aqui torna-se fundamental, por exemplo, num Brasil em que os direitos trabalhistas estão sendo gradualmente destruídos para que os poderosos continuem a explorar cada vez mais o proletariado.

Mais para explorar

Cidade; Campo | Crítica

Um filme que funciona sempre que se concentra nos toques, detalhes e respiros mais íntimos de suas personagens,

O Corvo (1994) | Crítica

Uma fábula gótica tão expressiva e impactante visualmente que fica difícil não se deixar levar pela ambientação daquela história e pela abordagem cartunesca do diretor Alex Proyas.

O Corvo (2024) | Crítica

É uma pena que essa nova adaptação seja tão fraca, já que o projeto como um todo parte de ideias interessantes, que tinham tudo para dar certo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *