Apenas dois anos depois de surpreender a todos com o ótimo Whiplash, no qual declarava incontido amor à Música e, em especial, ao jazz (aliás, sua predileção pelo gênero também pode ser constatada em Guy and Madeline on a Park Bench, seu longa de estreia), o diretor e roteirista Damien Chazelle volta a manifestar a mesma devoção em La La Land, mas desta vez aproveitando para homenagear outro tema aparentemente caro à sua formação como artista: a “Era de Ouro” dos musicais. Felizmente, com bons resultados, já que o filme mostra-se hábil ao resgatar a inocência e o caráter lúdico de muitos representantes do gênero dos anos 1930, 1940 e 1950, surgindo como uma experiência particularmente alegre e contagiante – e confesso que há um bom tempo não assistia a um filme que me empolgasse como La La Land.
Adotando uma estrutura fragmentada ao longo das quatro estações do ano (como se estas fossem “capítulos” da história dos protagonistas), o roteiro de Chazelle começa nos apresentando a Mia Dolan, uma jovem que trabalha num bar dentro de um estúdio e que sonha em se tornar uma atriz – um objetivo que parece cada vez mais distante, já que todos os testes que faz na esperança de conseguir um papel resultam em fracasso. Em seguida, passamos a acompanhar Sebastian Wilder, um pianista fracassado que mal consegue sustentar seu casamento e que deseja não apenas administrar um bar dedicado ao jazz, mas também ressuscitar o gênero musical dos velhos tempos. Assim, é claro que algo fará os caminhos dos dois sonhadores se cruzarem, motivando um romance entre eles. Não é a mais original das tramas, é verdade, mas ao menos serve para atender aos propósitos de uma obra que, convenhamos, é inofensiva do ponto de vista temático.
Exibindo fascínio e devoção na forma como reverencia suas inspirações, Damien Chazelle mostra-se surpreendentemente comedido ao assumir a direção, nem sequer tentando se igualar a Stanley Donen, a Vincente Minnelli ou a Mark Sandrich em seus esforços – e, se por um lado isto pode ser interpretado como um gesto de modéstia admirável, por outro impede o cineasta de realizar um trabalho tão impressionante quanto o dos diretores citados anteriormente, sendo uma pena, portanto, que as coreografias executadas por Emma Stone e Ryan Gosling surjam tão fracas quando comparadas ao que Fred Astaire, Ginger Rogers, Gene Kelly e/ou Debbie Reynolds faziam em cena (observem, por exemplo, como Gosling parece meio constrangido ao sapatear durante a sequência do pôr do sol). Em compensação, Chazelle é bem-sucedido ao incluir, durante a projeção, várias referências não só aos musicais, mas a toda a História do Cinema que soam orgânicas em vez de gratuitas (a janela de Casablanca; a parede com grafites de Charlie Chaplin e outros ícones de Hollywood; o poste no qual Gene Kelly “cantou na chuva”; algumas breves recriações de trechos de Juventude Transviada; etc).
Em outras palavras: é como se Chazelle soubesse estar comandando uma homenagem aos clássicos com os quais cresceu, absorvesse a essência da maioria de suas influências e não conseguisse acreditar na oportunidade que ganhou ao poder usá-las/reverenciá-las; o que é não apenas empolgante, mas tocante. Por outro lado, mesmo simulando a aparência “retrô” dos anos 1930, 1940 e 1950, La La Land também tenta combinar o estilo clássico dos musicais daquelas décadas e o contexto moderno no qual a narrativa se insere – e, aqui, os resultados são mais irregulares, já que eventualmente fazem o filme soar apegado demais ao passado (como se voltar a este devesse ser o objetivo do mundo contemporâneo), rejeitando toda e qualquer intrusão de elementos mais modernos na narrativa. Assim, se o objetivo de Sebastian é “retomar o jazz de antigamente” (ao contrário de seu parceiro que, vivido pelo cantor John Legend, tem interesse em revolucionar o gênero), o número musical que ocorre durante o pôr do sol e que quase culmina no primeiro beijo entre Mia e Sebastian é interrompido pelo toque de um celular, o que é revelador.
Seja como for, o fato é que La La Land é uma obra esteticamente eficiente, saindo-se bem em sua missão de resgatar vários elementos estilísticos que remetam ao Cinema da época homenageada por Chazelle, como o “The End” que encerra a projeção e a íris circular que se fecha no rosto de certo personagem num instante específico – e, neste sentido, a fotografia de Linus Sandgren acerta ao rodar a narrativa em CinemaScope, oferecendo uma razão de aspecto ampla e que, além de permitir que vejamos mais das imagens contidas na tela, lembra o padrão dos clássicos da época em que a tecnologia era mais utilizada. Aliás, a decisão de rodar a maior parte dos números musicais em longos planos representa, para os atores, um desafio óbvio, já que precisam dançar e cantar por um tempo considerável sem poderem falhar (ou mesmo contar com o benefício de cortes entre um passo e outro), sendo impressionante, em particular, que, logo na cena que abre a projeção, Chazelle surpreenda com um número rodado em plano-sequência (ou que, pelo menos, simula um plano-sequência) e que representa um desafio técnico admirável, alternando entre steadycam e grua sem perder a fluidez.
Mas não é só: inteligente ao diminuir a variedade de cores a partir do momento em que chega o capítulo do “outono” (que, representando a passagem mais melancólica dos arcos de Mia e Sebastian, começa a deixar prevalecer um verde-esmeralda que ajuda a ilustrar os sentimentos negativos que tomam conta do casal), Sandgren é hábil ao manipular a iluminação a fim de retratar a influência estética do showbiz na vida dos personagens: aqui, Sebastian vai tocar piano num clube e todas as luzes ao seu redor se apagam com exceção da única que o enfatizará, como se fosse um holofote; ali, quando Mia vai se apresentar numa audição, as luzes mais uma vez se apagam, mas as cortinas atrás dela ficam bem visíveis, aumentando ainda mais a sensação de se tratar de um espetáculo. (E há, claro, momentos que se destacam apenas por serem plasticamente bonitos, como o que traz uma valsa no planetário do Observatório Griffith.) Além disso, a montagem de Tom Cross (que venceu o Oscar por Whiplash) é capaz de alternar entre passado e presente com notável fluidez, atingindo seu ápice no clímax do longa – que, por mais lúdico que seja, nem por isso soa pretensioso ou excessivo.
Fortalecido por canções que, além de belíssimas, sempre refletem bem as emoções sentidas pelos personagens (minhas favoritas são “Another Day of Sun” e “A Lovely Night”), La La Land torna-se ainda melhor graças ao design de produção de David Wasco e aos figurinos de Mary Zophres, que ajudam a estabelecer uma lógica visual multicolorida para o filme e que se mantém da primeira à última cena do filme, investindo em uma paleta carregada, saturada e que evita muitas repetições entre si, criando uma harmonia constante entre as cores (quando Mia vai a uma festa com suas três irmãs, as quatro garotas surgem vestindo amarelo, azul, vermelho e verde; quando motoristas cantam e dançam num viaduto engarrafado, as cores de seus carros revelam-se bem mais chamativas do que cinza ou preto; quando conhecemos o apartamento das irmãs Dolan, notamos que cada cômodo, parede ou mobília conta com cores diferentes; etc).
Retomando a parceria que começou em Amor a Toda Prova e que se estendeu em Caça aos Gângsteres, a dupla Emma Stone e Ryan Gosling brilha em função de algo que ambos têm em comum: a simpatia. Para começo de conversa, Stone possui a dose perfeita de doçura para compor Mia, uma jovem meiga que atrai o espectador graças à sua personalidade marcante e aos seus dramas pessoais (e confesso que Stone conseguiu me emocionar até mesmo nos momentos que retratam as audições de Mia e nos quais seu choro era obviamente encenado). Já Gosling, que vem se mostrando bastante eficiente como ator cômico (assistam a Dois Caras Legais!), encarna Sebastian como um sujeito que nutre certo charme apesar dos problemas que enfrenta, convertendo-se numa figura relativamente sarcástica, mas que nem por isso deixa de ser compassiva. Agora, basta pôr duas pessoas tão carismáticas para contracenarem que a química entre a dupla surgirá como uma explosão de vivacidade, tornando-se impossível, para o espectador, não torcer pelo casal ou temer seus erros ocasionais.
Indicando a habilidade do cineasta em abordar temas parecidos através de abordagens distintas entre si (se, em Whiplash, acompanhávamos o aspirante a baterista Andrew Neiman buscando a perfeição num mundo hostil e desafiador, aqui vemos dois jovens correndo atrás de seus sonhos num universo bem mais otimista e cuja leveza é sempre realçada pela variedade de suas cores), La La Land comprova que Damien Chazelle veio mesmo para ficar. Esperemos para ver o que ele nos oferecerá daqui em diante.