Ponto Cego

Título Original

Blindspotting

Lançamento

4 de outubro de 2018

Direção

Carlos López Estrada

Roteiro

Daveed Diggs e Rafael Casal

Elenco

Daveed Diggs e Rafael Casal

Duração

95 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Daveed Diggs, Rafael Casal, Keith Calder e Jess Calder

Distribuidor

Paris Filmes

Sinopse

Em Oakland, Califórnia, o ex-presidiário Collin (Daveed Diggs) enfrenta os últimos dias de liberdade de condicional antes de acertar as suas contas com a justiça. Quando presencia uma troca de tiros envolvendo policiais, ele hesita sobre a melhor coisa a fazer e conta com a ajuda de seu amigo de infância, Miles (Rafael Casal). Contudo, o caso expõe as diferenças de pensamentos entre ambos e revela os traumas sociais de cada um.

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Ponto Cego | Crítica

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O “lugar de fala” é um dos assuntos que mais vêm sendo debatidos na atualidade: antes de opinar a respeito dos direitos de minorias e das manifestações culturais, é importante que o interlocutor entenda seu papel no meio da discussão. Um homem não pode afirmar que compreende como é a realidade de uma mulher; um heterossexual não sabe como é ter sua sexualidade reprimida desde sempre; um branco não é capaz de sentir na pele a repressão que os negros sentem diariamente; e etc. E como o homem branco que sei que sou, digo somente que posso – e devo – simpatizar com os movimentos que lutam pelos direitos das minorias, mas não dizer que faço parte dela; afinal, eu nunca andei na rua à noite com medo de ser estuprado ou de ser revistado pela polícia graças à cor da minha pele ou às roupas que utilizo.

Roteirizado, produzido e estrelado por Daveed Diggs e Rafael Casal, Ponto Cego é um filme fundamental em uma época onde “lugar de fala” se tornou uma expressão tão recorrente: ambientado na cidade de Oakland, na Califórnia, o longa acompanha o jovem Collin Hoskins, que, depois de passar quase um ano preso, foi posto em liberdade condicional e está nos últimos dias de sua sentença. Passando a maior parte do tempo ao lado de seu melhor amigo, Miles, o sujeito realiza vários serviços sociais e trabalha numa companhia de mudanças residenciais, mantendo-se dentro das regras impostas pelo juiz. Após testemunhar a execução de um jovem negro pelas mãos de um policial, Collin passa a questionar ainda mais a realidade na qual está inserido e pensar em como é necessário sobreviver ao racismo que existe na sociedade.

Exibindo uma maleabilidade admirável ao transitar entre o bom humor de certas passagens e o peso dramático de outras, oferecendo alguns toques pontuais de comicidade a fim de fortalecer a mensagem do filme como um todo (algo que o recente Infiltrado na Klan também fez com maestria), o diretor Carlos López Estrada se sai muitíssimo bem ao estabelecer a atmosfera fria e sufocante que toma conta de Oakland graças ao perigo representado não pelas gangues, mas pelos policiais. Assim, há diversos momentos onde o cineasta extrai inquietação a partir desta ambientação – e se consideramos que este é o primeiro longa-metragem de Estrada, o resultado torna-se ainda mais impressionante: a sequência que envolve um pesadelo faz bom uso das cores fortes e da montagem rápida para levar o espectador a sentir a angústia de Collin, ao passo que a cena em que o protagonista caminha (armado) pela rua e percebe que uma viatura da polícia está se aproximando revela-se admirável ao desenvolver um clima de tensão constante.

Porque sim, o racismo continua existindo tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil contemporâneo (e no resto do mundo, é claro). Se colocando dentro de um contexto que permanece lamentavelmente atual, Ponto Cego transforma a jornada particular de Collin Hoskins em um reflexo do que acontece com a comunidade negra de modo geral – algo que Carlos López Estrada e o montador Gabriel Fleming ilustram através de um raccord perfeito que interliga a imagem do protagonista correndo num parque à de um menino pequeno que também corre dentro de casa. Aliás, é curioso notar que, assim como ocorria em Corra!, o roteiro de Daveed Diggs e Rafael Casal traz um momento específico onde uma viatura da polícia surge em cena e isto serve para deixar o espectador não aliviado, mas ainda mais tenso do que já estava. E o mais triste é que, se Collin fosse branco, não haveria motivo para aquela sequência ser tão angustiante.

O que nos traz ao “lugar de fala” que destaquei na abertura do texto – e um dos elementos dramáticos mais eficientes de Ponto Cego consiste em observar como que qualquer tropeço que Collin possa cometer (mesmo acidentalmente) pode resultar em prisão, espancamento e até execução, ao passo que os mesmos erros seriam facilmente ignorados ou amansados se fossem produzidos por um branco. E não adianta imaginar a realidade dos negros através da empatia; os únicos que podem compreender o problema em sua totalidade são… os próprios negros. É a partir deste estilo de vida que surgem as manifestações culturais que representam movimentos sociais – não é à toa que, num momento-chave da narrativa, Collin prossiga com seu monólogo através de um rap improvisado. Por isso, inclusive, que a apropriação cultural é algo tão complicado: por mais que Miles, por exemplo, tente soar como alguém que vive a realidade dos negros, isso não muda o fato de que ele é branco (e, por isso, não precisa temer a presença de uma viatura da polícia ao caminhar na rua).

Isto, por sinal, é algo que se reflete nas duas performances centrais do filme: vivido por Daveed Diggs como um rapaz que sente a dor de ser uma vítima do racismo sem deixar de se revoltar, Collin Hoskins é um sujeito que está cansado de sofrer nas mãos injustas dos policiais, mas que aos poucos vê aflorar, em seu interior, o desejo de tomar uma atitude. Ao mesmo tempo, Rafael Casal encarna Miles como um jovem irresponsável que frequentemente põe seu melhor amigo em situações perigosíssimas – e mesmo se enxergando como alguém que compreende (e até mesmo vive) a realidade dos negros, o fato é que Miles falha em entender, por exemplo, o porquê de Collin não podê-lo ajudar em uma briga de rua (se a polícia o flagrasse numa situação como esta, o protagonista seria apreendido na hora).

Encontrando espaço para comentar os perigos que são oferecidos pela simples presença de uma arma de fogo em casa (e expondo, com isso, a mania que os Estados Unidos têm de venerar obsessivamente a indústria bélica), Ponto Cego é um filme tão eficiente em sua proposta que consegue fazer funcionar até mesmo a grande coincidência que ocorre no clímax da projeção – que, vale apontar, conclui de maneira brilhante os tópicos abordados pela obra e leva o espectador a sair do cinema com a sensação de ter recebido o bom e velho soco no estômago.

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