Escrito e dirigido por Matt Ross (cuja experiência em ambas as funções inclui apenas 28 Hotel Rooms), Capitão Fantástico nos apresenta a Ben Cash, um sujeito que vive na floresta ao lado de sua amada família e mantém distância das convenções sociais que despreza. Eis que, um dia, sua esposa Leslie comete suicídio após ser internada graças à bipolaridade, o que leva Ben a reunir seus filhos e viajar rumo ao funeral – e uma onda de consequências complicadas é desencadeada quando o protagonista se revolta ao descobrir que sua falecida companheira não está sendo homenageada conforme exigiu em seu testamento.
Ao ler esta descrição, é comum antever que se trata de uma obra dramática e capaz de despertar um sentimento amargo no espectador – e aí que entra uma das maiores proezas da produção: embora conte com momentos dolorosos que possivelmente levarão boa parte do público às lágrimas (como aquele em que Ben anuncia aos filhos que a mãe acabou de morrer), Capitão Fantástico jamais se entrega à morbidez ou ao sentimentalismo excessivo e envolve uma trama conceitualmente triste numa roupagem agradável e surpreendente em sua energia. Por outro lado, Matt Ross é hábil ao nunca permitir que a leveza torne-se invasiva a ponto de aliviar o peso do que acontece na vida dos personagens, revelando uma noção bastante admirável de como dominar o tom da narrativa.
No entanto, um dos elementos que mais atraem no projeto é a eficiência com que apresenta o estilo de vida abraçado pelos Cash: logo na primeira cena, vemos os garotos caçando animais, aprendendo a sobreviver na floresta e praticando atividades comumente evitadas por muitas crianças sedentárias (como escalar uma montanha). Depois disso, os hábitos da família começam a indicar uma tendência curiosa a filosofias como “Poder ao povo; abaixo o sistema!” e incluem práticas inesperadas que vão de simular um fanatismo religioso para resolver um problema até comemorar o “Dia de Noam Chomsky”, passando por rejeições ao capitalismo e absorção de conhecimentos que, em certo momento, levam uma menina de oito anos a realizar algo que dois rapazes mais velhos não conseguiram fazer: explicar a “Bill of Rights”. Assim, Capitão Fantástico também apresenta um lado crítico e questionador, como se pusesse à prova todas as convenções que a sociedade segue mantendo sem tentar compreendê-las totalmente.
O que não quer dizer, em contrapartida, que o longa encare as ações de Ben como corretas ou aplauda seus métodos irresponsáveis: se vemos os garotos roubando um supermercado por influência do pai, este vem a arcar com consequências posteriores; se o protagonista pede que sua filha execute um ato perigoso que resulta num acidente, o arrependimento surge como um soco no rosto do personagem principal. Além disso, qualquer um que tenha o mínimo de bom senso vai reconhecer que Ben está longe de ser o melhor dos pais – todavia, o carinho que ele sente por suas criações é forte o suficiente para levar o espectador a sentir compaixão quando as consequências começam a aparecer. Pois o fato é que a família Cash pode até ser imperfeita, mas é digna de nota por esbanjar afeto e se esforçar para contrariar o que é cegamente seguido pelos outros.
Interpretado por Viggo Mortensen como um indivíduo coerente com suas ideologias incomuns e acostumado a responder às perguntas feitas por seus filhos de maneira objetiva (ao explicar o que é um estupro, ele não adota eufemismos e não exibe impaciência ao também ter que dizer o que são relações sexuais), Ben parece carregar uma intensidade em seu interior sem que deixe de soar como um homem cauteloso em seus discursos e atitudes, transformando-o numa figura complexa e, até certo ponto, enigmática. Da mesma forma, os outros integrantes da família Cash têm seu espaço – e se não são todos, ao menos a maioria dos garotos conta com suas especialidades ou arcos dramáticos próprios: um deseja ir entrar para uma faculdade das mais conceituadas, o que se opõe à vontade do pai (que é contra escolas e faculdades); outra se esforça para interpretar um livro; uma terceira é capaz de humilhar dois adolescentes que não sabem o que é “Bill of Rights” (como já foi dito); uma consegue escalar estruturas com uma eficácia impressionante; e, por fim, há aquele que vê o pai como o principal causador dos problemas familiares.
O mesmo cuidado que existe na concepção dos personagens também se aplica ao trabalho da diretora de fotografia Stéphane Fontaine, que registra a floresta ocupada pela família Cash com base em tons lúdicos e puros, conferindo uma aparência bastante lúdica às locações e às paisagens naturais. Ao mesmo tempo, o diretor Matt Ross é bem-sucedido ao desenvolver um breve suspense a partir de ruídos causados por telhas possivelmente bambas, no instante em que uma das garotas está andando pelo topo de uma casa. E se a montagem de Joseph Krings mantém um ritmo ágil e fluído, sem estender a narrativa além do necessário, a figurinista Courtney Hoffman é inteligente ao diferenciar os Cash do resto das pessoas através de visuais mais vibrantes – e o ápice disso ocorre numa sequência que envolve um velório, na qual a família entra vestindo roupas extravagantes e coloridas em meio a um mar de preto, branco e cinza.
Acertando ao investir num desfecho que dá uma aparência mais animada a situações que seriam encaradas com dor e pesar pela maioria das pessoas, Capitão Fantástico pode até pecar aqui e ali (há uma fuga de um supermercado que soa fácil demais), mas ainda assim surge como uma aventura emocionante e que questiona os valores socialmente tidos como “normais” ao mesmo tempo em que aborda temas como morte e luto de maneira admiravelmente alegre e otimista.